Um dos mais emblemáticos alvos da Lava-Jato, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (MDB-RJ) foi acusado de receber propina de 1,5 milhão de dólares relacionada a um contrato da Petrobras para a exploração de petróleo na África. Esse dinheiro, que teria movimentado nas famosas contas secretas da Suíça, lhe custou o mandato de deputado. Condenado em 2017 pelo então juiz Sergio Moro por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, o emedebista teve a sentença anulada pelo Supremo Tribunal Federal no último dia 14, e seu caso foi enviado ao Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, onde precisará recomeçar. A Corte entendeu que Moro manipulou o processo ao excluir o crime de caixa dois com o objetivo de manter a ação sob sua alçada. Com isso, Cunha não saiu da mira da Justiça, mas está longe de ser um exagero dizer que a mudança representa um certo alívio ao ex-parlamentar.
O entendimento no STF desde março de 2019 é que investigações que envolvam crime eleitoral, junto com outros crimes, como corrupção, devem tramitar na Justiça Eleitoral, como é o caso de Cunha. Um dos maiores reveses da Lava-Jato, a decisão foi muito contestada à época por procuradores ligados à operação. Para eles, o sistema eleitoral não tem estrutura para apurar casos complexos de corrupção. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o tempo médio entre o início de um processo e a primeira sentença nas varas federais é de um ano e cinco meses. Na Justiça Eleitoral as coisas, de fato, caminham de forma bem mais lenta. Levantamento feito por VEJA em 28 inquéritos abertos em 2017 no STF na esteira das delações da Odebrecht e da JBS e que hoje estão na Justiça Eleitoral dos estados constatou que treze deles nem saíram da fase investigativa. Outros nove acabaram sendo arquivados por falta de provas. Apenas seis viraram ação penal. Em nenhum caso houve condenação.
O que já está lento, no entanto, pode piorar. Um dos problemas é que os juízes eleitorais mudam a cada dois anos, em esquema de rodízio, o que pode impactar a continuidade das ações recebidas a partir de 2019. O outro é que 2022 será ano de eleição, o que vai sobrecarregar os cartórios das zonas eleitorais, já que o rito democrático, é óbvio, exige prioridade ao pleito. Para Henrique Neves, ex-ministro do TSE, no entanto, eventuais atrasos causados pela demanda eleitoral — que, para ele, serão maiores nos três meses antes da votação — terão o impacto diluído em razão da natureza das ações criminais, que tendem a tramitar por longos prazos em qualquer lugar: “Processo penal, naturalmente, demanda maior tempo”. Mesmo que a prescrição para corrupção ocorra em dezesseis anos a partir da data do crime, o tempo que resta pela frente não é tão longo quanto parece. Nos casos mandados pelo STF à Justiça Eleitoral, os crimes investigados aconteceram entre 2008 e 2014.
A questão é especialmente problemática nos casos ainda na fase de investigação. Na Justiça mineira, por exemplo, dois inquéritos sobre caixa dois que envolvem o deputado Aécio Neves (PSDB), enviados para lá em 2018 e 2019, encontram-se ainda nessa etapa. Uma coisa é o cuidado necessário na apuração, outra bem diferente é demorar mais de dois anos para esclarecer um caso do tipo. Há outros exemplos parecidos envolvendo figuras relevantes atingidas pela Lava-Jato. No Pará, o governador Helder Barbalho (MDB) figura numa apuração há três anos. No Rio, o ex-senador Lindbergh Farias (PT) é parte em um inquérito aberto desde 2019, que ainda não evoluiu para a etapa seguinte. Em maio deste ano foi a vez de o senador Renan Calheiros (MDB), suspeito de ter recebido 500 000 reais da Odebrecht, ver o seu caso, após quatro anos, ir para Alagoas. A exceção até agora tem sido São Paulo, onde o juiz Marco Antonio Martin Vargas, considerado linha-dura e que costuma despachar com agilidade, já colocou no banco dos réus o ex-ministro Gilberto Kassab (PSD), os ex-governadores tucanos Geraldo Alckmin e José Serra, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade) e o presidente da Fiesp, Paulo Skaf. Fora o exemplo de São Paulo, apenas uma outra ação penal foi aberta: em Mato Grosso do Sul, contra o deputado Vander Loubet (PT).
A lenta tramitação de casos que ganharam holofotes no auge da Lava-Jato não é desejável (assim como não é desejável o açodamento punitivo, motivo de críticas à mesma Lava-Jato, bastante pertinentes, por sinal). O excesso de tempo na análise pode resultar em impunidade. Da mesma forma, em caso de inocência, os envolvidos seguem como suspeitos há anos, sem ter, quem sabe, o direito à absolvição. É preciso que o sistema de Justiça tenha condições para cumprir um princípio constitucional bastante ignorado no país: o da razoável duração do processo. Nada pior que um ambiente impregnado pela eterna suspeita e pelo temor da impunidade.
Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758