Foi um dos dias mais tensos no cargo, diz Janot a procuradores
No último discurso no Conselho Superior do Ministério Público antes de deixar posto, procurador-geral afirma viver 'montanha-russa que só tem queda livre’
Em discurso emocionado, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que viveu ontem “um dos dias mais tensos” do cargo, ao anunciar que pode rever o acordo de delação dos executivos da JBS. Ao falar sobre o cargo, ele afirmou que o momento da decisão é “solitário”. “A responsabilidade da decisão do procurador-geral é só do procurador-geral. Quando o procurador-geral erra, ele errou só. Quando ele acerta, acertou com toda sua equipe. Esse peso tira muito a energia da gente”, disse Janot, ao falar sobre seus últimos dias.
Segundo ele, os dois mandatos como procurador-geral colocaram em seu caminho “desafios quase sobre-humanos”, em uma referência à Lava Jato. “Eu não tinha a menor ideia de que todo esse tsunami iria acontecer ao final da minha carreira. Nunca tive uma atuação forte na área penal, todo mundo sabe que essa não é a minha área e o desafio final foi esse”, disse Janot, na sua última sessão como presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Após seis meses do início de seu mandato como procurador-geral, a Lava Jato teve início e perdurou durante os outros três anos e meio.
Sem mencionar diretamente a JBS, Janot falou sobre a decisão de segunda-feira, quando determinou a abertura de investigação sobre possíveis omissões dos executivos do grupo nas delações. Após meses de críticas por ter firmado um acordo polêmico de colaboração com Joesley Batista e outros diretores da JBS, o procurador-geral foi obrigado a anunciar que pode rever a delação, depois de descobrir novos áudios do delator. “Ontem foi um dos dias mais tensos e um dos maiores desafios desse período. Alguém disse para mim: ‘você realmente é um homem de muita coragem’. Eu pensei: será que sou um homem de coragem mesmo? Cheguei à conclusão de que não tenho coragem alguma. Na verdade, o que eu tenho é medo e o medo nos faz alerta.”
O medo, disse Janot, é de “errar muito” e de “decepcionar” o Ministério Público. “Todas as questões que enfrentei, eu enfrentei muito mais por medo de errar, de me omitir, de decepcionar a minha instituição do que por coragem de enfrentar esses enormes desafios”, disse. Ele afirmou que tem vivido uma “montanha-russa”, pois surpresas têm aparecido no meio do caminho. “E a impressão que dá é uma montanha-russa que só tem queda livre, não te dá o respiro de uma subida para se preparar para a nova queda”, disse.
Dividindo o mesmo plenário estava a conselheira Raquel Dodge, que irá assumir o comando da PGR a partir de 18 de setembro. Janot disse à sua sucessora que está “tentando deixar a casa da melhor forma arrumada” e aconselhou, em tom emocionado: “Nos momentos difíceis, não desanime; converse”. Pouco antes, Raquel elogiou o antecessor e disse que ele deixa “um legado que honra a história do Ministério Público na construção de uma instituição forte”. Os dois são conhecidos desafetos dentro do Ministério Público Federal.
Ao citar um personagem de Fernando Pessoa, Janot falou: “Ele afirmava: ‘Cumpri contra o destino o meu dever. Inutilmente? Não, porque o cumpri’. Acho que esse é o compromisso do MP, o compromisso com nossa sociedade, ser Ministério Público de forma reta. De cumprir, ainda que seja contra o destino, nosso dever.” O procurador agradeceu sua equipe e disse que foi “muito difícil mesmo” enfrentar algumas situações: “E isso foi possível porque contei com o empenho pessoal de toda minha equipe, que se entregou de corpo e alma. Sozinho nessa cadeira não se faz nada.”
(Com Estadão Conteúdo)