Emaranhado interpretativo vira aposta para livrar Collor da cadeia
Argumentos como delações capengas e sugestão de prisão humanitária devem ser utilizados na fase de recursos do ex-presidente ao STF
Condenado a oito anos e dez meses de prisão por ter recebido 20 milhões de reais em propina para defender interesses da construtora UTC junto à antiga BR Distribuidora (atual Vibra Energia), o ex-senador e ex-presidente Fernando Collor conta com um intrincado emaranhado interpretativo para, na fase de recursos que pretende apresentar ao Supremo Tribunal Federal (STF), tentar se livrar da cadeia e sonhar com a hipótese de conseguir prisão humanitária.
Não será exatamente uma tarefa fácil e nem há simpatia específica do tribunal pelo político, mas interlocutores que acompanharam todas as fases do périplo judicial de Collor no STF elencam argumentos que, em um cenário otimista, poderiam baixar a pena inicialmente decretada em regime fechado para uma versão mais branda. A primeira constatação, dizem, é que o ex-presidente já se livrou de processos mais tormentosos na Corte e que, no caso concreto das acusações da Lava-Jato, ainda poderia haver margem de discussão.
Entre as teses está o resgate histórico de que um dos delatores de Collor, o empreiteiro e antigo amigo próximo de Lula Ricardo Pessoa, tido à época do petrolão como um verdadeiro homem-bomba, negociou seu acordo de colaboração com a justiça enquanto estava preso em Curitiba. Com o ocaso da operação, ganhou corpo a tese de que prisões alongadas decretadas pelo então juiz Sergio Moro levaram investigados a elaborar delações pouco confiáveis.
Pessoa conseguiu liberdade por ordem do STF no final de abril de 2015. Dias depois, foi o primeiro dos empreiteiros pilhados no escândalo a topar uma delação. Ao longo dos anos, porém, outros delatados pelo empresário, como o atual presidente do BNDES Aloizio Mercadante e o todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados Arthur Lira (Progressistas-AL), conseguiram se livrar das acusações por falta de provas.
Como terá direito aos chamados embargos infringentes, recursos quando a decisão tomada contra o réu não é unânime, Collor também está apto a rediscutir o valor da pena imposta a ele. E, neste caso, como o ministro Edson Fachin, que o condenara a 33 anos de cadeia, perdeu a relatoria do processo porque a dosimetria vencedora foi a proposta por Alexandre de Moraes, caberá a este último relatar a nova fase.
Embora Moraes seja conhecido pela dureza de suas decisões, ele não é tido como lavajatista como Fachin. Integrantes do STF admitem, sob reserva, que poderia haver espaço até para uma “prisão humanitária”. “Ainda pode cair a pena. Se vai ser para semiaberto depende da discussão, mas poderia virar até uma questão humanitária”, disse um dos juízes a VEJA.