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Facada no Sistema S

Uma operação da Polícia Federal prende (por um dia) o chefe da maior federação patronal do Brasil e investiga gastos suspeitos de 400 milhões de reais

Por Eduardo Gonçalves Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 15h49 - Publicado em 22 fev 2019, 07h00
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  • Não foi a primeira e provavelmente não será a última vez que o Sistema S aparece nas páginas policiais. A Operação Fantoche, deflagrada pela Polícia Federal na semana passada, no entanto, é a maior já feita contra as entidades patronais, que só em 2018 administraram um montante de 17 bilhões de reais — a quantia, equivalente ao orçamento total do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a 60% dos gastos com o Bolsa Família, vem de impostos cobrados obrigatoriamente das empresas e financia as atividades de Sesi, Senai, Sesc, Senac e Sebrae, entre outras entidades. Figura onipresente nos corredores do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, foi preso, juntamente com os presidentes das federações das Indústrias de Pernambuco, Paraíba e Alagoas. Ficaram menos de um dia detidos — tempo suficiente para despertar a esperança de que a caixa-­preta do Sistema S, enfim, seja aberta.

    Em 2015, o então ministro da Fazenda de Dilma Rousseff, Joaquim Levy, propôs cortar 8 bilhões de reais dos repasses ao sistema. Foi atacado por Robson Andrade, que o chamou de “desinformado” e acionou outros ministros e parlamentares para derrubar a medida. Na mesma época, outro figurão dos sindicatos patronais, o presidente da Fiesp, Paulo Skaf, declarou que os empresários “iriam à guerra” se a tesourada fosse adiante. A equipe econômica do presidente Michel Temer (MDB), do mesmo partido de Skaf, não ousou mexer no vespeiro. Mas, em dezembro, o superministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, anunciou, em discurso na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan), que iria “meter a faca” no Sistema S. O empurrão inicial foi dado pela Operação Fantoche, que mirou contratos firmados entre o Serviço Social da Indústria (Sesi) e uma produtora de eventos de Pernambuco, a Aliança Comunicação e Cultura.

    De 2002 até hoje, a Aliança recebeu de forma direta e indireta (por meio de subcontratadas e empresas-fantasma) 400 milhões de reais, segundo as investigações. No papel, era tudo para custear atividades culturais, de um festival de teatro de bonecos (daí o nome da operação) a apresentações de frevo. De acordo com a PF, a maior parte dos valores não era repassada aos eventos, mas a empresas-­laranja que chegaram a movimentar “grande fluxo” de dinheiro em espécie. Parte da bolada foi para contas no Credit Suisse e até para investimentos em um condomínio à beira-mar no Recife — meios apontados para lavar dinheiro. Em depoimento à PF a que VEJA teve acesso, o dono da Aliança, Luiz Otávio Gomes Vieira da Silva, disse que a empresa — responsável pelas festas de São João de Caruaru e Campina Grande — só mantinha relações “meramente institucionais” com os chefes das federações. Vieira da Silva continua preso.

    CNI
    O HOMEM DA CAIXA-PRETA – Robson Andrade: afastado da CNI depois da prisão temporária (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

    Para as autoridades, foram “exaustivamente demonstrados” indícios de superfaturamento e desvios de verba. “Os projetos não foram executados em sua integralidade ou os valores estão muito acima do valor de mercado e efetivo custo das respectivas produções”, escreveu o juiz substituto Cesar Arthur Carvalho, da 4ª Vara Federal de Pernambuco, que também apontou indícios de que os dirigentes de federação sabiam do esquema. Os problemas na contratação dos serviços foram detectados por técnicos do Tribunal de Contas da União. Eles mostraram que as licitações eram direcionadas à Aliança ou a empresas subcontratadas. A PF foi a campo para conferir se essas empresas existiam. Na sede de uma delas, Marcelo Produções Artísticas, os agentes depararam com uma agência funerária. Um dos seus sócios, que constava como “sacador de altas somas em espécie”, era cadastrado no Bolsa Família.

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    O Sistema S presta bons serviços, mas falta transparência na gestão dos bilhões que o financiam. “É uma espécie de sistema de arrecadação que passa ao largo das instituições públicas e democráticas”, diz Sérgio Lazzarini, colunista de VEJA, professor do Insper e autor de Capitalismo de Laços. As associações patronais que administram essa enormidade de dinheiro geralmente são comandadas há longos anos pelos mesmos executivos. Robson Andrade é um exemplo. Dono de uma empresa de equipamento pesado em Contagem, Minas Gerais, ele foi presidente da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais de 2002 a 2010. Chegou à presidência da CNI, a maior entidade patronal brasileira, em 2010 e de lá não saiu mais. Está em seu terceiro mandato graças a uma mudança no estatuto da confederação feita em 2018. A Justiça decidiu libertá-­lo da prisão, mas determinou o seu afastamento provisório do posto. Também já passaram pela direção das entidades nomes ilustres como Gilberto Carvalho (Sesi) e Paulo Okamotto (Sebrae), amigos de Lula, e Orlando Diniz (Fecomercio), preso na Lava-Jato carioca por suspeitas de desviar milhões de reais do Sesc e do Senai do Rio.

    Entre os poucos políticos que comemoram o aperto aos esquemas das entidades patronais, Ataídes Oliveira, ex-­senador pelo Tocantins e autor do livro A Caixa-Preta do Sistema S, lembra um encontro que teve com Andrade no Senado no segundo semestre de 2018. “Fiquem espertos”, ele disse ao chefão do CNI. “Do jeito que vai, vocês vão acabar com o Sistema S. Ou vão acabar na cadeia.”

     

    Publicado em VEJA de 27 de fevereiro de 2019, edição nº 2623

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