Karina Kufa: a principal conselheira de Bolsonaro na briga com o PSL
Incentivadora do rompimento do presidente com o PSL, ela deixou de ser a mera advogada do capitão para liderar a procura por um novo partido
Seis anos atrás, a advogada Karina Kufa se desdobrava para arcar com as despesas de um escritório especializado em direito eleitoral que atendia principalmente prefeitos e vereadores do Vale do Ribeira, região do interior paulista. A sede estava localizada em uma casa de 500 metros quadrados no Pacaembu, bairro nobre de São Paulo, porém sua inexperiência administrativa acarretou uma ordem de despejo (ela se mudou de lá em 2013, mas quitou a parcela final do processo nesta semana). Na mesma época, ela deixou de arcar com o salário de funcionários. Esses tempos de escassez de recursos e de trabalhos modestos ficaram definitivamente para trás. Nas últimas semanas, Karina virou uma das figuras mais importantes dos bastidores da política nacional. Seu mais notável cliente é Jair Bolsonaro, que a tem como a principal conselheira na barulhenta briga com seu partido, o PSL, motivada por disputas de dinheiro e de poder.
A guerra tem desdobramentos jurídicos, o que aumentou a relevância da advogada na história. No decorrer do rompimento iminente, Karina estuda o que poderá ser feito para tirar do PSL os deputados leais a Bolsonaro sem que eles percam os fundos partidário e eleitoral. A soma das verbas pode chegar a quase meio bilhão de reais em 2020. Por isso, ela mantém reuniões privadas e fala diariamente com o presidente para traçar os próximos passos na batalha. Como manobra para desgastar os adversários e viabilizar uma saída com justa causa dos correligionários leais, garantindo a eles o direito de carregar o dinheiro para outra sigla, Karina acusa dirigentes do PSL de esconder documentos e já exigiu uma auditoria completa das contas do partido nos últimos cinco anos. “Sou um pouco chata para falar do futuro”, desconversa a advogada. “No momento, é preciso aguardar essa estratégia para que ela não dê errado.”
Karina se aproximou do clã na disputa eleitoral de 2018. O ex-ministro Gustavo Bebianno, homem forte da campanha, recebeu uma ligação desesperada do Major Olimpio (PSL-SP), então candidato ao Senado, para tratar de irregularidades nas contas do diretório de São Paulo que impediriam o partido de lançar qualquer nome às urnas. Foi então que Tiago Ayres, coordenador jurídico da campanha, sugeriu a Bebianno o nome de Karina, que àquela altura já apresentava algum trânsito na Justiça Eleitoral por ter defendido siglas como PRTB, PEN (hoje Patriota) e Rede.
A advogada pôs ordem na bagunça e se aproximou ainda mais da família Bolsonaro ao assumir a responsabilidade pela prestação de contas da campanha de Jair à Presidência e da de seu filho Eduardo à Câmara dos Deputados. Após a eleição, ela conseguiu um contrato de 40 000 reais mensais com o partido, além de ter se tornado uma das advogadas particulares do presidente. Ganhou pontos também entre o clã ao se relacionar com lideranças evangélicas, como a bispa Sonia Hernandes, da Igreja Renascer, e ao construir um bom relacionamento com o presidente do STF, Dias Toffoli. Foi uma das responsáveis por diminuir a aversão que o núcleo bolsonarista nutria pelo ministro, apelidado de “advogado do PT”.
A atuação da advogada foi dos bastidores aos holofotes no último dia 8, quando Bolsonaro escancarou a crise com o PSL. Ele foi gravado na saída do Palácio da Alvorada enquanto confraternizava com apoiadores e dizia a um eleitor “esquece o PSL”, porque o presidente do partido, Luciano Bivar (PE), estava “queimado pra caramba”. Para quem convive no círculo de poder do capitão, o que parecia mais uma das declarações espontâneas de Bolsonaro na verdade era algo que já vinha sendo planejado com o apoio de Karina, que calculava um rompimento com o PSL havia tempos. Antes da última cirurgia feita pelo presidente, em setembro, a advogada disse a Bolsonaro que ele estava sendo enrolado ao acreditar que a cúpula da sigla aceitaria discutir a refundação do PSL, com mudanças no nome, no estatuto e na distribuição de poder interno.
Ao tornar público o rompimento, Bolsonaro esperava ser respaldado pela maioria dos deputados do PSL, mas o apoio não passou de vinte dos 53 parlamentares. Já Bivar viu sua situação agravar-se na terça 15, após a Polícia Federal cumprir mandados de busca e apreensão em endereços ligados a ele. A operação investiga candidaturas-laranja em Pernambuco. Mas o timing levantou suspeitas no PSL, pois a PF pedia autorização para as buscas havia dois meses. O líder da sigla na Câmara, Delegado Waldir (GO), insinuou que Bolsonaro foi informado sobre o caso. Na quarta 16, um áudio vazado mostrou Bolsonaro pedindo a um deputado que o ajudasse a destituir Waldir do posto em benefício do filho Eduardo. Sem sucesso, o presidente mirou outro desafeto e demitiu Joice Hasselmann da liderança do governo no Congresso.
Em conversas privadas, Bivar atribuiu a ofensiva de Karina às negativas que deu para contratos vultosos de compliance que ela teria apresentado. O deputado tem dito a aliados que o procuram que o rompimento com Bolsonaro “não tem volta” e, ao explicar o divórcio, afirma que “conservadorismo radical e liberalismo clássico dificilmente poderiam conviver harmoniosamente”. Mas os conflitos do PSL têm pouco a ver com ideologia. Além do dinheiro que entrou nos cofres do partido, o controle dos diretórios definirá quem serão os candidatos nas eleições municipais de 2020.
Na guerra de acusações, Karina também virou vidraça. Desde o dia 11 circula a última prestação de contas do PSL, que aponta o pagamento a ela de 300 000 reais por dois contratos com o partido. “Prestei esses trabalhos a eles cobrando abaixo do valor de mercado dos advogados de Brasília”, afirma Karina. Surgiram ainda fantasmas do passado. Uma funcionária disse que teve de acioná-la na Justiça para obter honorários atrasados, já que a advogada a bloqueou nas redes sociais ao ser cobrada das dívidas. Por precaução, Karina se afastou de situações que poderiam desagradar à família presidencial. Em 22 de agosto, deixou a defesa de Francisco de Assis e Silva, ex-diretor da JBS. A advogada diz que nunca se reuniu com Assis e Silva e que ele era cliente de seu ex-marido. “A direção do PSL mente demais”, reclama. “Estão querendo denegrir a minha imagem, mas estou tranquila.”
Karina trabalha hoje em parceria com o ex-ministro do TSE Admar Gonzaga, amigo de longa data da advogada e do próprio presidente. Gonzaga foi, inclusive, o relator que aprovou as contas da campanha do PSL no TSE. Hoje ela diz conversar com mais de cinco partidos, mas, nos bastidores, dirigentes de algumas siglas procuradas começaram a manifestar medo de abrir as portas aos dissidentes do PSL. Eles temem o risco de ser engolidos pelas ambições da família presidencial, o que causaria aos partidos uma crise como a atual do PSL. É mais um rolo para a advogada de Bolsonaro resolver.
Publicado em VEJA de 23 de outubro de 2019, edição nº 2657