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Família Bolsonaro enfrenta agora uma pesada oposição nas redes sociais

O presidente mantém a hegemonia no mundo virtual, mas passou a ter reação de humoristas, artistas e influenciadores digitais

Por Daniel Pereira Atualizado em 4 jun 2024, 14h18 - Publicado em 12 jun 2020, 06h00
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  • Jair Bolsonaro redefiniu o peso político das redes sociais no Brasil. Sem coligação partidária nem tempo de televisão expressivos, que até então eram considerados pré-requisitos para alguma chance de vitória numa sucessão presidencial, o então deputado de baixo clero venceu a eleição de 2018 embalado por mensagens que viralizaram no universo digital. Empossado no Palácio do Planalto, ele manteve a estratégia de comunicação direta com a população, usando seus perfis pessoais e de seus apoiadores mais radicais para anunciar ações do governo e atacar adversários. Até pouco tempo atrás, o presidente falava praticamente sozinho sobre política e detinha uma espécie de monopólio desse mercado. A situação começou a mudar com a pandemia do coronavírus. Acossado por uma crise multidisciplinar (política, econômica e sanitária), Bolsonaro desdenhou da Covid-19, contrariou orientações de organizações internacionais para contê-la e, de quebra, radicalizou suas pregações de cunho autoritário. Essa postura provocou uma inédita reação on-line. O “mito”, quem diria, conseguiu organizar uma frente de oposição a ele num terreno onde reinava absoluto.

    Bolsonaro ainda é a personalidade mais influente no debate político nas redes, segundo ranking elaborado pela Quaest Consultoria a pedido de VEJA, mas passou a ser confrontado por pessoas que, como ele, têm um grande número de seguidores e uma enorme capacidade de mobilização. Seus principais rivais não são políticos tradicionais, como o ex-presidente Lula (PT) e o eterno presidenciável Ciro Gomes (PDT), mas influenciadores digitais e expoentes do ramo do entretenimento. É o caso do youtuber Felipe Neto, que aparece em segundo lugar no ranking (veja o quadro). Em maio, Neto postou a seguinte mensagem no Twitter, conclamando influenciadores e artistas a reagir ao presidente: “Acabou a tolerância. O momento de rompimento da tolerância, do ‘não dá mais, se você ficar calado agora você é cúmplice’, foi o momento em que o Bolsonaro começou a ameaçar o STF e o Congresso Nacional”. O youtuber acrescentou: “Acabou a passada de pano. Influenciador que não se manifesta agora é cúmplice. Estamos oficialmente contra um regime fascista”.

    O post teve 29 300 comentários, 80 700 compartilhamentos e 404 800 curtidas. Neto tem 11,9 milhões de seguidores no Twitter. No YouTube, seu palco por excelência, são 38,3 milhões de pessoas inscritas em seu canal. Não são só esses números que explicam o seu protagonismo, mas a capacidade que ele tem de alcançar públicos que não costumam se envolver em assuntos da política nacional, que não cerram fileiras nem com Bolsonaro nem com Lula e que podem ser decisivos numa eleição. Diz Leonardo Barreto, doutor em ciência política pela Universidade de Brasília (UnB): “O influenciador pega o eleitor, o cidadão, de uma forma desprevenida. O sujeito abre a página para ver uma piada e acaba encontrando uma crítica ao presidente da República. Então, os influenciadores têm uma função de câmera de eco na formação da opinião pública e ajudam a constituir um ambiente desfavorável ao presidente”. Esse não é o único ponto preocupante para Bolsonaro.

    Segundo Pedro Bruzzi, diretor da Arquimedes, consultoria especializada em análise digital, os influenciadores tiram o mandatário de uma zona de conforto, já que ele deixa de dialogar apenas com os adversários com os quais está acostumado a polarizar. “É um elemento novo. Bolsonaro já espera uma reação dos oposicionistas quando pauta determinado assunto. Sabe que vão cair na casca de banana, porque não podem deixar de responder a ele. Por outro lado, não sabe como conduzir esses novos atores para dentro do debate ou tirar a atenção deles de um determinado assunto”, afirma Bruzzi. Outro novato de peso no debate político on-line é a cantora Anitta, quarta colocada no ranking da Quaest Consultoria. Ela postou no Instagram, rede em que tem 47,3 milhões de seguidores, um vídeo que reforça as críticas feitas ao governo Bolsonaro na gestão do meio ambiente. “Em abril, tivemos o maior índice de desmatamento da Amazônia dos últimos dez anos. Proteger a Amazônia e as reservas indígenas dessa região é uma causa de toda a humanidade. É urgente.”

