Segundo maior colégio eleitoral entre as regiões do país, com 39 milhões de eleitores, o Nordeste é um dos principais campos de batalha para a corrida ao Palácio do Planalto. No passado recente, foi decisivo nos pleitos que deram vitória ao PT. Para 2022, a região já gera movimentos importantes dos dois candidatos favoritos nas pesquisas. Desafiante da vez, o ex-presidente Lula tem viagem marcada para lá, a fim de manter o acachapante domínio petista, situação que pode se repetir no ano que vem. De acordo com a mais recente pesquisa Datafolha, ele tem hoje quatro vezes mais intenções de votos no Nordeste que Jair Bolsonaro. No domingo 15, Lula iniciará um périplo para se reunir com as principais lideranças locais, em uma agenda de compromissos nos quatro estados governados pelo PT — Bahia, Ceará, Piauí e Rio Grande do Norte —, além de Maranhão e Pernambuco, sob domínio de políticos do PSB.
Articulada pelo governador piauiense, Wellington Dias, a “caravana” de Lula, dessa vez, não inclui agenda pública com apoiadores, em razão da pandemia. Ela será focada em encontros para a consolidação de alianças. Com ponto de partida em Pernambuco, a peregrinação terá como um dos principais alvos o velho aliado PSB. Estão no itinerário do ex-presidente reuniões com os governadores de Maranhão, Flávio Dino, e Pernambuco, Paulo Câmara, ambos pessebistas e considerados pontes estratégicas para interlocução na região. A costura não é simples: parte do PSB defende apoio a Lula e outra ala luta pelo lançamento de uma candidatura presidencial própria, enquanto mantém diálogo com Ciro Gomes, candidato do PDT.
Diante do histórico petista de vitórias e da força de Lula na região, Bolsonaro sabe que é quase impossível virar o jogo até 2022. O esforço é na direção de reduzir ao máximo a vantagem do adversário, atenuando a rejeição entre os nordestinos. “Se é para o time perder fora de casa, que seja de pouco”, reconhece um aliado. Mas o presidente tem bons trunfos na manga. Um deles é a grande concentração de entregas de obras no Nordeste — no primeiro semestre, foram concluídos ali 957 dos 2 160 empreendimentos inaugurados pelos ministérios da Infraestrutura e do Desenvolvimento Regional. A conta inclui 24 obras de segurança hídrica para os rincões da região, ao custo de 439 milhões de reais. Somente no Projeto de Integração do Rio São Francisco, o valor investido foi de 237,9 milhões de reais. Em junho, na companhia de Rogério Marinho, ministro do Desenvolvimento Regional e um dos principais interlocutores do presidente sobre a região, Bolsonaro esteve no Rio Grande do Norte e participou de uma visita técnica à barragem de Oiticica, na cidade de Jucurutu. Até o fim do ano, o plano do governo é que o Ministério da Infraestrutura entregue mais catorze obras em rodovias, aeroportos e portos no Nordeste.
Além das inaugurações, outra carta poderosa do presidente para crescer sua popularidade na região é o Auxílio Brasil, o “novo Bolsa Família”. Enviado ao Congresso na segunda 9, o benefício pode ser aumentado em pelo menos 50% de seu valor atual. Só no Nordeste estão hoje 7,2 milhões de famílias contempladas. No ano passado, o programa injetou nada menos que 51,8 bilhões de reais na região, metade do valor total no Brasil, enquanto são nordestinos dois dos três estados com maior proporção de beneficiados em julho: Maranhão (37,58%) e Piauí (33,29%). Nos rincões onde o programa é massivamente distribuído, lideranças ainda não cravam a colheita automática de louros para Bolsonaro. “Não é só pagar o Bolsa Família, tem de melhorar e aliviar o discurso, raiva não leva a lugar nenhum”, diz Herlon Costa (PSC), prefeito de Belágua, cidade maranhense onde 90% da população recebeu o Bolsa Família em julho, segundo o governo, e Fernando Haddad teve 93% dos votos em 2018.
O potencial eleitoral do auxílio, de fato, preocupa os petistas. Mais do que qualquer outro político, Lula sabe quanto é possível lucrar em termos de popularidade com o programa. Originalmente, o benefício nasceu no governo Fenando Henrique Cardoso, que criou ações sociais como o Bolsa-Escola, a Bolsa-Alimentação e o Vale-Gás. Perdido inicialmente em ideias inócuas como o Fome Zero, o governo do PT inteligentemente unificou esses auxílios, batizou-os com um novo nome e expandiu sua penetração, fato que acabou sendo decisivo para a sucessão de vitórias do partido. “O Bolsa Família foi importante ao PT por movimentar a economia nas pequenas cidades do Nordeste. Lula chegou a ter 90% dos votos em algumas delas. Naquela época, a injeção de dinheiro na veia do eleitor pobre era novidade. Agora, não é mais, e há ainda o comparativo com os 600 reais do auxílio emergencial”, diz o cientista político Rubens Figueiredo.
A “missão Nordeste” do capitão tem ainda outro desafio: a migração de eleitores da região que votaram nele e agora estão convictos a se bandear para Lula. Segundo pesquisa do Ipec divulgada em junho, 25% dos brasileiros que optaram pelo presidente no segundo turno de 2018 respondem que votariam “com certeza” no petista agora. Dentro desse grupo que oscila de um polo político a outro, os nordestinos representam 28%. São pessoas que se identificam com ambos, graças à capacidade de comunicação que essa dupla estabelece com as camadas mais populares. “Esse eleitor era originalmente de Lula, mas votou em Bolsonaro na eleição passada, uma vez que ele não pôde concorrer, e agora ‘volta’ ao Lula. Eles têm lembranças de ‘bons tempos’ da Era Lula na economia”, avalia Márcia Cavallari, diretora do Ipec. Serão muitas batalhas até 2022, inclusive com o provável crescimento de uma candidatura da terceira via. Mas não há dúvida nenhuma de que o Nordeste será uma etapa importante — e talvez decisiva — para os dois que hoje lideram a disputa.
Publicado em VEJA de 18 de agosto de 2021, edição nº 2751