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Dossiê sobre eleição na Câmara cria embaraços para Bolsonaro

O secretário de Habitação é apontado como o responsável por vazar documento que sugere que o Planalto trocou verbas por votos

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h36 - Publicado em 19 fev 2021, 06h00
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  • A disputa pela presidência da Câmara dos Deputados envolveu troca de acusações, ameaças e dossiês com denúncias contra os candidatos — tudo exatamente igual ao que reza a tradição. Encerrada no dia 1ª de fevereiro com a vitória de Arthur Lira (Progressistas-AL), a altercação continua quente nos bastidores e ainda pode resultar em baixas. Adeptos das teorias da conspiração, assessores do presidente Jair Bolsonaro estiveram nas últimas semanas empenhados em identificar o responsável pela divulgação de um documento que mostra que, às vésperas da eleição, o governo liberou às pressas verbas para atender aos pedidos de um grupo de parlamentares. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, os recursos, mais de 3 bilhões de reais, saíram do orçamento do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) e foram dirigidos para obras em diferentes estados e municípios — na verdade, bases eleitorais de congressistas que votariam em Baleia Rossi (MDB-­SP), o candidato de oposição, e, depois disso, passaram a apoiar Lira, o candidato oficial. O suposto aliciamento de parlamentares à base de dinheiro público criou embaraços ao presidente Bolsonaro.

    O governo não tinha muito que explicar. Os dados eram oficiais, foram organizados pela Secretaria de Governo (Segov), responsável pela articulação política, e encaminhados ao Ministério do Desenvolvimento Regional, que fez os repasses. Por ordem de um assessor direto do presidente da República, foi realizada uma investigação informal para descobrir o responsável pelo vazamento. O corvo seria o secretário nacional de Habitação do MDR, Alfredo Eduardo dos Santos, afilhado político do deputado Baleia Rossi, segundo os registros da Segov. Em 2019, o secretário deixou a carreira de diretor de uma incorporadora de São Paulo para assumir o cargo em Brasília, um posto cobiçadíssimo por parlamentares graças aos inúmeros dividendos gerados pela construção de moradias. É essa secretaria, por exemplo, que decide onde serão aplicados os recursos bilionários do Casa Verde e Amarela (antigo Minha Casa, Minha Vida), programa de grande alcance eleitoral e também de interesse das principais empreiteiras do país.

    Na época, a nomeação de Alfredo dos Santos foi um afago do Planalto a Baleia Rossi, presidente do MDB, partido que tem 34 deputados na Câmara, e fez parte da chamada “nova articulação política”, o compartilhamento de cargos na administração federal com os partidos que apoiam o governo — uma definição mais elegante para o conhecido “toma lá dá cá”. A suspeita deixou o secretário numa posição incômoda. Auxiliares do presidente estão divididos sobre o desfecho do caso. Um grupo defende a demissão imediata de Alfredo dos Santos como sinal de que o governo será intolerante com traições, especialmente agora, quando serão retomadas as votações de projetos importantes no Congresso. Outro, prefere relevar o caso, argumentando que uma demonstração de tolerância pode render no futuro. Alfredo dos Santos seria mantido no posto, num agrado ao MDB, partido que, embora tenha encabeçado uma candidatura de oposição à presidência da Câmara, costuma se alinhar à maioria dos projetos do Executivo. “A questão ainda é motivo de embate, mas a tendência é manter o secretário onde ele está”, diz um assessor palaciano, defensor da tese de conciliação. Alfredo dos Santos virou moeda de troca.

    PADRINHO - Baleia Rossi: ele garante que soube do caso pela imprensa -
    PADRINHO - Baleia Rossi: ele garante que soube do caso pela imprensa – (Joédson Alves/EFE)

    Procurado, o secretário de Habitação negou ter elaborado ou divulgado qualquer dossiê. “Eu nunca tive acesso a nada disso. Quem passou essa informação é mau-caráter e mentiroso”, disse. A respeito da sua relação com Baleia Rossi, ele desconversou: “Qual a relevância disso? Eu moro na mesma cidade (Ribeirão Preto, interior de São Paulo) que o Baleia. Fui chamado pelo ministro Rogério Marinho. Vocês têm de perguntar para ele quem me indicou”. O ministro foi questionado, mas não respondeu até o fechamento desta edição. Em nota, o deputado Baleia Rossi afirmou que não é o padrinho político de Alfredo dos Santos, que “jamais teve uma audiência com o secretário” e que também não tem nenhum cargo na esfera federal. “Se tiver, o governo pode exonerar”, afirmou. O parlamentar garante que soube da planilha de distribuição de verbas através da imprensa e que “cabe à administração pública apurar o caso (do dossiê) e, se for necessário, instaurar um processo. Do contrário, incorre em crime de prevaricação”.

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    Embora o MDB se declare independente em relação ao Planalto, deputados da legenda presidida por Baleia Rossi têm sido grandes parceiros do governo no Congresso. A taxa de fidelidade dos parlamentares emedebistas aos projetos do governo é superior a 80% de adesão às pautas do Planalto — índice, em alguns casos, maior que o de alguns partidos que se declararam formalmente governistas. Manter essa boa relação é de interesse dos lados. Tanto que, logo depois da eleição na Câmara, o ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo, telefonou para o deputado Baleia Rossi e disse que a disputa no Congresso não havia deixado sequelas. Na conversa, o ministro reafirmou que pretendia continuar mantendo diálogo com o partido. Nos dias que seguiram, respondendo imediatamente ao aceno, deputados do MDB voltaram a frequentar o Palácio do Planalto. Tudo absolutamente normal. Afinal, a avaliação do presidente Bolsonaro e de uma boa parte da bancada do partido é a de que existe uma chance real de todos embarcarem juntos na canoa da reeleição. Não há, portanto, por que brigar agora.

    Publicado em VEJA de 24 de fevereiro de 2021, edição nº 2726

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