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    Não foi uma manifestação isolada. A cantora está publicando vídeos nas redes sociais com aulas sobre noções básicas de política, para que as pessoas possam ter contato com o tema. A “professora” desse cursinho on-line é a advogada Gabriela Prioli, 15ª no ranking, considerada pela Quaest “o maior destaque do segmento”, em razão da explosão do número de seguidores em suas redes sociais. Uma das aulas foi sobre o fascismo — o presidente, como se sabe, costuma ser tachado de fascista nas redes sociais. O terceiro colocado no ranking é o apresentador Luciano Huck, cogitado como pré-candidato à Presidência em 2022. Em razão da fama obtida com seu programa de televisão, Huck tem um número expressivo de seguidores nas redes sociais. São 19 milhões no Instagram, contra 17 milhões de Bolsonaro. No Twitter, a diferença é maior, e o presidente tem a metade dos seguidores do global. Depois de submergir por um período de tempo, Huck voltou ao debate sobre temas caros à sociedade, como o combate ao racismo e à pandemia de Covid-19.

    No Twitter, ele criticou o governo pela tentativa de mascarar os dados da doença no país: “Na pandemia, negar os fatos é atentar contra o cidadão e distorcer a gravidade do problema. Ignorar um problema não resolve nada. Maquiar um problema não o torna menos problemático”. O sujeito oculto dessa mensagem é, obviamente, Bolsonaro. Depois do presidente, os políticos com melhor colocação no ranking são a deputada Carla Zambelli (5º), Lula (6º) e a trinca de filhos do presidente Eduardo, Carlos e Flávio, que ocupam da sétima à nona posição. Ciro Gomes aparece em 13º lugar no levantamento, que reuniu 24 pessoas com influência reconhecida no debate político — entre elas, Olavo de Carvalho (14º), guru vitriólico do bolsonarismo, e o economista Eduardo Moreira (12º), coordenador do movimento Somos 70%, que faz oposição ao presidente.

    Assim como Bolsonaro, Lula tem um amplo poder de mobilização nas redes. E, assim como o presidente, fala basicamente aos convertidos. Uma das poucas mensagens que furaram a bolha petista e chegaram ao conhecimento do grande público foi aquela em que Lula agradeceu a natureza por ter criado o coronavírus. Um tremendo tiro no pé. No campo da autossabotagem, no entanto, Bolsonaro continua insuperável. Desde o início da pandemia, ele perde terreno nas redes sociais graças a seus desatinos. Mesmo quando radicaliza seu discurso, com o objetivo de tentar reagrupar a sua base de apoio, já não arregimenta tantos soldados como antigamente. “O agravamento da pandemia foi enfraquecendo o apoio tanto no mundo off-line, como as pesquisas de opinião mostram, como no universo on-line. A base de Bolsonaro está cada vez mais isolada e menor”, afirma Pedro Bruzzi.

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    Um levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP), da Fundação Getulio Vargas, revelou que o presidente não agregou novos apoiadores mesmo com sua participação na manifestação pró-governo de 31 de maio, quando montou um cavalo em meio a seus simpatizantes. O DAPP detectou que a base governista só respondeu por 14% dos perfis engajados no debate político travado no Twitter em 2 de junho. Já o porcentual da base classificada de “oposicionista” foi de 21%, enquanto a parcela “não alinhada” chegou a 54%. O problema é que os ditos “não alinhados”, conforme destacaram os responsáveis pelo estudo, tangenciaram assuntos associados aos oposicionistas. E a onda vai crescendo. Influenciadores digitais como Whindersson Nunes, que tem 39,6 milhões de seguidores no YouTube, criticaram a fala em que Bolsonaro, perguntado sobre as mortes provocadas pelo novo coronavírus, respondeu que a morte era o destino de todo mundo.

    Neófito no debate político, Whindersson tem se manifestado sobre a atuação do governo no combate à Covid-19. No Twitter, ele postou uma imagem que faz troça do paralelo feito pelo ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, entre as regiões Norte e Nordeste e o Hemisfério Norte — e ainda cobrou: “Cadê a vacina?”, em mensagem concluída com uma palavra de baixo calão. Parece pouca coisa, mas, de acordo com o DAPP, Whindersson tem capacidade de trazer para o debate político públicos que não são alcançados por partidos nem por outros influenciadores, como o próprio Felipe Neto, que teria um público diferente. Diretor da Quaest Consultoria, o cientista político Felipe Nunes diz que Bolsonaro quebrou o que chama de “cartel do monopólio dos mediadores do debate” na eleição de 2018, quando apostou na comunicação direta com os eleitores e se tornou “o primeiro presidente digital da história brasileira”. Esse feito agora, de certa forma, se volta contra o presidente, já que permitiu a outras personalidades apostar na mesma estratégia. “Os influenciadores passaram a duelar com o presidente. Se não têm o mesmo tamanho dele, também falam a nichos. Bolsonaro se tornou mais um, apesar de ainda ser o mais influente”, afirma Felipe Nunes. Fato incontestável: criticar o governo e o presidente nunca foi tão pop.

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    Publicado em VEJA de 17 de junho de 2020, edição nº 2691

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