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Depoimento de Lula a Moro teve tensão, troca de farpas e ironias

Com o ex-presidente claramente irritado e partindo para o ataque, audiência teve vários momentos de enfrentamento entre o petista, o juiz, a defesa e o MPF

Por José Benedito da Silva Atualizado em 13 set 2017, 22h45 - Publicado em 13 set 2017, 22h29
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  • Em um clima bem diferente do primeiro encontro entre ambos no tribunal, o depoimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao juiz Sergio Moro foi marcado pela tensão, rispidez – em mais de um momento, houve aumento do tom de voz -, ironias e troca de farpas, que envolveu até o Ministério Público Federal e a defesa do petista.

    O depoimento já começou tenso. Lula chamou o processo de “ilegítimo” e “injusto” e disse a Moro que iria responder às perguntas, embora achasse que deveria fazer diferente porque no primeiro processo – o do tríplex do Guarujá – ele foi condenado a nove anos e meio de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. “Eu deveria mudar tudo porque o senhor me acusou”, disse Lula. “Não, eu não acusei”, rebateu Moro, sorrindo – na verdade, quem acusou foi o MPF; o juiz condenou. “Eu deveria fazer um novo depoimento”, resmungou Lula.

    Em outro momento, Lula aproveitou uma pergunta da procuradora Isabel Groba Vieira para lançar uma farpa em direção a Moro, lembrando uma nota em que o juiz rebateu a acusação de Rodrigo Tacla Durán, ex-advogado da Odebrecht, que disse que um amigo do magistrado, Carlos Zucolotto Júnior, intermediava facilidades em acordos de delação premiada. Moro lamentou que tivessem dado crédito “ao relato falso de um acusado”. Lula, ao ser questionado sobre a acusação de um delator, disse. “Eu poderia utilizar uma fala do doutor Moro. Não é correto ficar utilizando pessoas que são acusadas (…) para acusar um inocente.”

    Questionado pela procuradora se conhecia um e-mail trocado entre Paulo Okamotto, diretor do Instituto Lula, e João Louveira, diretor da Odebrecht, Lula foi ríspido. “A senhora não pode ficar perguntando pra mim de e-mail de João falando com a Maria. Eu sou o Lula. Tem algum e-mail para mim?”, afirmou. Moro intercedeu: “É uma pergunta normal, o senhor tem conhecimento disso ou tem conhecimento daquilo”, afirmou.

    Nas respostas, Lula se referiu várias vezes à procuradora como “querida”, ao que foi repreendido pela representante do MPF. “Pediria que o senhor ex-presidente se referisse ao membro do Ministério Público pelo tratamento protocolar devido”, disse. “Como é que seria? Doutora?”, perguntou Lula. Moro interveio de novo. “Peço escusas, não percebi isso de maneira tão clara. Sei que, evidentemente, o senhor ex-presidente não tem nenhuma intenção negativa ao utilizar esse termo ‘querida’. Peço que não utilize, Pode chamar de doutora, senhora procuradora. Perfeito?”, disse.  “Ah, tá bem, tá bem”, assentiu Lula.

    A tensão voltou a subir quando a procuradora citou um e-mail de Alexandrino Alencar, ex-diretor da Odebrecht, no qual falava sobre a relação com a Petrobras e a importância do diretor PR, que seria Paulo Roberto Costa, um dos delatores da Lava Jato. O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula, interveio para dizer que havia uma petição questionando o e-mail, que seria falso. Moro reclamou que o advogado  estava intervindo com muita frequência e atrapalhando a audiência. “A lei me dá esse direito”, disse. “Não dá não”, rebateu Moro. “Esse documento é objeto de incidente de falsidade, que ainda não foi processado [avaliado pela Justiça]”, completou Zanin. “Perfeito, mas isso impede de ser feita a pergunta ao seu cliente?”, indagou Moro. “Isso impede sim”, tentou dizer Zanin, ao que foi interrompido por Moro. “Não, não impede.”

