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Estamos esquecendo algo

Com as atenções voltadas para a disputa presidencial, é preciso lembrar que a real mudança do Brasil passa pela melhora da qualidade dos seus parlamentares

Por Eduardo Mufarej*
Atualizado em 5 out 2018, 07h00 - Publicado em 5 out 2018, 07h00

Diante de uma eleição presidencial tão mesmerizante, a escolha dos deputados e senadores está sendo relegada a segundo plano. Não poderia haver equívoco maior. Saem do Legislativo as medidas que afetam diretamente a população, e é no Legislativo que grupos de interesse agiram, ao longo dos anos, para conseguir manter e ampliar seus benefícios. Para romper com esse passado de ineficiência e má-fé, é preciso que a nova composição dos cargos parlamentares seja eficaz, preparada e saiba como atuar para não ser cooptada por interesses pouco republicanos. E só por meio de eleitores que façam uso consciente e atento de seu voto — que é, ao mesmo tempo, a expressão mínima e a potência máxima da democracia — será possível obter este resultado: um Legislativo eficiente, formado por parlamentares que motivem os brasileiros a acreditar que a política pode ser praticada em seu benefício, e não para privilegiar grupos específicos da sociedade. Apesar de estas eleições sinalizarem que haverá pouca renovação, em decorrência, sobretudo, da centralização do fundo eleitoral nos grandes partidos, acredito que 2018 poderá ser o início dessa virada.

Juntamente com um grupo de voluntários, decidimos tomar uma iniciativa para ajudar na formulação de um Legislativo mais competente. Realizamos eventos, doamos nosso tempo e enfrentamos o cinismo que domina a discussão eleitoral para convencer familiares, amigos e colegas de trabalho de que a democracia vale a pena. De forma prática, isso se traduziu na criação de uma entidade que organiza ciclos semestrais de cursos sobre finanças públicas, saúde, educação, segurança e outros temas centrais da educação política, com a finalidade de contribuir para desenvolver lideranças bem preparadas, bem-inten­cionadas e dispostas a ingressar na política. Já temos 133, filiadas a 22 siglas. As que forem eleitas receberão treinamento para acelerar a ambientação ao sistema parlamentar, que é complexo. Assim, evitaremos que percam tempo de mandato para conhecer o funcionamento e as burocracias da Casa, como costuma acontecer. Há outras ações pós-eleições previstas. O uso da verba parlamentar com consciência e a adoção de um modelo de gabinete eficaz e transparente, por exemplo, são parte dos compromissos assumidos por essas pessoas que ajudamos a formar.

Vêm do Legislativo as regras que afetam diretamente a população. E é lá que grupos de interesse agem

Acreditamos que seu ingresso no setor público terá o potencial de trazer benefícios incalculáveis ao Congresso e às Assembleias Legislativas, porque elas romperão com a ineficiência que sufoca esses órgãos. A pouca eficiência do setor público, traduzida em números, é assustadora: o governo teve um gasto recorde com pessoal no ano passado, que chegou a 41,8% das receitas correntes líquidas, enquanto serviços como saúde, educação e segurança estão à beira do colapso por falta de dinheiro. A disfunção começa no próprio Congresso, no qual a produtividade dos parlamentares contrasta com o alto custo que eles impõem ao contribuinte.

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Somos o sexto país com salários mais elevados para deputados em relação ao produto interno bruto per capita. Um parlamentar brasileiro recebe só em vencimentos básicos o equivalente a 35 salários mínimos. O quadro de improdutividade se estende aos funcionários dos chamados cargos comissionados, não por acaso conhecidos como cargos de confiança. De confiança daqueles que os indicaram, é claro.

São mais de 12 000 pessoas empregadas pelo Congresso sem a necessidade de concurso público. Para efeito de comparação, o governo chileno tem ao todo 800 funcionários comissionados. Em nossas casas legislativas, muitos desses cargos são conquistados por meio de serviços prestados aos parlamentares durante o período eleitoral. Pequenas lideranças locais capazes de garantir boa votação a um candidato acabam recompensadas com cargos para si e para seus protegidos. Infelizmente, na maioria dos casos, esse talento para angariar votos não se reflete em eficiência e produtividade na gestão pública. As fundações partidárias deveriam priorizar a contratação de pessoas capacitadas, em detrimento de militantes sem formação específica. Mas esse quadro, que parece tão óbvio, está cada vez mais distante da maior parte das agremiações políticas brasileiras.

Como em um efeito cascata, esse cenário que irrompe no centro do poder propaga-se por todo o funcionalismo. A renovação política do Congresso é essencial para a melhora da atividade parlamentar direta, mas também teria impacto na qualidade das equipes técnicas e, em última instância, até no rendimento dos funcionários públicos concursados, que serão impelidos a produzir mais se o novo corpo parlamentar assim o exigir.

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Reparem que a discussão política atual, que muitas vezes se concentra no debate sobre o tamanho do Estado, raramente versa sobre como torná-lo mais eficiente. E essa é uma preocupação que deveria permear todos os setores da sociedade, porque, apesar de afetar mais fortemente a política, também tem impacto no setor privado. A baixa produtividade é um notório entrave ao desenvolvimento do Brasil. O trabalhador brasileiro hoje é apenas 17% mais produtivo do que era vinte anos atrás, revelam dados do Banco Mundial. Nos países de alta renda, o aumento da produtividade foi de 34% no mesmo período, graças aos avanços tecnológicos e educacionais. A diferença é que, se na iniciativa privada esse mal é considerado um obstáculo a ser enfrentado, no setor público o problema parece inerente à atividade política e todas as corporações se esforçam para que ele não seja resolvido. É amplamente sabido que o lobby do funcionalismo é um dos mais atuantes na Câmara, chegando a contar com o suporte de um quarto dos 513 deputados. Propostas relevantes para melhorar a eficiência dos servidores circulam pelo Congresso sem nenhum sinal de aprovação. Não há interesse dos parlamentares — tampouco a população se mobiliza em torno dessa necessidade.

É preciso que a sociedade saiba que ela tem o poder de mudar as coisas, que ela tome consciência de sua força. Essa é a maior contribuição que queremos dar. Mas não há como empreender tal mudança sem passar pelo Legislativo e pela atividade política. É ali que está a chave de tudo: desde a eleição ou a contratação de nomes de excelência para renovar o Congresso até a criação de projetos de lei que levem o Brasil para o futuro, e não para o passado. E esse empenho só poderá produzir efeitos práticos com a participação do eleitor.

* Eduardo Mufarej é sócio da Tarpon Investimentos desde 2004, presidente do conselho de administração da Somos Educação e fundador do RenovaBR

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Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2018, edição nº 2603

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