O ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno esteve no centro da primeira grande crise do governo de Jair Bolsonaro. Bebianno era o presidente do PSL durante a campanha eleitoral de 2018. Em fevereiro passado uma reportagem da Folha de S.Paulo acusou a sigla de acumular dinheiro para o fundo partidário por intermédio de “laranjas”. Bebianno negou, mas não convenceu Bolsonaro. No ápice da convulsão, disse ter falado ao telefone com o presidente, internado no Hospital Albert Einstein, e que todo o mal-entendido havia sido resolvido. O filho Carlos tuitou: “Mentira”. Uma extensa conversa por meio de mensagens de áudio no WhatsApp revelada por VEJA comprovou que Bebianno dissera, sim, a verdade. Demitido, o ex-fiel escudeiro assiste a distância às novas investidas de Carlos contra novos alvos (o vice Hamilton Mourão e o ministro Santos Cruz). Dos Estados Unidos, onde passa férias, ele faz o alerta: “Carlos sabe como manipular o presidente”.
O general Santos Cruz, que tem sido violentamente atacado nas redes sociais bolsonaristas, é o novo Gustavo Bebianno? Espero que não, mas tudo indica que pode ser. O modus operandi é o mesmo, desqualificar o ministro com ataques levianos. A questão que fica é: por que esse governo age e reage dessa forma tão peculiar, atacando aliados? Exoneração de cargos em governo deve ser assunto de Estado, decisão exclusiva do presidente, a ser comunicada ao seu ministro. Nesse governo, no entanto, a exoneração é sempre precedida de um irresponsável e desnecessário processo de difamação. Por que tentar manipular a opinião pública? Para que o presidente e seus filhos pareçam mártires, enquanto todos os demais, traidores, comunistas ou infiltrados? Queimar injustamente os ministros de Estado escolhidos pelo próprio presidente não me parece o método mais inteligente e ético. Isso terá consequências.
Por que Bolsonaro se deixa influenciar por seu filho Carlos? Essa é uma pergunta que deveria ser dirigida ao presidente. Pela minha ótica, ele tem conhecimento dos problemas do filho, mas não sabe como resolver a questão. A minha impressão é que há muita chantagem emocional envolvida e assuntos íntimos de família que não me dizem respeito. A minha única observação é no sentido de que o presidente está tendo uma grande dificuldade para impor limites, e isso atrapalha o governo.
Quem o demitiu, afinal? Jair ou Carlos? O presidente estava em um momento de fragilidade emocional e física, pois tinha acabado de passar por mais uma cirurgia, além de todo o período de internação hospitalar. Carlos se aproveitou daquela situação para fazer a cabeça do pai e jogá-lo contra mim. Ele sabe como manipular o pai, usando teorias de conspiração sem fundamento algum. O presidente está perdendo quase todos os seus verdadeiros aliados por conta disso. E os que ainda estão ao seu lado não põem mais a mão no fogo. Essa posição de isolamento é bem frágil, pois o líder máximo da nação precisa contar com o respeito e a confiança de sua equipe.
Como o senhor analisa o embate entre os generais e Olavo de Carvalho? Bem, em primeiro lugar, quero destacar a minha reverência e respeito pelas Forças Armadas e pelos generais e demais oficiais que hoje ocupam funções no governo. Na verdade, o meu respeito pelo presidente teve como pressuposto original o fato de ele ser um militar. Por isso, sempre fiz questão de tratá-lo de capitão. Posso garantir que os militares são leais, patriotas, honestos e, acima de tudo, guardiães da Constituição. São o que de melhor há neste governo. Em relação ao Olavo, é um teórico, que em nada tem contribuído para melhorar o Brasil. Critica tudo e todos, mas jamais se dispôs a vir ajudar. A gota d’água, para mim, foram os ataques baixos, rudes e mentirosos, contra o general Santos Cruz, que é um homem honrado.
De onde vem essa autoridade moral do Olavo de Carvalho sobre o presidente? Você acha mesmo que o presidente lê ou assiste a Olavo de Carvalho? Essa influência se dá por meio dos filhos, especialmente Carlos e Eduardo, que são inexperientes. Mas, seja de forma direta ou indireta, acho ruim.
Os militares não conseguem alertar o presidente sobre os problemas que Olavo cria? Eles tentam, mas nem sempre é fácil, principalmente quando Carlos está por perto. Infelizmente, minha avaliação estava errada. O presidente só ouve o filho, a seita cresce e, hoje, o governo está nessa situação complicada.
Quando sua relação com Carlos começou a se deteriorar? Na verdade, esse processo se iniciou antes mesmo da posse, quando Carlos Bolsonaro já exigia do pai meu afastamento do grupo. O filho do presidente ameaçava ir embora caso se confirmasse minha nomeação como ministro. É incrível, mas esse tipo de ameaça realmente desequilibra o Jair. Foi uma fase muito desgastante. Por mais de uma vez, tive o impulso de ir embora, mas algumas pessoas importantes no processo me convenceram a permanecer. Por outro lado, o presidente tinha plena consciência do meu papel, sabia da minha lealdade e capacidade, e que não seria correto atender ao capricho do filho. Mas a perseguição continuou e o resultado foi o meu afastamento.
