No coração de Cidade Tiradentes, bairro da periferia de São Paulo, um barracão coberto por caprichosos grafites abriga a companhia de circo Pombas Urbanas, que recebeu a reportagem de VEJA em 15 de junho enquanto seus artistas ensaiavam as apresentações do dia seguinte.
Quem vê de perto precisa fazer um esforço de imaginação para relacionar aquele universo de muito trabalho e alegria com a política nacional, muitas vezes chamada de “circo”.
Adriano Mauriz, 42, diretor da companhia, não concorda com o bordão “não somos palhaços”, protesto de pessoas que se dizem cansadas de pagar o preço pelas manobras de alguns governantes. A frase sempre esteve na boca do povo, mas ganhou ainda mais força nos últimos tempos.
“É uma associação rasa”, afirma ele, que atende também por palhaço Chalupa. “O palhaço não é tonto. Na verdade, ele quer mostrar como os outros são tontos e faz isso através do riso.”
Apesar de não aprovar a comparação, ele não condena o uso do nariz de palhaço em manifestações políticas: “Não somos nós que vamos coibir. O signo está aí para ser apropriado”.
Entre os artistas do Pombas Urbanas, Lula (PT) seria o preferido para a presidência, caso não estivesse impedido de se candidatar por conta da Lei da Ficha Limpa.
Indeciso, Mauriz pretende votar em Manuela d’Ávila (PCdoB) ou em Guilherme Boulos (PSOL). “Historicamente, o artista sempre teve mais respaldo em governos de esquerda. Com o Temer, o Ministério da Cultura foi reduzido a uma subcondição e para nós do circo é muito difícil viver sem incentivo público”, explica.
“Recentemente, propuseram tirar o dinheiro da loteria que ia para a cultura — que já é um dos menores orçamentos — para aquele ministério novo, da segurança. Como se investir em armas fosse resolver o problema da segurança do país. Todos esses jovens de famílias humildes, que poderiam estar envolvidos com atividades perigosas, estão aqui fazendo arte.”
O diretor também deseja mais visibilidade à profissão de palhaço. “A cultura contribui com a sociedade. Eu que estou em um segmento popular posso atestar como a arte transforma vidas. Mas o brasileiro culturalmente não entende a arte, acha que é coisa de vagabundo.”
A pré-candidata à presidência pelo PCdoB também é uma opção para Bárbara Maria, de 20 anos, a palhaça Berbitta, que gostaria de ver uma mulher no poder. “É engraçado, as mulheres são marginalizadas até na hora de xingar. Você não chama ‘palhaça’, chama ‘palhaço’, no masculino.”
Ela também não aprova a associação de sua profissão com a política e acredita que isso acontece por desconhecimento do público sobre o universo circense. “Deveria haver uma cooperação entre as esferas público e privada para levar a arte do circo a todas as pessoas”, sugere.
Colega de equipe de Bárbara, Larissa Evelyn, 22, a Sonsafona, concorda: “Eu também chamava os outros de palhaço, usava nariz vermelho para dizer que estava sendo enganada, mas quando eu comecei a estudar o que esse personagem significava, a máscara (como o nariz é chamado) ganhou outro significado”, diz ela.
“O público precisa ter mais acesso à cultura. Nós não recebemos toda a ajuda que poderíamos receber do governo quanto a divulgação do nosso trabalho.”
A uma cidade de distância, em Guarulhos, Nelson Velloso, 53, o palhaço Borbonhoca, compartilha com os colegas o sentimento quanto ao bordão “não somos palhaços”: “É um contrassenso. O palhaço faz tudo às claras, não é corrupto. Deveríamos, na verdade, agir todos como palhaços”.
Velloso acredita que a associação do palhaço às vítimas das maracutaias políticas é sintoma de uma cultura enraizada no Brasil: “Em tempos de crise, a cultura é o primeiro setor a sofrer corte de verbas. O grande problema é que se não há um respeito a cultura, não há um respeito a humanidade. O homem é aquilo que ele produz”.
Na eleição de outubro, ele também gostaria de poder votar em Lula: “A prisão dele não tem justificativa. Então, se ele for candidato, voto nele. Do contrário, eu gosto daquilo que vem propondo o Boulos. É alguém que está dialogando com os movimentos sociais, com o setor intelectual, e eu acho que quem quer governar precisa conversar com todos os setores da sociedade”.
Já Wellington Nogueira, 58, fundador da ONG Doutores da Alegria, tentará levar a voz dos palhaços para a esfera política. Ele concorre para deputado federal pela Rede nas próximas eleições e pretende votar na correligionária Marina Silva: “Ela respeita a arte, a filosofia, o tempo do fazer”, justifica.