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Em discussão no TCU, ganhos de Moro em consultoria viram munição política

Investigação do órgão mostra que 75% do que a Alvarez & Marsal informou receber de honorários no Brasil vem de companhias enroladas na Lava-Jato

Por Laryssa Borges Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 12h18 - Publicado em 21 jan 2022, 06h00
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  • Quando Sergio Moro aceitou ingressar na política (coisa que, aliás, jurou que jamais faria no auge da Operação Lava-Jato), aconteceu o previsível: ele passou de vitrine a vidraça. As primeiras pedradas em cima do pré-candidato do Podemos à Presidência vieram na forma de críticas pela falta de carisma e pelo excesso de propostas genéricas. Mas nada disso se compara ao ataque iniciado no fim do ano passado, época em que começaram a circular nos bastidores de Brasília boatos sobre uma espetacular remuneração que o ex-juiz teria recebido por sua rápida passagem pela iniciativa privada depois de abandonar o Ministério da Justiça. Durante dez meses, Moro prestou serviços em Washington, nos Estados Unidos, à consultoria americana Alvarez & Marsal. Desde o começo, a relação já havia provocado polêmica. Afinal, trata-se da mesma companhia responsável no Brasil pela recuperação judicial de várias empresas que foram à lona depois de processos conduzidos por Moro.

    A possibilidade de o ex-juiz ter enriquecido com honorários recebidos justamente dessa empresa aumentaria em muitos decibéis o nível de um escândalo, que poderia ser fatal à pretensão dele de chegar ao Palácio do Planalto (Moro figura na terceira posição nas pesquisas). Logo no anúncio da contratação, de forma a tentar desanuviar qualquer suspeita, a Alvarez emitiu um comunicado garantindo que o trabalho a ser executado pelo novo funcionário não teria nenhuma relação com os processos de companhias como a Odebrecht, uma das principais clientes da consultoria por aqui. Mais recentemente, quando começaram a aparecer notas na imprensa especulando sobre a remuneração do ex-juiz nesse período, o próprio Moro veio a público rebater as insinuações. Em entrevista exclusiva publicada na última edição de VEJA, ele afirmou: “Não sou milionário e nem fiquei milionário na carreira privada”.

    LIGAÇÃO - A Odebrecht: cliente graúda do mesmo escritório do ex-magistrado -
    LIGAÇÃO - A Odebrecht: cliente graúda do mesmo escritório do ex-magistrado – (Zanone Fraissat/Folhapress/.)

    No que se refere ao período dele como magistrado, a afirmação de Moro é respaldada por números que são públicos. Em 2018, seu último ano como juiz, ele embolsou um rendimento bruto de 646 000 reais. É um bom salário, mas insuficiente para transformar alguém em milionário. O mistério que permanece é quanto Moro recebeu de rendimentos em sua curta passagem pela Alvarez. Segundo uma nota publicada no jornal O Globo em dezembro de 2020, um executivo da consultoria ganhava por ano, na época, pelo menos 1,7 milhão de reais. Adversários de Moro estimam que ele tenha recebido uma valor muito maior e a discussão agora a respeito dessa cifra se encontra no Tribunal de Contas da União (TCU).

    No fim do ano passado, o órgão notificou a Alvarez para que revelasse quanto pagou a Moro, no curso de uma investigação para esclarecer se o ex-juiz utilizou informações confidenciais da Operação Lava-Jato, como o acordo de leniência da Odebrecht, para lucrar na iniciativa privada e fechar contrato com a consultoria americana. Órgãos técnicos do TCU já se manifestaram, garantindo não haver irregularidades contra o ex-juiz e defenderam o arquivamento do caso. O relator, ministro Bruno Dantas, ainda não decidiu o que fazer com o parecer da assessoria. O impasse se explica: além do aspecto técnico, o caso carrega um importante ingrediente político. Integrantes da Corte que nunca esconderam críticas à Lava-­Jato querem aprofundar a investigação, com base em uma nova leva de documentos sigilosos enviados ao tribunal. Esse material, a que VEJA teve acesso, mostra o crescimento da arrecadação do braço brasileiro da Alvarez, desde que ela se tornou responsável por processos de recuperação judicial de empresas pilhadas no petrolão — e é esse tipo de coincidência que ajuda a fomentar as suspeitas sobre Moro.

