Em uma semana turbulenta para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) após o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes determinar uma investigação na conduta do ex-diretor Alexandre Ramagem (PL-RJ), que está sob suspeita de espionagem política, a revista da Abin, ironicamente, tem como um de seus artigos um texto pitoresco com o título “Como pegar um espião”.
A instituição destaca em seu site a nova edição da Revista Brasileira de Inteligência — uma publicação mensal da Abin — cujo índice consta o nome do atual diretor-geral, Luiz Fernando Corrêa, outro que está na mira de Alexandre de Moraes, por supostamente ter tentado atrapalhar as investigações que a Polícia Federal vem fazendo sobre a atuação de Ramagem. A Abin avisa que as opiniões emitidas na revista não exprimem “necessariamente” o ponto de vista da agência.
O artigo “Como pegar um espião” foi escrito por Alfredo Ribeiro Pereira, que é mestre em Ciências pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo. O currículo diz que ele é também servidor público federal com experiência em Proteção do Conhecimento, sem detalhar em que órgão público e em que cargo ele trabalha. A revista traz o artigo em português, inglês e espanhol. Uma das definições que o autor do artigo utiliza para espionagem é a de Arthur Hulnick: “É o uso de espiões ou agentes secretos para roubar informações de inimigos, adversários ou concorrentes”. Mas o leitor que procurar a revista para tentar entender o escândalo envolvendo a agência com bisbilhotagem de adversários políticos durante o governo de Jair Bolsonaro poderá ficar frustrado, pois o artigo se resume a explicar a trajetória de espiões que foram identificados nos Estados Unidos.
Um dos casos abordados pelo autor é o de Ana Belén Montes, analista de inteligência sênior da Agência de Inteligência de Defesa dos EUA, que espionou e sabotou relatórios para Cuba por 16 anos, até ser presa em 2001. Ana era conhecida como a “Rainha de Cuba”, pela especialidade em inteligência militar latino-americana e por ter sido recrutada pela Direção General de Inteligência de Cuba. A identidade de Ana foi revelada por um cubano recrutado pelos EUA. Ela pegou 25 anos de prisão nos Estados Unidos. Outro caso narrado no artigo é o de Brian Regan, um sargento reformado da Força Aérea que roubou mais de 20.000 páginas de documentos secretos para vender a nações estrangeiras. Ele foi preso antes de conseguir vender o material. Brian enviou pacotes de amostras de documentos roubados para vender na Líbia, mas um informante recrutado no consulado líbio em Nova York entregou os papéis ao FBI. Em 2003, Regan foi condenado à prisão perpétua.
O autor ainda narra o caso de Anna Chapman, uma espiã russa “com ares de Bond Girl”, diz o autor, em referência aos interesses românticos do personagem James Bond, criação de Ian Fleming (1908 -1964). Anna foi presa em 2010 nos EUA, após o FBI descobrir que ela era agente do Sluzhba Vneshney Razvedki (SRV), ou Serviço de Inteligência Estrangeiro. A investigação de Anna e seus parceiros foi a partir de informações fornecidas pelo coronel Alexander Poteyev, desertor do SRV.
O autor alerta para um fato em comum dos três casos de espionagem: a descoberta da identidade do espião começou com informações fornecidas por um recrutado no órgão de inteligência patrono da operação de espionagem. “Dos três casos apresentados, mesmo sendo completamente diferentes, ficou evidente a importância de se contar com o dado negado oriundo de serviço de inteligência adverso, na identificação dos espiões”, diz o autor. “Uma contraespionagem eficaz requer um esforço de recrutamento de fontes em organizações de inteligência adversárias”. A conclusão não ajuda a entender a bisbilhotagem da Abin, mas pode ser uma boa ideia para a investigação conduzida pela Polícia Federal, a mando do ministro Alexandre de Moraes.