Em depoimento, Moro confirma pressão de Bolsonaro para controlar PF do Rio
Ex-ministro confirmou ainda gestões pela saída do diretor-geral Maurício Valeixo, mas ressaltou que não pode imputar a prática de crime ao presidente
O ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro conformou em depoimento à Polícia Federal que o presidente Jair Bolsonaro pressionou mais de uma vez para trocar o superintendente da corporação no Rio de Janeiro e para retirar do comando da instituição o diretor-geral Maurício Valeixo, episódio que acabou sendo o pivô para a saída do governo do ex-juiz da Lava-Jato. A íntegra do depoimento foi revelada pela CNN Brasil.
Segundo Moro, o presidente vinha insistindo na troca do superintendente da PF do Rio desde agosto de 2019, quando o cargo era ocupado por Ricardo Saad. Ele afirmou que chegou a concordar com a mudança porque Saad “havia manifestado interesse de sair, por questões familiares, e a sua troca já estava planejada pelo diretor-geral”. Afirmou que essa primeira solicitação aconteceu “de forma verbal, no Palácio do Planalto” e que ele não se recorda se houve troca de mensagens sobre esse assunto e se havia mais alguém com eles no momento do pedido. Disse ainda que o motivo para a troca deveria ser perguntado a Bolsonaro.
Afirmou que, após ter concordado com a troca – e que ela deveria seguir os ritos da PF -, Moro disse que o presidente declarou publicamente que a substituição iria acontecer por uma questão de “produtividade”, mas que essa nunca foi a questão, já que relatórios da própria instituição atestavam o bom trabalho de Saad. Afirmou que “só concordou com a substituição porque o novo superintendente, Carlos Henrique Oliveira, foi uma escolha da PF e isso garantia a continuidade regular dos serviços”. De acordo com Moro, depois disso, “o presidente, contrariado, deu nova declaração pública afirmando que era ele quem mandava e que o novo superintendente seria Alexandre Saraiva”. Segundo Moro, Valeixo ameaçou, então, se demitir e ele, Moro, conseguiu “demover o presidente”, dizendo que Saraiva era “um bom profissional, no entanto não era o nome escolhido pela PF”.
De acordo com o ex-juiz, Bolsonaro voltou à carga sobre o assunto em março de 2020, quando ele estava em Washington, em missão oficial com Valeixo. Disse que “recebeu mensagem pelo aplicativo WhatsApp do presidente da República, solicitando, novamente, a substituição do superintendente do Rio de Janeiro” e que a mensagem tinha “mais ou menos o seguinte teor”: “Moro, você tem 27 Superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”. Moro rebateu dizendo que não havia escolhido nem o comandante da PF no Paraná, seu estado de origem, e que a nomeação de superintendentes é atribuição do diretor-geral.
Ele admitiu, no entanto, que chegou a “aventar a possibilidade de atender ao presidente para evitar uma crise”, mas que Valeixo ameaçou se demitir se tivesse que fazer nova troca na Superintendência do Rio. Foi aí, afirma, que Valeixo declarou “que estava cansado da pressão para a sua substituição e para a troca do superintendente do Rio e que, por esse motivo e também para evitar conflito entre o presidente e o ministro, que concordaria em sair”. Segundo Moro, “nesse momento não havia nenhuma solicitação sobre interferência ou informação de inquéritos que tramitavam no Rio de Janeiro”, base eleitoral de Bolsonaro e de sua família.
De acordo com o ex-ministro, a pressão de Bolsonaro pela substituição de Valeixo sempre foi grande, mas cresceu a partir de janeiro de 2020 quando o presidente falou em nomear Alexandre Ramagem, diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). A nomeação chegou a ocorrer após a saída de Moro, mas foi barrada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal. Moro disse no depoimento que “pensou em concordar para evitar um conflito desnecessário, mas que chegou à conclusão que não poderia trocar o diretor-geral sem que houvesse uma causa e que, como Ramagem ligações próximas com a família do presidente, isso afetaria a credibilidade da Polícia Federal e do próprio governo, prejudicando até o presidente”. Ele afirmou, ainda, que Bolsonaro chegou a sugerir dois outros nomes para o cargo de diretor-geral, mas que eles “não tinham a qualificação necessária”.