    “O doutor já colocou o seu ponto”, continuou ao juiz dizendo que a audiência era para ouvir Lula, ao que Zanin rebateu: “Eu não terminei o meu raciocínio”. Moro perguntou se Lula tinha medo de responder à pergunta. “Medo não tenho, medo nenhum. Vossa Excelência não respeita a defesa, está mais uma vez claro que Vossa Excelência não respeita a defesa”, disse Zanin. “O doutor está errado, o incidente está sendo encaminhado, o doutor não precisa intervir na audiência a todo momento porque isso é perturbador”, rebateu Moro.  “Farei a intervenção sempre que for necessário e Vossa Excelência não poderá me impedir”, continuou Zanin. Lula interveio. “Vamos voltar à normalidade aqui”, disse.

    Em outro momento, a procuradora questiona Lula sobre depoimento de Marcelo Odebrecht em que ele diz que fez doações de 4 milhões de reais para o Instituto Lula entre o final de 2013 e 2014. “O senhor sabe por que essas contribuições foram feitas”, pergunta. Lula, irritado, sobe o tom: “A Odebrecht não tinha que pedir a opinião do Lula para fazer doação porque o Lula não é diretor do Instituto Lula.”

    A procuradora novamente volta a tirar Lula do sério ao questioná-lo se ele conhece a empresa DAG, que teria intermediado a compra de um terreno para o Instituto Lula. “Doutora, eu não conheço a empresa DAG, nem antes, nem durante, nem depois. Tudo o que eu sei é que vocês falam pela imprensa e o que a imprensa publica.” Ela insiste e diz que a DAG pagou a aeronave que o petista usou para viajar à República Dominicana. “Doutora, eu fiz 76 viagens por este mundo para fazer palestra. Eu não contratava avião. As pessoas que me contratavam tinham obrigação de me pegar em São Paulo, me levar aonde era essa palestra e me trazer de volta a São Paulo.”

    Críticas ao MPF

    Lula ainda disparou críticas à atuação do MPF e citou o escândalo dos áudios da JBS envolvendo o ex-procurador Marcelo Miller, que atuou como braço-direito do procurador-geral da República, Rodrigo Janot. “Como Deus escreve certo por linhas tortas, as coisas estão virando verdadeiras. Estamos vendo o que está acontecendo com o Janot, o que está acontecendo com o Miller.” E emendou: “Eu poderia ficar zangado e nervoso, mas quero enfrentar o Ministério Público, sobretudo a força-tarefa [da Lava Jato], para provar a minha inocência. Só espero que eles tenham a grandeza de um dia pedir desculpas.”

    No final do depoimento, o clima pesou ainda mais entre Lula e Moro. Primeiro, aconselhou o juiz a não usar o verbo “denegrir”. “Cada vez que eu saio daqui ou ligo a televisão, eu vejo as pessoas fazendo campanha contra mim. Aliás, um conselho: o senhor usa em uma frase a palavra ‘denegrir’ em relação ao advogado da Espanha [de novo, Tacla Durán] que fez acusações que o senhor não gostou. Politicamente, não é correto falar a palavra ‘denegrir’ porque o movimento negro do país não gosta.”

    E, antes de encerrar, o ex-presidente afirmou: “Vou terminar fazendo uma pergunta para o senhor. Eu vou chegar em casa amanhã e almoçar com oito netos e uma bisneta de seis meses. Eu posso olhar na cara dos meus filhos e dizer que eu fui a Curitiba prestar depoimento a um juiz imparcial?”, provocou. Moro respondeu: “Primeiro, não cabe ao senhor fazer esse tipo de pergunta a mim, mas, de todo modo, sim.”

    Lula atacou: “Porque este não foi o procedimento na outra ação [do tríplex do Guarujá]”. Moro se irritou. “Eu não vou discutir a outra ação com o senhor, senhor ex-presidente. Se nós fossemos discutir aqui, a minha convicção foi de que o senhor é culpado. Não vou discutir aquele processo aqui. O senhor está discutindo lá no tribunal [segunda instância], que apresente suas razões no tribunal. Se nós fossemos discutir aqui, não seria bom para o senhor.”

    “Eu vou continuar esperando que a Justiça faça justiça neste país”, continuou Lula. Moro encerrou: “Perfeito. Pode interromper a gravação”, disse a um funcionário do tribunal.

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