O filósofo e professor da prestigiada Universidade Harvard, nos Estados Unidos, Roberto Mangabeira Unger, manteve conversas com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no mesmo período em que vieram à tona revelações que apontam para uma participação do mandatário em um golpe de Estado, tramado por integrantes de seu governo, em um inquérito da Polícia Federal. Em uma dessas reuniões virtuais, o intelectual chegou a defender um habeas corpus preventivo, para impedir que Bolsonaro viesse a ser preso. A posição surpreendeu integrantes da esquerda, já que Unger ocupou o cargo de ministro de Assuntos Estratégicos, em duas ocasiões, em governos de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nessa entrevista, ele conta o que o motivou a procurar o ex-presidente.
Como foram os encontros com Jair Bolsonaro? Tivemos duas conversas virtuais, há cerca de duas ou três semanas; o procurei porque acredito que os representantes das diferentes correntes de opinião brasileira precisam conversar, sem diálogo não há solução possível para o país. Meu avô Otávio dizia que política é conversa.
Mesmo com o ex-presidente sendo investigado por uma tentativa de golpe de Estado? Só o que sei desse caso são as notícias que saíram na imprensa. Não posso seriamente avaliar se é ou não culpado, tampouco essa é minha tarefa. Não sou eu quem escolho quem são os líderes da direita no Brasil, mas é com eles que eu tenho de conversar.
O senhor pretende entrar com um pedido de habeas corpus preventivo no STF para proteger Jair Bolsonaro de uma eventual prisão? Eu acho que eu me referi a essa ideia com uma possibilidade na primeira conversa, e eles não levaram a sério. Tanto assim que, no segundo encontro que tivemos, o ex-presidente nem falou mais nela. Eu o faria por razões essencialmente morais. Rui Barbosa impetrou habeas corpus preventivos em favor de seus adversários, alguns deles autoritários. Seria um exemplo bonito para o Brasil dar demonstrações práticas dessa magnanimidade. Mas infelizmente é impossível, por razões técnicas e pela jurisprudência recente do STF. Conversando com amigos, verifiquei que não há viabilidade e logo abandonei esse caminho.
Qual o objetivo desse diálogo, afinal? Defendo a criação de uma alternativa nacionalista e produtivista, com o que chamo de vanguarda no Brasil. De um lado, estão os pequenos empreendedores que abraçaram uma cultura de autoajuda e que, por falta de outras opções, buscam satisfazer sua ambição de maneira isolada. São os emergentes. De outro, estão os batalhadores, a massa trabalhadora que também abraça essa ideia de iniciativa própria. Ambos estão colocados à direita atualmente.
É possível conciliar os dois lados, em um cenário tão polarizado? Não defendo uma grande conciliação nacional. A ideia é organizar uma alternativa que conte com o apoio de uma maioria nacionalista. Essa maioria não pode sair apenas dos quadros de uma facção descontente da esquerda. O PT representa o que chamo de pseudoesquerda, que faz uma combinação do rentismo financeiro associada ao distributivismo social. É uma espécie de rentismo social. Vai 90% da riqueza para os financistas e 10% para os pobres. Esse descalabro só é possível porque a mineração e a agricultura pagam a conta. É muito próximo da política de Bolsonaro.
Pretende continuar com essa iniciativa? Tive agora nesses dias uma pequena prova do preço a pagar, né? Porque há uma grande intolerância para a conversa, a ideia de que certas lideranças são objeto de uma anátema e ninguém pode dialogar com elas. Eu não aceito isso.
O seu amigo Ciro Gomes concorda com o senhor sobre esse caminho? Não o consultei sobre isso. É uma iniciativa minha, sob minha responsabilidade apenas.
Bolsonaro concordou com as ideias do senhor? Ele compreendeu, mas não se manifestou de forma muito clara sobre elas. Considero que o mero fato de ele aceitar conversar comigo já indica uma disposição em discutir o país amplamente fora do seu curral.