Desde a redemocratização, nenhum presidente escalou tantos militares para o governo quanto Bolsonaro. Além de ter afinidade com a tropa, dada a sua passagem pelo Exército antes de entrar na política, o capitão buscou nas Forças Armadas quadros para formar o pelotão de frente de sua administração. Ao trazer para o Planalto essa turma, esperava também pegar carona no prestígio de que ela goza entre boa parcela da população. Em menos de um ano, no entanto, o presidente demitiu ou recebeu o pedido de demissão de nove generais e dois coronéis que ocupavam postos-chave. Parte deles dava expediente no Palácio do Planalto, caso do general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo por seis meses. Sua saída foi a mais ruidosa entre as baixas, sob um processo de fritura promovido principalmente pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), o Zero Dois. Tido como referência entre militares da reserva e da ativa, Santos Cruz tornou-se persona non grata na ala ideológica do governo, especialmente para os seguidores de Olavo de Carvalho, o guru da família presidencial. Em novembro, o pedido de demissão do general Maynard Marques Santa Rosa, que comandava a Secretaria de Assuntos Estratégicos, também sediada no palácio, desencadeou uma baixa coletiva — outros dois generais e um coronel pediram demissão na sequência. Discretos, não saíram atirando, porém não negaram a decepção com o governo. A impressão é que os militares sempre perdem quando são confrontados por outros grupos da gestão. Bolsonaro continua recorrendo ao pessoal da caserna para preencher cargos. Em dezembro, anunciou que pretende indicar o coronel da reserva Paulo Jorge de Nápolis para o cargo de embaixador em Israel. Mas ficou claro que ele leva mais em consideração os palpites dos filhos e dos amigos que fez na Câmara ao longo de 28 anos. O casamento que parecia perfeito com a tropa terminou rápido em divórcio.
Publicado em VEJA de 1º de janeiro de 2020, edição nº 2667