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Disputa entre Lira e Pacheco aumenta pressão política sobre o governo Lula

Em seu pior momento, tudo o que a gestão petista não precisava era ter de tentar contornar uma contenda entre dois dos principais caciques políticos do país

Por Laísa Dall'Agnol Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h06 - Publicado em 1 abr 2023, 08h00
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  • Cada vez mais fortalecido desde a redemocratização do país, o Congresso consolidou-se como um ator essencial, não só na formulação de leis e na fiscalização das instituições, mas na governança direta da nação, expandindo a sua influência sobre a pauta e o Orçamento do país. O crescente protagonismo, no entanto, como era de esperar, intensificou a disputa por espaço político e, na última semana, produziu um inédito e ruidoso choque entre os chefes das duas Casas do Legislativo, o deputado Arthur Lira (PP-­AL) e o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Com o peso que o Parlamento adquiriu nos últimos anos, a confrontação por poder e pelo comando de ritos internos acabou atingindo em cheio o governo Lula. Em seu pior momento, com nenhum projeto aprovado, e em meio à cacofonia generalizada e contraproducente de seus auxiliares, tudo o que a gestão petista não precisava era ter de se desdobrar para contornar uma contenda entre dois dos principais caciques políticos do país. Mas é o que está tendo de fazer.

    ESTRATÉGIA - Rodrigo Pacheco: volta das comissões mistas para que senadores não sejam “carimbadores” de projetos
    ESTRATÉGIA - Rodrigo Pacheco: volta das comissões mistas para que senadores não sejam “carimbadores” de projetos (Cristiano Mariz/Ag. O Globo/.)

    O pano de fundo da crise instalada é a queda de braço entre Lira e Pacheco pelo maior controle do andamento das pautas no momento em que o governo se esforça para avançar algumas de suas principais propostas, como a recriação do Minha Casa, Minha Vida, do Bolsa Família e do Mais Médicos, todas à espera de aprovação no Legislativo. Hoje, o comando do fluxo de votações está com Lira, que se fortaleceu ao ser reeleito com o apoio de 464 deputados numa aliança que envolveu desde o PT até o PL do ex-presidente Jair Bolsonaro. A chave para controlar a pauta está no tratamento dado às Medidas Provisórias, transformadas há muito tempo no principal instrumento do Executivo. Desde a pandemia, a tramitação começa pela Câmara, que analisa, vota e encaminha o projeto ao Senado. Com essa prerrogativa, Lira ajusta o ritmo e a ordem do que vai ser votado e, em muitas ocasiões, entrega a MP ao Senado já perto do vencimento (elas têm prazo máximo de 120 dias), o que tira espaço de participação dos senadores, que não raro reclamam de terem se tornado “carimbadores” de projetos.

    O primeiro “tiro de guerra” foi dado por Pacheco, no último dia 22, quando, durante uma sessão comum do Senado, recebeu uma questão de ordem formulada por Renan Calheiros (MDB-AL) — um arqui-inimigo de Lira, vale lembrar. Após uma reunião que teve unanimidade dos líderes partidários, Pacheco decidiu atender ao pedido de Renan e oficializou, na condição de presidente do Congresso, o retorno do funcionamento das comissões mistas, formadas por doze deputados e doze senadores, para análise das MPs. Nesse rito, a relatoria das propostas é revezada entre um deputado e um senador, sempre indicados pelo presidente da respectiva Casa. Ele deixou de ser usado logo no início da pandemia, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou levar as MPs à votação diretamente no plenário de cada instituição, como forma de dar agilidade às medidas que precisavam ser aprovadas com urgência no cenário de uma ampla crise sanitária.

    Pacheco pode ter outros motivos para contrariar Lira, até porque não esquece o fato de não ter sido apoiado pelo colega da Câmara em sua reeleição à presidência do Senado. Mas justificou a iniciativa dizendo que a revogação da medida tomada em caráter excepcional na pandemia atende ao que está “determinado pela Constituição”. É fato. E nisso ele tem o apoio de seus pares. “O que me surpreende é a teimosia do presidente da Câmara. O Senado não quer protagonismo, mas também não vai abrir mão de suas prerrogativas constitucionais”, diz o senador Otto Alencar (PSD-BA). Renan é mais ácido. “O mau humor do Lira é a abstinência, porque não tem mais orçamento secreto”, afirma. Ele duvida que o rival concretize a ameaça de não indicar ninguém às comissões mistas e travar o andamento das MPs: “Ele foi eleito com apoio do governo, do PT, vai travar agora? Se não pautar, é crime de responsabilidade”.

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    ESFORÇO - Alexandre Padilha: tentativa de conciliação e busca de um “plano B”
    ESFORÇO - Alexandre Padilha: tentativa de conciliação e busca de um “plano B” (Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil)

    Mais poderoso que seu par do Senado, Lira pode não travar as MPs, mas não gostou nada do que considerou “ataque” de Pacheco e foi duro na reação. No varejo da guerra entre as duas Casas, a Câmara mandou até despejar de suas residências funcionais senadores que ocupavam os imóveis desde que eram deputados, como Romário (PL-RJ), Tereza Cristina (PP-MS) e Eliziane Gama (PSD-MA). É quase certo que a medida terá um efeito rebote, ou seja, desalojar deputados que ocupam imóveis do Senado, como os ex-senadores Gleisi Hoffmann (PT-­PR) e Aécio Neves (PSDB-MG). Mas isso foi café pequeno perto do recado que Lira mandou ao governo, quando praticamente obrigou Lula a recebê-lo na véspera da data da frustrada viagem do presidente à China para dizer que não aceitaria que a gestão do petista sinalizasse em favor de Pacheco.