Ao ser questionado se “as trocas solicitadas estavam relacionadas à deflagração de operações policiais contra pessoas próximas ao presidente ou ao seu grupo político”, Moro disse que “desconhece, mas observa que não tinha acesso às investigações enquanto ainda evoluíam”. Afirmou, também, que “crescendo as pressões para as substituições, o presidente lhe relatou verbalmente no Palácio do Planalto que precisava de pessoas de sua confiança, para que pudesse interagir, telefonar e obter relatórios de inteligência”.
Moro afirmou que um dos pedidos desse tipo foi feito publicamente, às vésperas de sua demissão, no dia 22 de abril, em uma reunião do conselho de ministros para apresentação do programa Pró-Brasil. Segundo ele, o presidente afirmou que iria interferir em todos os ministérios, e quanto ao da Justiça, se não pudesse trocar o superintendente do Rio de Janeiro, trocaria o diretor-geral e o próprio ministro da Justiça”. De acordo com o ex-juiz, “essas reuniões eram gravadas, como regra, e o próprio presidente, na corrente semana, ameaçou divulgar um vídeo contra o declarante de uma dessas reuniões”. Segundo ele, a afirmação do presidente de “que não recebia informações ou relatórios de inteligência da Polícia Federal não era verdadeira”, que ele comunicava a Bolsonaro “operações sensíveis” da PF após a deflaração das ações, que “fez isso inúmeras vezes e há mensagens de WhatsApp a esse respeito” – elas foram entregues aos investigadores durante o depoimento. Ele declarou, ainda, que Bolsonaro recebia relatórios de inteligência da Abin, comandadas por Ramagem, “que continham dados certamente produzidos pela inteligência da Polícia Federal”.
Moro disse, ainda, que Bolsonaro também pediu a troca da superintendente da PF em Pernambuco, Carla Patrícia Cintra Barros da Cunha – que não ocorreu -, também sem especificar o motivo. De acordo com ele,”o presidente não interferiu, ou interferia, ou solicitava mudanças em chefias de outras secretarias ou órgãos vinculados ao Ministério da Justiça, como, por exemplo, a Polícia Rodoviária Federal, Depen (Departamento Penitenicário Nacional) e Força Nacional de Segurança”.
Crimes
Moro também confirmou todas as afirmações que fizera na entrevista coletiva de sua saída do cargo, na sexta-feira, 24 de abril – entre elas a de que não assinou a demissão de Valeixo, como foi publicada no Diário Oficial da União -, mas disse que não poderia imputar a prática de crimes a Bolsonaro. “Que perguntado se identificava nos fatos apresentados em sua coletiva alguma prática de crime por parte do Exmo. Presidente da República, esclarece que os fatos ali narrados são verdadeiros, que, não obstante, não afirmou que o presidente teria cometido algum crime”, disse. Segundo ele, “quem falou em crime foi a Procuradoria-Geral da República na requisição de abertura de inquérito e agora entende que essa avaliação quanto à prática de crime cabe às instituições competentes”.
Adélio
Moro também voltou a questionar a alegação de Bolsonaro de que a PF não investigou adequadamente o incidente da facada que foi desferida contra ele por Adélio Bispo em setembro de 2018, durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG). O ex-ministro disse que a PF mineira “fez um amplo trabalho de investigação e isso foi mostrado ao presidente ainda no primeiro semestre do ano de 2019, numa reunião ocorrida no Palácio do Planalto, com a sua presença, de Valeixo, do superintendente de Minas Gerais e dos delegados responsáveis pelo caso” e que “na ocasião, o presidente não apresentou qualquer contrariedade em relação ao que lhe foi apresentado”.