Uma das negociações mais importantes e complicadas realizadas pela força-tarefa da Lava-Jato foi a que resultou na delação premiada do empreiteiro Marcelo Odebrecht. Dono da maior construtora do país, o empresário sempre relutou em se tornar um colaborador. Dizia que havia aprendido e ensinado depois às suas filhas a jamais ser “dedo-duro”. O tempo de prisão preventiva, a iminência de uma condenação e a falta de perspectivas de deixar a cadeia minaram essa convicção. No fim de 2016, Marcelo decidiu contar tudo o que sabia sobre mais de 200 políticos, entre ex-presidentes da República, deputados, senadores e ministros, além de esquemas de corrupção que ele também comandara em países da África e da América Latina. Para compensar o que havia faturado com a corrupção (9,6 bilhões de reais), Marcelo pagou 73,3 milhões de reais em multas — valor irrisório diante de seu patrimônio bilionário. Hoje, ele está em prisão domiciliar. Não é exagero dizer que, no caso dele, saiu barato.
VEJA teve acesso a um documento sigiloso da Procuradoria-Geral da República que revela quanto cada delator da Lava-Jato pagou de multa — um dado normalmente protegido por sigilo nos acordos de colaboração assinados com a Justiça. A lista traz informações sobre 121 delatores que envolveram políticos e autoridades com foro privilegiado. Juntos, eles vão devolver 1,3 bilhão de reais aos cofres públicos. Marcelo Odebrecht, apesar da fortuna que angariou, não lidera esse ranking. No topo está o lobista Zwi Skornicki, preso em fevereiro de 2016 por pagar propina em troca de contratos da Petrobras. Na condição de delator, ele revelou que deu ao PT 4,5 milhões de dólares para a campanha presidencial de Dilma Rousseff em 2010 e que subornou um deputado do partido para evitar a sua convocação numa CPI. Para se livrar da cadeia, pagou uma multa equivalente a 87 milhões de reais. Esse valor corresponde ao saldo de suas contas bancárias na Suíça. Além desses recursos, Skornicki entregou à Lava-Jato dezenas de obras de arte.
Não há um critério objetivo para estabelecer o valor das multas. É uma negociação entre as autoridades e os delatores que passa pela importância do que eles têm a revelar ou de sua participação no crime. O ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa também arcou com uma multa superior à dos Odebrecht. O primeiro delator da Lava-Jato pagou um preço salgado quando puxou a fila dos colaboradores: 79,4 milhões de reais. Esse valor corresponde aos recursos desviados da área de abastecimento da estatal, comandada pelo ex-executivo, para contas bancárias clandestinas no exterior. Para escapar da prisão, Paulo Roberto ainda abriu mão de uma série de bens. Ele entregou uma lancha (avaliada em 1,1 milhão de reais), um terreno no Rio de Janeiro (estimado em 3,2 milhões de reais) e um automóvel Land Rover (300 000 reais). Paulo Roberto Costa reclama das dificuldades econômicas que sua família enfrenta.
Os valores devolvidos pelos delatores da Lava-Jato foram extraídos do sistema de monitoramento de colaborações da Procuradoria-Geral da República. A ferramenta é de uso restrito dos procuradores credenciados na Lava-Jato. De acordo com os documentos, até agosto deste ano, 121 delatores devolveram 823,2 milhões de reais aos cofres públicos. Desse valor, um pouco menos da metade — 384,7 milhões de reais — já foi repassado para os órgãos que foram alvo dos desvios. Observando-se as planilhas, nota-se que muitas novidades ainda estão por vir. Há delações cujo conteúdo integral ainda é mantido em segredo. Uma delas é de Frank Geyer Abubakir, ex-presidente da petroquímica Unipar. Envolvido no esquema do petrolão, ele confessou ter recebido na Suíça 150 milhões de reais para facilitar a aprovação pelo conselho de administração da venda da Quattor, subsidiária da Unipar, à Braskem, controlada pela Odebrecht. Para compensar esses crimes, ele topou pagar 32,5 milhões de reais em multas, divididos em quatro parcelas.
Na lista de colaboradores também constam oito executivos da Galvão Engenharia — que denunciaram o pagamento de propinas e caixa dois a diversos políticos. Ao todo, eles devolveram aos cofres públicos 16 milhões de reais. Trata-se de um valor vultoso se comparado ao que foi restituído por políticos e advogados. O ex-senador Delcídio do Amaral, por exemplo, concordou em devolver 1,5 milhão de reais. No entanto, após pagar a primeira parcela, de 85 000 reais, com atraso, ficou inadimplente. Tentou, sem sucesso, substituir a sua dívida por prestação de serviços comunitários. No pé da lista, está o advogado Felipe Parente, encarregado de levar malas de propina da Transpetro para caciques do MDB do Senado. Ele pagou 2 500 reais em março deste ano. Desde o primeiro acordo assinado na Lava-Jato, em agosto de 2014, as delações premiadas foram fundamentais para desvendar o maior esquema de corrupção da história do Brasil. As revelações dos colaboradores geraram centenas de processos e resultaram na condenação e prisão de figuras antes consideradas intocáveis. Algumas delações, porém, correm o risco de naufragar. Dois terços das denúncias feitas pela Odebrecht foram arquivados. No caso da JBS, o Supremo Tribunal Federal está discutindo a anulação do acordo. O crime pode acabar compensando para alguns — ao menos por enquanto.
Publicado em VEJA de 4 de setembro de 2019, edição nº 2650