Pela maneira como o senhor foi tratado, ainda sente mágoa de Jair Bolsonaro? Sou um ser humano e não sofro de amnésia. Noventa dias já se passaram, esfriei a cabeça, recapitulei o que aconteceu algumas vezes. O problema não foi ter saído do governo, pois isso faz parte do jogo e das circunstâncias. Esperava ao menos uma conversa, até mesmo para dizer, francamente, que não suportava mais as pressões e que preferia ceder à vontade do filho. O que me deixou perplexo, no entanto, foi a forma desleal com que fui tratado. Foi um linchamento público desmedido, sob falsas acusações. Inventaram vários pretextos para justificar a decisão e criaram uma crise sem motivo algum. Tentaram sujar o meu nome e denegrir a minha imagem e honra, e isso considero inaceitável. Hoje, fazem o mesmo com o general Santos Cruz, que é um homem correto e verdadeiro amigo do presidente, como também fui. Sei o que fiz para que o presidente fosse eleito. Ele também sabe. Até onde sei, ele também não sofre de amnésia. Um de seus problemas é se permitir permanecer cercado por um grupo de pessoas que nada fazem de efetivo a favor dele ou do país.
O senhor não havia percebido a influência que os filhos exerciam sobre Bolsonaro na campanha? Eu sabia que existia, sim, um nível de influência, principalmente do Carlos, mas ela não chegou de fato a atrapalhar muito durante a pré-campanha e a campanha. Uma vez, no avião, perguntei ao presidente o motivo de o Carlos não participar de nada, de nunca estar presente, de se manter sempre alheio e a distância, e ele me respondeu que o Zero Dois era um pit bull para deixar quieto.
“Sou um ser humano e não sofro de amnésia. Esperava do presidente ao menos uma conversa, até mesmo para dizer, francamente, que não suportava mais as pressões”
Qual foi o papel de Carlos Bolsonaro na eleição do presidente? Na minha avaliação, nenhum!
Nenhum? Ficar sentado no sofá de casa, ofendendo os outros e falando bobagens pela internet, é bem fácil. Carlos nunca fez uma viagem sequer conosco pelo Brasil afora. A única viagem em que esteve presente foi a de Juiz de Fora, a do atentado, pois era um trajeto curto, de carro, cuja volta estava programada para o mesmo dia. A verdade é que Carlos nunca se sacrificou pela campanha do pai, nunca dormiu no chão ou em aeroporto, nunca cuidou da segurança, sempre esteve distante.
O senhor tem medo de alguma vingança? Vingança, por que vingança? Não fiz nada de errado. Pelo contrário! Como disse, trabalhei dois anos para eleger o presidente e resolvi todo tipo de problema pelo caminho. Atuei como advogado, assessor de imprensa, segurança, líder partidário, coordenador de campanha, mas, acima de tudo, fui seu amigo. Estou reconstruindo a minha vida e espero não ser vítima de mais covardia.
O senhor é o organizador do laranjal do PSL? Isso só pode ser piada! Essa acusação é leviana, e, até onde sei, não existe laranjal no PSL. É mais fácil isso ter acontecido em outros partidos. O MDB, por exemplo, recebeu quase 250 milhões de reais de fundo eleitoral, e o PT, 220 milhões. O então pobre PSL recebeu 5% desse valor, que foi distribuído de forma parcimoniosa por todo o Brasil.
O ministro Sergio Moro vem sofrendo algumas derrotas. O senhor acha que o presidente está rifando o ex-juiz? Repare o que motiva sua pergunta: a dúvida se o presidente está sendo firme e leal com sua tropa, ou se a está “rifando” e abandonando pelo caminho, assim como fez comigo. Independentemente da resposta, que honestamente não sei qual é, o fato é que a liderança do presidente está abalada e vem sendo questionada desde meu episódio, hoje agravado pelo mesmo comportamento em relação aos militares. O presidente terá de superar essa desconfiança para que seja capaz de governar.
“Aprendi no governo que o poder seduz e altera o comportamento das pessoas. Torna-as arrogantes e também compromete a memória”
Até onde o senhor pode observar, como é a relação entre Paulo Guedes e Bolsonaro? O ministro Paulo Guedes é muito inteligente, um dos profissionais mais preparados que já conheci. Ele sustenta suas ideias com esmero e quer o melhor para o país. E sabe que o presidente ainda precisa assimilar muitos princípios básicos que norteiam uma economia verdadeiramente liberal. Por isso, poderá ficar sozinho em algumas batalhas.
Qual o maior erro do governo Bolsonaro? Falta de diálogo e coordenação.
Qual o maior acerto? São muitos. Desde o início, ter trazido os militares para o governo e ter apostado no ministro Paulo Guedes. O ministro Sergio Moro também foi um grande acerto. Aliás, não entendo por que falar em vaga no STF agora, já que a missão do Moro está só no começo na Justiça.
No seu curto tempo de palácio, qual lição aprendeu? Aprendi no governo que o poder seduz e altera o comportamento das pessoas. Torna-as arrogantes e também compromete a memória. Na política, nossa maior virtude deve ser manter os pés no chão e os verdadeiros aliados por perto.
Desde o episódio de sua demissão, o senhor voltou a falar com Bolsonaro? Trocamos WhatsApp de voz logo após o vazamento do áudio do Onyx Lorenzoni. A mensagem que ficou foi de pesar pelo ocorrido. Desejo sorte ao presidente. Espero que ele valorize seus aliados e ministros, contribua para o diálogo e faça um excelente governo para todos nós.
Publicado em VEJA de 22 de maio de 2019, edição nº 2635
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