O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e o senador Renan Calheiros (MDB) compartilham mais do que a origem alagoana, a ojeriza mútua e o caciquismo que exercem no estado, no Congresso e em seus partidos. Lira e Renan estão em posições importantes ao lado dos dois principais candidatos à Presidência, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, e buscarão se manter na ribalta em 2023, seja qual for o inquilino do Palácio do Planalto. O duelo decisivo entre os adversários deverá se dar em Brasília logo após as eleições, quando certamente serão peças-chave na renovação de poder no Legislativo, mas os primeiros tiros já estão sendo trocados na movimentada batalha pré-eleitoral em seus redutos políticos, para a qual até o Supremo Tribunal Federal foi arrastado.
A acirrada disputa ocorre em um momento em que Alagoas nem sequer tem um governador eleito. O poder é exercido interinamente pelo presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Kléver Loureiro, depois que Renan Filho (MDB) renunciou no início de abril para disputar o Senado — é favorito para tomar a cadeira que há dezesseis anos é de Fernando Collor, do PTB (o ex-presidente está em campanha para mais um mandato, só que aparece atrás nas pesquisas). Sem sucessor natural, já que o vice, Luciano Barbosa, virou prefeito de Arapiraca e o presidente da Assembleia, Marcelo Victor (MDB), se recusou a assumir para não ficar inelegível, o estado terá de fazer eleição indireta para um mandato-tampão até o fim do ano.
A disputa por esse curto período de gestão é que deflagrou a guerra entre Lira e Renan. O favorito na disputa indireta na Assembleia é o deputado estadual Paulo Dantas (MDB), candidato dos Calheiros. Pouco antes da votação, prevista para 2 de maio, PSB e PP (de Lira) foram ao STF e conseguiram suspender o processo alegando irregularidades no edital, entre elas a votação em separado para vice e governador, e não por chapas. O ministro Gilmar Mendes fixou, então, novas regras, e a Assembleia marcou a votação para domingo 15. O grupo de Lira, no entanto, batalha para obter novo adiamento.
Renan e seu filho avaliam que Lira quer ver Dantas o menor tempo possível no cargo, já que ele será o candidato adversário ao escolhido pelo grupo de Lira para a eleição estadual (no caso, o senador Rodrigo Cunha, do União Brasil). Pela lei eleitoral, Dantas não poderá inaugurar a partir de julho nenhuma obra deixada por Renan Filho. “Arthur Lira é o embrião do golpismo”, criticou Renan, na última terça, 10. “Arthur age de má-fé na Justiça para encurtar as ações do governador, ganhar tempo”, acusa o senador, que compara o comportamento de Lira ao de Bolsonaro em relação às eleições nacionais. Lira devolve o ataque, dizendo que Renan não deveria querer medir os outros pela régua dele. “Do modo como foi construída, a eleição é de cartas marcadas, viciada e inconstitucional”, afirma o presidente da Câmara, que se refere a Renan como “pato manco, à sombra do filho”.
O pano de fundo da contenda é a disputa nacional entre os dois caciques. Lira quer continuar dando as cartas na Câmara em 2023 e já afirmou a aliados que a sua recondução não está atrelada à sorte de Bolsonaro. Para isso, espera que o Centrão, que chegou a 175 deputados na janela partidária, saia ainda mais forte das urnas em outubro. Lira também gosta de dizer que mantém “equilíbrio” em relação a Bolsonaro e tem boas relações com a oposição. Sem um aliado no Planalto, contudo, é inegável que suas pretensões ficariam mais difíceis. E a sua relação com Lula anda mal. Em mais de uma oportunidade, os dois se estranharam, a última no dia 3, quando o petista disse que Lira quer ser o “imperador do Japão” ao controlar o Orçamento secreto e trabalhar pelo semipresidencialismo. O pepista rebateu afirmando que só critica o poder do Congresso “quem vem com intenção de fazer ditadura no Brasil”. Renan, por sua vez, trabalha firme por Lula, buscando ampliar as alianças do petista ao centro e, para isso, já se encontrou com o ex-presidente Michel Temer e o presidente do PSD, Gilberto Kassab. O emedebista diz que não quer a presidência do Senado, que ocupou quatro vezes, e desconversa sobre ser ministro. Mas é visível que tenta se cacifar com Lula para ampliar seu poder nas articulações do Congresso em 2023. E o seu principal adversário nessa pretensão será, claro, Lira.
Em que pese o seu tamanho (o segundo menor estado) e a pouca relevância econômica (20º PIB do país), não é de hoje que a história política de Alagoas se confunde com os rumos do Brasil. Na República, os dois primeiros presidentes foram alagoanos (os marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto). Mais tarde, emplacou o governador Fernando Collor como chefe da nação. As intensas rivalidades locais já derramaram sangue, literalmente, no Congresso. Em 1963, o senador Arnon de Mello (PDC-AL), pai de Collor, matou a bala o senador José Kairala (PSD-AC) quando tentava alvejar o rival Silvestre Péricles (PST-AL). Um novo tiroteio alagoano, felizmente virtual, desenha-se para o próximo mandato.
Publicado em VEJA de 18 de maio de 2022, edição nº 2789