O empreiteiro Marcelo Odebrecht entregou ao juiz Sergio Moro, na quarta-feira 28, um conjunto de e-mails que mostram como funcionava a parceria criminosa da construtora com figuras de proa do governo do ex-presidente Lula. As mensagens foram apresentadas à Justiça como provas de que a Odebrecht bancava uma vida de comodidades a Lula e a seus familiares, em troca do trabalho do petista como despachante dos interesses da empreiteira. Em um dos e-mails, de 12 de novembro de 2008, Marcelo relata a executivos do grupo uma cobrança de propina que havia recebido de Antonio Palocci, o ex-ministro da Fazenda do petista. Como a Lava-Jato descobriu, Palocci era o responsável por fazer o controle da conta de propina que o PT mantinha com a empreiteira. Naqueles idos do segundo mandato de Lula, a Odebrecht havia conquistado contratos bilionários no regime do ditador Muamar Kadafi, na Líbia. Era de olho no faturamento desses negócios que Palocci, segundo Marcelo, “insinuou” que a Odebrecht teria “compromissos políticos” a honrar com Lula.
Na mensagem, Marcelo se refere a Palocci como “Italiano”. Lula é identificado como “Amigo”. Os dois codinomes eram usados pela empreiteira para se referir aos petistas no famoso sistema de propinas da Odebrecht. O então chefe de gabinete da Presidência, Gilberto Carvalho, por exemplo, era citado pelo codinome “Seminarista”, o mesmo que aparece no e-mail. “O italiano insinuou (ou jogou verde para colher maduro) que um contato de lá (Muktah) insinuou ao seminarista (cuidado pois o seminarista não quer que o italiano diga que foi ele) que em função das obras que conquistamos estavam entendendo que tínhamos cumprido nossos compromissos políticos aqui, com o amigo de meu pai”, escreve Marcelo Odebrecht. “Expliquei ao italiano que nossas obras lá são por custo reembolsável (em parceria, uma delas com uma estatal) e de margem apertada e que não tivemos nenhuma orientação neste sentido de inserir nada para dar aqui”, complementou o empreiteiro.
A mensagem não permite concluir se Marcelo Odebrecht conseguiu convencer o “amigo de meu pai” de que a Odebrecht não teria recebido do regime Líbio orientação “neste sentido de inserir nada para dar aqui”. Meses depois do e-mail da Odebrecht, Lula viajou à Líbia e encontrou Kadafi, ocasião em que saudou o ditador como “meu amigo, meu irmão e líder”. Como VEJA revelou em dezembro de 2017, Palocci, condenado a doze anos por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, há meses negociava um acordo de delação premiada. Em troca de redução de pena, ele se comprometia a contar detalhes de mais de uma dezena de crimes dos quais participou. Trechos da colaboração tratavam das relações financeiras de Lula com o ditador líbio e a Odebrecht.
Segundo Palocci, em 2002, ele recebeu uma missão delicada: Kadafi disponibilizara 1 milhão de dólares, o equivalente a 4 milhões de reais na época, para apoiar a campanha de Lula. Cabia a ele, homem de confiança do candidato e também responsável informal pelas finanças do partido, cuidar da “internalização” do dinheiro. Em outras palavras, o ex-ministro foi incumbido de encontrar um jeito de colocar o dinheiro dentro do Brasil sem chamar a atenção das autoridades nem deixar rastros de sua origem. Nos relatos entregues aos investigadores, os chamados “anexos”, o ex-ministro afirma que cumpriu a missão e promete exibir comprovantes da operação. Palocci pretende revelar os detalhes da transação – quem deu a ordem, quem intermediou, como o dinheiro chegou ao Brasil e de que forma ele foi utilizado – caso o acordo de colaboração seja assinado.
Fundador do PT, ex-prefeito de Ribeirão Preto (SP), ex-ministro da Fazenda do governo Lula e ex-chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci esteve no centro das mais importantes decisões do partido nas últimas duas décadas. Nesta quinta-feira, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, Lula não poupou o antigo parceiro ao tentar se defender de suas acusações: “O Palocci demonstrou gostar de dinheiro. Quem faz delação quer ficar com uma parte daquilo de que se apoderou. Não vejo outra explicação”.