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    O material não comprova nenhuma irregularidade, mas tem potencial para manter o ex-magistrado sob ataque. Hoje, 75% de tudo o que a consultoria informou receber de honorários no Brasil vem de companhias enroladas na Lava-Jato. Ao todo, foram quase 42,5 milhões de reais ao longo de vários meses — 1 milhão de reais por mês da Odebrecht e da Atvos, antiga Odebrecht Agroindustrial, 150 000 da Galvão Engenharia, 115 000 reais do Estaleiro Enseada (que tem como sócias três construtoras investigadas em Curitiba, Odebrecht, OAS e UTC) e 97 000 reais da OAS.

    As informações fornecidas até agora não tocam na questão dos pagamentos a Moro. Salvo alguma reviravolta, não serão dadas de forma espontânea pela empresa. Em ofício confidencial encaminhado ao tribunal, a Alvarez afirmou que não reconhece o TCU como órgão competente para investigar uma relação contratual privada entre ela e o ex-juiz e se recusou a divulgar a informação de quanto o ex-magistrado recebeu em honorários como seu empregado. A cifra é motivo de especulações entre desafetos do ex-ministro na Corte de Contas e até no STF. Nos bastidores, os adversários têm convicção de que Moro ficou milionário com a ajuda da consultoria que cuida da ruína das empreiteiras investigadas no petrolão.

    INVESTIGAÇÃO - O ministro Bruno Dantas, do TCU: avanços na apuração sobre possível conflito de interesses no caso -
    INVESTIGAÇÃO - O ministro Bruno Dantas, do TCU: avanços na apuração sobre possível conflito de interesses no caso – (Cristiano Mariz/Agência O Globo)

    Do lado de Moro, quem se insurgiu contra o movimento foi o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). Ele entrou recentemente com uma representação por abuso de autoridade contra o ministro Dantas. O Grupo Prerrogativas, formado por juristas de alto escalão, muitos deles defensores de réus da Lava-Jato, e que recentemente fez um jantar em homenagem a Lula em São Paulo, publicou nota na última quarta, 19, defendendo o trabalho do TCU. “Trata-se de apuração absolutamente pertinente, uma vez que a referida empresa atuou como administradora da Odebrecht, em processo de recuperação judicial provocado diretamente pelos abusos decorrentes de medidas tomadas pelo ex-­magistrado”, diz o texto. “São realmente circunstâncias muito nebulosas e, ao participar da arena pública, Moro deve satisfações à sociedade”, complementa o advogado Marco Aurélio Carvalho, do Prerrogativas.

    A interlocutores, o ex-juiz disse que está sendo vítima de uma sórdida campanha de fake news movida por adversários. Pessoas próximas lhe informaram que tem circulado um relatório de inteligência financeira (RIF) que lhe atribuía a movimentação de 5 milhões de dólares nos meses em que atuou na Alvarez. O documento reproduzia o laudo de um suposto monitoramento em suas contas bancárias feito pelo Coaf, órgão de inteligência financeira responsável por rastrear indícios de lavagem de dinheiro. Moro garante que nunca recebeu 5 milhões de dólares, mas se recusa a dizer qual é, afinal, o número verdadeiro.

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    ATAQUE - Carvalho, do Prerrogativas: “Moro deve satisfações à sociedade” -
    ATAQUE - Carvalho, do Prerrogativas: “Moro deve satisfações à sociedade” – (Marcus Leoni/Folhapress/.)

    É inegável que o episódio trouxe um tremendo desgaste de imagem para Moro. Ainda que o ex-juiz e a Alvarez tenham tentado separar as funções do novo executivo, o serviço prestado a empresas atingidas por suas decisões na Lava-Jato é, de fato, questionável. Outro problema tem sido a falta de transparência de ambos sobre o assunto. Procurada, a Alvarez & Marsal disse que Moro trabalhou em uma “unidade que não teve resultado alavancado por conta de projetos de reestruturação” e que prestou já todos os esclarecimentos solicitados pelo TCU. Na entrevista publicada por VEJA na última edição, o pré-candidato à Presidência também fugiu do tema, mas prometeu trazer a público essas informações no “momento oportuno”.

    Evidentemente, não há nenhum crime se o ex-juiz encontrou uma empresa privada disposta a lhe pagar uma polpuda remuneração por um período tão curto de trabalho. Para um candidato que se coloca como paladino do resgate da ética da política no país, no entanto, seria bom esclarecer o caso. É verdade que há inimigos poderosos interessados em atingi-lo a todo custo, mesmo à base de golpes abaixo da cintura. Mas é verdade também que o implacável juiz Moro certamente teria motivos para desconfiar de um silêncio que só alimenta suspeitas.

    Publicado em VEJA de 26 de janeiro de 2022, edição nº 2773

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