Se as eleições de 2018 privilegiaram o avesso da política tradicional brasileira, com a ascensão de um presidente sem um grande partido e que apostava no radicalismo e na guerra ao politicamente correto, o eleitor indicou, dois anos depois, que decidiu olhar para outra direção. Afetadas pela pandemia e com as campanhas de rua reduzidas, as disputas municipais abafaram os extremos e apontaram para o centro. Como resultado, partidos como o MDB, PP, PSDB, DEM e PSD consagraram-se os principais vitoriosos e vão comandar o maior número de municípios no país — juntas, as cinco legendas estarão à frente de mais da metade das cidades, entre elas as principais e mais populosas capitais, como Rio de Janeiro, onde triunfou o democrata Eduardo Paes, e São Paulo, que reelegeu o tucano Bruno Covas. As estatísticas não deixam dúvidas de que a guinada, de fato, ocorreu. Mas o efeito e a duração dessa mudança de postura são incertos. No pleito municipal, sabe-se, o eleitor privilegia o gestor que lhe atende em questões práticas do cotidiano, como oferta de creches, melhoria dos serviços públicos e obras necessárias à região. Temas nacionais, como economia, desemprego e corrupção, portanto, não são levados em consideração nesse momento.
Ainda assim, o recado das urnas serve para mostrar que as bases da campanha de Jair Bolsonaro em 2018, movida pelo discurso da antipolítica e com exaltação ao novo, não se perpetuaram no pleito seguinte. Os principais nomes apoiados pelo presidente ficaram no meio do caminho. Pensando em pavimentar a sua reeleição em 2022, Bolsonaro apostava em acomodar seus aliados em cidades estratégicas, mas o plano não deu certo. Percebendo que de 2018 para cá a bússola do eleitor já estava indicando uma outra direção, o presidente moderou o discurso, sinalizou para setores da sociedade que antes repudiava e tem procurado aproximar seu governo cada vez mais das forças políticas de centro, com destaque para os partidos do chamado Centrão, grupo que, até bem pouco tempo, era demonizado pelos bolsonaristas, mas que, hoje, é visto como a melhor alternativa para garantir a estabilidade, recolocar o país na rota do crescimento econômico e, claro, garantir a reeleição.
Publicado em VEJA de 30 de dezembro de 2020, edição nº 2719