Lula lança ofensiva para atrair empresariado, ainda firme com Bolsonaro
No segmento, o presidente alcança 55% das intenções de voto contra 26% do petista, de acordo com a pesquisa Datafolha de julho
Luiz Inácio Lula da Silva lidera a corrida ao Palácio do Planalto na grande maioria dos segmentos do eleitorado, mas em um deles está em franca desvantagem em relação a Jair Bolsonaro: entre os empresários, o presidente alcança 55% das intenções de voto contra 26% do petista, de acordo com a pesquisa Datafolha de julho. É a maior diferença a favor do capitão, quase o triplo da margem que consegue com evangélicos (43% a 33%). Uma série de razões explica a preferência de grande parte do PIB pelo projeto de reeleição. Apesar da atual crise econômica e do fato de boa parte da agenda liberal prometida por Bolsonaro não ter saído do papel, algumas medidas tomadas nos últimos anos agradaram à classe empresarial, como a reforma da Previdência, a autonomia do Banco Central e o marco legal do saneamento, além da venda da Eletrobras e da concessão de serviços essenciais de infraestrutura. Do outro lado, em discursos e entrevistas, volta e meia Lula deixa o mercado de cabelo em pé defendendo medidas como rever privatizações, acabar com o teto de gastos e revogar as reformas aprovadas no ciclo pós-PT.
Na atual fase da campanha, no entanto, a fim de tentar equilibrar o apoio entre o empresariado (um segmento com poder de influência inversamente proporcional ao seu tamanho no bolo do eleitorado), o ex-presidente vem dando sinais de que vai investir pesado no pragmatismo — aliás, uma das marcas registradas de sua trajetória política. Enquanto o candidato radicaliza no palanque para agradar aos tradicionais apoiadores do PT, a campanha coloca em curso o plano para reverter a desvantagem junto ao PIB em encontros reservados. Uma das prioridades dessa agenda são eventos com os pesos-pesados do setor financeiro e do empresariado, no circuito que vai da Avenida Paulista à Faria Lima. Nos últimos meses, Lula esteve com banqueiros como Pedro Moreira Salles (Itaú), Luiz Carlos Trabuco (Bradesco), Sergio Rial (Santander) e Guilherme Benchimol (XP Investimentos), e empresários como Luiza Trajano (Magazine Luiza), Beto Sicupira (3G Capital) e Pedro Passos (Natura). Na maior parte dessas ocasiões, o ex-presidente é acompanhado pelo vice, o ex-tucano Geraldo Alckmin, o ex-prefeito Fernando Haddad, o economista e ex-banqueiro Gabriel Galípolo, o deputado Alexandre Padilha (SP) e Aloizio Mercadante, presidente da Fundação Perseu Abramo e coordenador do plano de governo.
Nos encontros, o petit comité de Lula tenta dissipar os temores que povoam o mercado. Um deles é sobre o futuro do teto de gastos e as dúvidas sobre qual seria a política fiscal em um novo governo petista. As piores lembranças remetem ao governo Dilma Rousseff. O pacote de respostas inclui dizer que Lula sempre teve responsabilidade fiscal no governo e que foi Bolsonaro quem desmoralizou o teto de gastos. Os integrantes da campanha dizem, ainda, que haverá algum tipo de âncora, mas que é impossível apresentar algo mais delineado agora. “O tamanho das irresponsabilidades com a economia do país é tão imprevisível até o fim do ano que é impossível detalhar uma nova regra fiscal antes disso”, diz Padilha. O deputado afirma que, diante dos efeitos da pandemia, com a volta da fome e a defasagem nos investimentos em educação e meio ambiente, os petistas têm externado a ideia de antecipar para 2023 a revisão da lei do teto de gastos, prevista para 2026.
Nas conversas reservadas há também uma boa dose de recuos em relação à pregação pública do início da pré-campanha. Sai a “revogação” da reforma trabalhista, entra a “revisão” pontual. Também fica claro que será mantida a independência do Banco Central. Segundo um empresário presente a um encontro com Haddad e Galípolo em julho, os lulistas indicam ainda que a privatização da Eletrobras não deve ser revertida, que o BNDES deve retomar o protagonismo de outros tempos e que não se descarta aumentar a carga tributária para alguns setores, o que não chega a causar discordâncias.
Outros dois pontos têm despertado o interesse da elite empresarial. Um deles é saber qual será o espírito de Lula em caso de vitória. Muitos se mostravam ressabiados com um eventual sentimento de “revanche” — percepção que Lula faz questão de dissipar prometendo “paz e amor”. Naturalmente, as conversas incluem sondagens sobre quem vai conduzir a Economia. A inclinação de Lula de colocar um político à frente da pasta tem sido bem recebida. Muitos dizem que um dos principais problemas de Paulo Guedes é exatamente a falta de traquejo político, que inviabilizou a condução de pautas importantes do atual governo. Para o posto em eventual vitória petista, já foram especulados Haddad e Padilha. Mais recentemente, um outro “ministeriável” entrou com força para essa lista: Geraldo Alckmin. “Se Lula anunciar o nome dele (Alckmin) para a Economia, o dólar cai na hora”, afirma um representante graúdo do PIB.
