Liga quer que escolas de samba do Rio homenageiem Bolsonaro em 2022
Projeto ainda será apresentado ao presidente da República e promete gerar polêmica entre organizadores, carnavalescos e sambistas
A Liga Independente das Verdadeiras Raízes das Escolas de Samba (Livres), uma das entidades que organizam os desfiles no carnaval do Rio de Janeiro, pretende homenagear o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) em 2022, ano em que ele tentará a reeleição. A previsão é que o projeto seja apresentado na próxima semana no Palácio do Planalto para a avaliação do próprio Bolsonaro. O enredo já está escolhido: “Da Cidade Maravilhosa do Rio de Janeiro para Brasília, capital do Brasil. De JK (Juscelino Kubitschek) a JB – suas riquezas minerais, belezas naturais, fauna, flora e tradições“. Este mês, a folia foi cancelada por causa da pandemia do novo coronavírus.
Se Bolsonaro concordar, a proposta de haver um tema único vai ser encaminhada à principal associação dos sambistas para ser debatida: a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (Liesa), que reúne as agremiações do Grupo Especial. “Em 2000, todas as escolas de samba tiveram como enredo os 500 anos do descobrimento do Brasil. A nossa ideia é exatamente igual. Mas precisamos, primeiro, da autorização do presidente Bolsonaro para, depois, explicar o projeto para a Liesa. 2022 será um ano diferente, com eleição presidencial e a provável volta do carnaval após a pandemia. Queremos exaltar o país e o Rio no meio deste caos que estamos vivendo”, conta Raphaela Nascimento, presidente da Livres.
VEJA teve acesso ao documento com a justificativa do enredo. Ao todo, são 47 páginas, com fotos dele ao lado de JK. “O presidente Jair Bolsonaro convida alguns presidentes mundiais que tenham um bom relacionamento de amizade, de carinho e relação comercial de importação e exportação, que, sem dúvida, dará mídia positiva em todo mundo, juntos na maior festa popular do mundo, o carnaval da Marquês de Sapucaí, a Passarela do Samba”, propõe um dos trechos. “Vai ser a maior jogada de marketing em cima da maior TV da América Latina”, afirma o texto, em seguida, referindo-se à TV Globo, alvo constante de ataques do clã presidencial e de bolsonaristas e detentora dos direitos de transmissão dos desfiles.
O projeto é ambicioso. Prevê a presença dos ex-presidentes Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. “Olha o pulo do gato e o golpe de mestre: os ex-presidentes do Brasil sendo homenageados e sendo convidados a participar e assistir o carnaval do Rio de Janeiro, na maior festa popular do mundo, onde o grande homenageado é o atual presidente, o senhor Jair Bolsonaro”, diz outro trecho.
A proposta da Livres, no entanto, provocará muita polêmica para sair do papel. Primeiro, terá de ser unanimidade entre as escolas do Grupo Especial e de acesso, incluindo as agremiações mirins, como indica o projeto. Sem contar que a festa envolve direitos de transmissão e patrocinadores. Os desfiles na Marquês de Sapucaí possuem também a influência dos principais contraventores do país. E mais: o carnaval carioca foi marcado recentemente por protestos contra políticos. Em 2020, Bolsonaro foi matéria-prima para manifestações. A Acadêmicos de Vigário Geral, por exemplo, levou ao Sambódromo uma alegoria representada pelo palhaço Bozo vestindo terno e com a faixa presidencial cruzada no peito e fazendo uma arma com as mãos, uma referência clara ao presidente.
Por causa da pandemia, as escolas têm o desejo de manter, em 2022, os mesmos enredos que seriam desenvolvidos este ano nos desfiles. “Recebo com surpresa a existência de um projeto descabido como esse. Até onde tenho conhecimento, as escolas do Grupo Especial já estão com seus enredos para 2022 definidos. Eu, por exemplo, não troco a pertinência da homenagem ao compositor Cartola, ao intérprete Jamelão e ao mestre-sala Delegado – o enredo da Mangueira já apresentado para o desfile de 2022 – pela anedótica pretensão de homenagear Jair Bolsonaro”, afirmou Leandro Vieira, carnavalesco da Mangueira e do Império Serrano.