    Sentindo o cheiro de coisa queimada, o governo viu que era melhor entrar em ação. Coube aos “bombeiros” Alexandre Padilha (ministro das Relações Institucionais), Jaques Wagner (líder do governo no Senado) e Randolfe Rodrigues (líder no Congresso) costurar algum tipo de acordo que não prejudicasse ainda mais o início já claudicante da gestão. O governo tem nada menos que treze MPs em tramitação no Congresso, que expiram entre abril e junho e tratam de temas importantes, da reorganização dos ministérios ao novo Bolsa Família. Na terça 28, Lula e seus bombeiros se reuniram com Pacheco, que logo depois se encontrou com Lira. Dali saiu uma espécie de pequeno recuo do presidente da Câmara, que disse aceitar a volta das comissões mistas desde que elas tenham três deputados para cada senador — o que, claro, foi rechaçado pelos líderes no Senado.

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    Jaques Wager, líder do governo no Senado
    BOMBEIRO - Wagner: escalado por Lula para jogar água na fervura política (Pedro França/Agência Senado)

    Apesar de trabalhar pelo “diálogo” e pela “solução política”, como disse o líder na Câmara, José Guimarães (PT-CE), o governo já pensa em um “plano B” — mesmo que a nova proposta de Lira vingue, a avaliação é que será difícil haver condições para colocar treze comissões mistas funcionando praticamente ao mesmo tempo. Uma das ideias é transformar algumas das MPs que estão no Congresso em projetos de lei com caráter de urgência, que poderiam ter um rito de tramitação menos polêmico, embora provavelmente um pouco mais demorado.

    Muito da crise atual, aliás, é consequência do mau uso das MPs e do gigantismo que elas assumiram na rotina dos governos nacionais. O instrumento foi criado pela Constituição de 1988 para substituir os decretos-lei usados pelos militares, mas o seu espírito original previa que fosse destinado apenas a temas urgentes. Com o tempo, no entanto, passou a ser o recurso mais comum de todos os presidentes — tanto que desde 2001 foram editadas 1 166 medidas desse tipo, uma média de cinquenta por ano. Em 2020, Bolsonaro cravou o recorde de 108 MPs. Para o cientista político Marco Antonio Teixeira, professor da FGV-­SP, esse abuso é o maior problema. “Governos usam e desusam de MPs sem, muitas vezes, considerar o que é e o que não é urgente. Antes, podiam ficar anos sem validade, sendo reeditadas constantemente. Basta lembrar que tivemos a CPMF, que foi feita por MP e ficou por onze anos”, diz.

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    PRIORIDADE - Minha Casa, Minha Vida: MP que recria o programa é uma das treze que estão no Congresso
    PRIORIDADE - Minha Casa, Minha Vida: MP que recria o programa é uma das treze que estão no Congresso (Ricardo Stuckert/PR)

    O primeiro freio de arrumação veio em 1999, quando se fixou um prazo de sessenta dias, prorrogáveis por mais sessenta e proibiu-se a reedição no mesmo ano. Outro avanço veio em 2017. Até então, se uma MP não fosse votada em 45 dias, suspendia toda a pauta, o que já levou a situações insólitas, como a de ser preciso editar uma MP para revogar outra que trancava a fila de votações. Isso mudou quando o STF decidiu que o trancamento vale apenas para projetos que versam sobre assuntos passíveis de ser tratados por medida provisória. Ainda assim, a existência de muitas MPs à espera de avaliação pode atrasar outros projetos. “Há questões que vão vir à tona, como a PEC da reforma tributária, a discussão em relação à âncora fiscal, que requer que o Congresso traga de volta a sua agenda de normalidade”, aponta Teixeira.

    O desenrolar da crise, ainda em andamento, tem duas consequências imediatas. Primeiro, cria uma animosidade entre as Casas que não existia — em especial na pandemia, Lira e Pacheco deram encaminhamentos difíceis a situações urgentes com relativo consenso. Depois, deixa um governo já trôpego na posição de elefante entre cristais, tendo de ajudar a costurar um acordo sem desagradar a nenhum aliado, uma vez que precisa de todos, pois ainda não tem uma base para dar sustentação aos seus projetos. De resto, a disputa pega Lula no seu momento mais fragilizado na marca da chegada dos 100 dias de governo (veja a reportagem na pág. 22), quando crescem as cobranças para fazer andar as promessas que exibiu na eleição. O que se espera é ponderação e espírito público de Lira e Pacheco, porque, embora seja natural a disputa por poder em uma arena essencialmente política — e que ganhou muita relevância —, é importante que isso não atrapalhe um país que já anda aos trancos e barrancos. Como se sabe, com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades.

    Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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