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Gilmar Mendes: “Tenho sido um tipo de mau profeta”

O ministro do STF falou a VEJA sobre o governo Bolsonaro, pedidos de impeachment, politização da Justiça e Lava-Jato

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h26 - Publicado em 9 jul 2021, 06h00
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  • De férias em Portugal, o ministro concedeu entrevista a VEJA.

    Por que o senhor está sempre envolvido em polêmicas? As Cortes Constitucionais são normalmente contramajoritárias em relação à opinião pública e à imprensa. Quem entender que seu papel é agradar à mídia ou à opinião pública certamente está no lugar errado. Vivo bem nesse meu papel, às vezes odiado, às vezes aplaudido. Tenho um perfil psicológico adequado para isso. Por algum tipo de coincidência ou de inteligência, tenho sido um tipo de mau profeta, porque as previsões que fiz e a antevisão de algum quadro de caos se concretizaram.

    O que esperar do novo decano do STF? É um papel bastante simbólico de representar o STF e de ter voz em momentos de crises internas e externas. Infelizmente as crises têm se tornado bastante frequentes. Todos nós, e falando pelo tribunal, temos de nos preocupar tanto com a qualidade da governança como com a ingovernabilidade. Um estado de ingovernabilidade é uma ameaça à estabilidade institucional. Pensemos em um caminhão desgovernado. Os governos sem governabilidade acabam por provocar grandes estragos. Temos de dar condições para que haja governabilidade.

    O governo Bolsonaro é um caminhão desgovernado? Há alguns sinais de déficit no que diz respeito à governabilidade e sérios problemas de coordenação. A questão da saúde, por exemplo, talvez até por uma opção político-eleitoral, provocou essa confusão entre União, estados e municípios. Certamente, se tivesse havido uma adequada coordenação, não teríamos esse desfecho tão trágico em relação a tantas famílias.

    O senhor vê condições para um impeachment do presidente? O impeachment é uma arma que é pensada para não ser utilizada. Para além da tipificação de crime de responsabilidade, precisamos de uma causa política, e normalmente isso só ocorre quando o apoio do presidente desidrata, como aconteceu nos casos de Collor e Dilma. Se não houver essa perda de apoio, fica apenas um tipo de luta política. Toda vez que alguém fala em impeachment trago como contraproposta o semipresidencialismo, um regime em que o presidente seria o exercente de um poder moderador, temperaria as refregas políticas, mas, em caso de uma crise, sofreria o voto de desconfiança. Elege-se um novo governo, o assunto se encerra e a vida segue sem maiores traumas.

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    A democracia está ou já esteve sob risco? Não sei dizer de forma muito clara. O próprio governo e seus apoiadores se conscientizaram de que tentar persuadir as instituições pela via dos ataques ou do constrangimento físico era uma metodologia que não se coadunava com a democracia. No início, o presidente Bolsonaro também dizia que não iria ceder ao presidencialismo de coalizão, mas começou a faltar votos no Congresso, e o governo foi buscar o Centrão para ter algum tipo de aliança com um mínimo de programa de governo.

    O senhor continua afirmando que a política do governo Bolsonaro de combate à pandemia foi genocida? Não quero usar essa expressão porque ela se presta a equívocos. No grupo de conselheiros do presidente havia pessoas que diziam que a doença era uma gripezinha, que todas as medidas sanitárias recomendadas eram exageradas. E ainda havia o gabinete paralelo, os magos da cloroquina, todo um contexto sem base científica alguma. Acabamos produzindo um megadesastre sanitário. Se não é um genocídio, é uma mortandade em grande escala que poderíamos ter evitado.

    Como avalia o trabalho da CPI da Pandemia? A CPI está fazendo um competente inventário da crise para termos elementos de avaliação, tentar reparar o passado e fazer as devidas cobranças, mas sobretudo fazer as corrigendas para o futuro. Agora começa a revelar episódios relacionados à corrupção, distorção na compra de vacinas.

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    O presidente semeia diariamente a tese de que as urnas eletrônicas não são confiáveis. Isso faz parte de um discurso para manter sua grei unida. Temos de tratar Napoleão como Napoleão. Tem suspeitas de fraude? Traga as provas e vamos discutir isso publicamente. A própria vitória dele, que não era do establishment, é a prova inequívoca de que isso não existe. Nessa discussão sobre fraude em urnas eletrônicas tem um tipo de mensagem sub-reptícia que não devemos aceitar. Essa gente dialoga um pouco com aqueles que dizem que o homem não foi à Lua, que a Terra é plana e que a cloroquina salva.

    Há politização na Justiça? A politização da Justiça levou Sergio Moro a vir para o governo federal imaginando-se também candidato e estimulou um juiz do Rio a imaginar eleger a mulher prefeita. Todos esses delírios felizmente estão sendo sepultados. Os fatos revelados pela Vaza-Jato nos entristecem, nos enchem de vergonha. O Judiciário sai muito mal desse episódio. Certamente ninguém hoje quer ser sócio da Lava-Jato. Ainda vêm muitas corrigendas em torno disso.

    Como “mau profeta”, qual o cenário que o senhor prevê para 2022? Certamente teremos disputas eleitorais renhidas e, espero, civilizadas. Temos feito os mais diversos experimentos políticos, mas dentro dos marcos democráticos. É o mais longo período de normalidade democrática no período republicano. A gente tem de envidar esforços para que tudo continue caminhando nessa direção.

    Publicado em VEJA de 14 de julho de 2021, edição nº 2746

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