Fãs de ‘Ru Paul’s Drag Race’ querem coroar esquerda na corrida eleitoral
Espectadores do reality show americano se reúnem toda semana num bar em SP para ver os episódios inéditos; VEJA os questionou sobre política e eleições
“Sair de casa vestido de mulher também é um ato político”, afirma Ramona von Destroyer, 24 anos, com um visual que mistura maquiagem feminina a uma bem desenhada barba. “É comprar uma briga. O close também é luta”, acrescenta a seu lado Minerva, que não revela idade tampouco sobrenome, no melhor estilo Cher. As duas integram um coletivo de artistas chamado Heteronormadiva, que entre muitas atividades organiza as movimentadas noites de quinta-feira do bar Metropol, no centro de São Paulo, destino de fãs do reality show Ru Paul’s Drag Race.
Atualmente em sua décima temporada, o programa criado pela mais bem sucedida drag queen de todos os tempos, a californiana Ru Paul Charles, está para o universo gay como o Campeonato Brasileiro para os heterossexuais: tem torcida, exaltação, discussões acaloradas sobre resultados entre os confrontos (aqui, em vez de pênaltis, a decisão derradeira se resolve com batalhas de dublagens), além de encontros para ver o episódio da semana em estabelecimentos com telão. A atração é exibida pelo canal VH1, nos Estados Unidos. No Brasil, só dá para ver por meio do site da emissora americana.
Nas noites mais concorridas, caso das finais de temporada, o público do Metropol bate a casa dos 300 frequentadores — não cabem todos lá dentro, e há quem acompanhe de fora mesmo, através das vidraças. A maioria não comparece montada como as anfitriãs, e há representantes de várias subdivisões internas do espectro gay masculino: padrõezinhos (bombados, arrumadinhos, com roupas de grife), diferentões e ursos (a turma mais peluda, dentro da qual há outras “sub-subdivisões”), por exemplo. Tem gente de todos os tipos. Ou melhor, quase. Não há, por ali, os lendários gays de direita. Bom, se há, eles se mantêm, por assim dizer, no armário. “Estamos no centro da cidade, recebemos uma galera excluída, que se identifica mais com as propostas e ideais da esquerda”, conta Daniel Brum, arquiteto e um dos donos da casa.
Três consensos surgem ali ao se falar sobre as eleições 2018. O primeiro é que os fãs de Ru Paul’s Drag Race adorariam um terceiro mandato de Lula. “Sem ele no páreo, voto nulo”, diz a livreira Ana Claudia Oliveira, 30 anos, que é bissexual e uma das poucas mulheres presentes na noite de 26 de abril, ocasião da visita da equipe de VEJA. “Devido ao meu trabalho, testemunhei o filho de empregada fazer mestrado e doutorado durante a administração do PT”, afirma. A seu lado, a revisora Roberta Stori, 29, faz coro: “Eu queria Lula livre. Penso no (Guilherme) Boulos (PSOL), mas tenho medo de ser voto jogado fora. Queria algo mais certeiro, para não ter risco de a direita ultraconservadora ganhar.”
Entramos aí no segundo consenso do pedaço: o de que a esquerda precisa, com urgência, definir um nome forte para fazer frente aos expoentes de direita. “É preciso concentrar os votos da esquerda em alguém. Felizmente começaram a surgir candidaturas que dialogam com a diversidade. Infelizmente, elas ainda não são fortes o suficiente para vencer a eleição”, avalia o designer Pablo Hércules, 29 anos. Apesar de ainda não ter escolhido candidato, por enquanto se sente inclinado a votar em Manuela D’Ávila, do PCdoB.
O terceiro — e mais forte — ponto em que os fãs de RPDR parecem concordar é em quem não votar: Jair Bolsonaro, do PSL, cujo nome eles nem sequer pronunciam, tal e qual os bruxos da série de livros Harry Potter faziam com relação ao vilão Voldemort. “Não gosto do PSDB, nem do MDB, mas por falta de opção escolheria um deles, se o oponente fosse ele (Bolsonaro)”, diz Daniel Brum. “Pela primeira vez, a luta pela diversidade vai ajudar a definir a conduta do futuro presidente. Não podemos mais votar avulso, porque é hora de decidir sobre essa polarização entre intolerância e liberdade”, diz Pablo Hércules.
Satine von Destroyer, que forma um casal com Ramona e é também integrante do Heteronormadiva, explica que não citar o nome de candidatos ultraconservadores tem a ver com uma consciência sobre o poder do que se compartilha nas redes sociais. “Sou pobre, negra e só ouvi falar da Marielle (Franco, vereadora assassinada no Rio, em março) depois da morte dela”, afirma. “Precisamos dar mais holofote para quem merece, para os candidatos que nos representam e colocar as divas também na política.” Ramona cita Silvetty Montilla e Salete Campari, drags que já concorreram a deputada estadual em São Paulo, sem sucesso. “Elas não conseguiram, mas só de saber que me representaram, mostram que a próxima que tentar pode chegar lá.”