Essa percepção não ocorre por acaso. A possível escolha do ex-tucano para esse posto seria um tremendo passo adiante dentro da mesma lógica que o colocou na chapa presidencial petista. “Essa era uma aliança improvável, imprescindível e complementar”, defende Mercadante. De posições moderadas e traquejo político nas negociações, Alckmin foi escolhido para aproximar a campanha do centro e, desde então, tem se dedicado com afinco a essa missão. Botou o pé na estrada com Lula e vem articulando encontros importantes com empresários e gente do mercado. A sua atuação é exaltada especialmente em relação ao agronegócio, outra frente da articulação de Lula junto aos donos do capital. Um aliado do ex-presidente conta que chamou a atenção no entorno do petista a presença da presidente da centenária Sociedade Rural Brasileira, Teresa Vendramini, em um jantar do ex-presidente e seu vice com empresários em São Paulo, em junho.
Há algumas semanas, Alckmin ligou para Marconi Perillo (PSDB), um antigo aliado, para tentar abrir a Lula o seu palanque de candidato ao governo de Goiás. O petista já cravou a sua estrela em Mato Grosso, onde costurou aliança com nomes do agronegócio como Blairo Maggi, Carlos Augustin e o senador Carlos Fávaro, ex-presidente da associação de produtores de soja local. Lula vai apoiar ao Senado Neri Geller (PP), ex-ministro da Agricultura de Dilma e relator de leis que flexibilizam o licenciamento ambiental. “Eles estão nos ouvindo, isso me deixa motivado”, afirma Geller.
Enquanto Lula tenta avançar sobre o empresariado, Bolsonaro parece empenhado em afastar esse apoio (apesar de todos os apelos de sua tropa mais equilibrada). Na quarta-feira 3, cancelou a ida a um encontro na Fiesp e a um jantar com empresários do grupo Esfera Brasil previsto para 11 de agosto, a mesma data em que haverá o lançamento de uma carta em defesa da democracia, com o apoio de banqueiros, intelectuais e gente da sociedade civil. O manifesto foi articulado após ataques tresloucados de Bolsonaro ao sistema eleitoral, algo que lhe tira mais votos do que traz. Um dos articuladores do documento, aliás, é o presidente da Fiesp, Josué Gomes, filho de José Alencar, empresário que foi vice de Lula.
Tem um pedaço dessa turma, porém, que nem com essas patacoadas se afasta dele. A parcela do mercado que permanece fiel a Bolsonaro é formada por donos de pequenos negócios, que perderam renda à época da pandemia e se identificam com a narrativa de que a política do “fique em casa” prejudicou o Brasil. Outro ponto a favor da sedimentação desse eleitorado foi a atuação do seu governo em prol de empresários pequenos e médios. “Sobretudo com a desintermediação bancária, que cortou custos, e a MP da liberdade econômica”, cita o empresário bolsonarista Otávio Fakhoury, presidente do PTB-SP.
Como mostram todas as pesquisas de opinião, é evidente que a economia terá um peso decisivo no resultado da eleição. Na entrevista que deu recentemente ao programa Amarelas On Air, de VEJA, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, reforçou essa confiança. “As pessoas vão votar com a razão — não com raiva e emoção”, disse. Dentro desse raciocínio, o governo aposta que a melhora de indicadores como PIB, inflação e desemprego pode aumentar ainda mais o apoio do setor produtivo (e também da população). Além disso, o discurso liberal e iniciativas para quebrar monopólios encontram ótima ressonância entre empresários e pequenos empreendedores. “Essas medidas empoderam a iniciativa privada e tornam a predileção por Bolsonaro e Guedes algo natural”, pontua André Perfeito, economista-chefe da corretora Necton.
Pesa ainda a aversão histórica ao petismo, que atinge diretamente Lula. O início da relação dele com o empresariado foi bastante tumultuado. Em 1989, ficou célebre a frase do então presidente da Fiesp, Mário Amato, ao dizer que 800 000 empresários deixariam o país em caso de vitória do metalúrgico. Depois de três derrotas nas urnas, Lula escreveu em 2002 a Carta ao Povo Brasileiro, na qual buscou acalmar os ânimos. O texto, aliado à indicação de José Alencar a vice, mostrou-se fundamental. Mesmo assim, a perspectiva de sua vitória levou pânico ao mercado financeiro — a bolsa caiu e o dólar disparou às vésperas da eleição. No governo, no entanto, Lula, o pragmático, mostrou respeito ao ambiente de negócios e responsabilidade fiscal. Na campanha atual, aliás, sempre que pode, procura lembrar esse comportamento aos representantes do PIB. O desafio agora é o de renovar a confiança que obteve em outros momentos, mas em ambiente de maior radicalização política — dois em cada três empresários dizem que não votariam no petista de jeito nenhum, segundo o Datafolha. Embora saiba agradar a qualquer tipo de interlocutor, não será fácil para Lula obter sucesso nesse investimento político.
Publicado em VEJA de 10 de agosto de 2022, edição nº 2801