O governo de Cuba informou nesta quarta-feira que está saindo do programa Mais Médicos devido às declarações “ameaçadoras e depreciativas” do presidente eleito Jair Bolsonaro, que anunciou mudanças “inaceitáveis” ao projeto governamental.
O país caribenho tomou a decisão de solicitar o retorno dos médicos cubanos que trabalham atualmente no Brasil depois que Bolsonaro questionou a preparação dos especialistas, condicionou sua permanência no programa “à revalidação do diploma” e impôs “como via única a contratação individual”.
“Diante desta lamentável realidade, o Ministério da Saúde Pública (Minsap) de Cuba tomou a decisão de não continuar participando do programa ‘Mais Médicos’ e assim o comunicou à diretora da OPS (Organização Pan-Americana da Saúde) e aos líderes políticos brasileiros que fundaram e defenderam esta iniciativa”, anunciou a entidade em comunicado.
O presidente eleito Jair Bolsonaro manifestou-se pelo Twitter. “Condicionamos à continuidade do programa Mais Médicos a aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou.”
O Ministério da Saúde informou que irá convocar nos próximos dias um edital para médicos que queiram ocupar as vagas que serão deixadas pelos profissionais cubanos. “Será respeitada a convocação prioritária dos candidatos brasileiros formados no Brasil seguida de brasileiros formados no exterior”, diz nota da pasta.
Histórico
Criado em 2013, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), o programa prevê a contratação de médicos, preferencialmente brasileiros, para atender em regiões onde há maior demanda por estes profissionais — as vagas remanescentes podem ser preenchidas por estrangeiros.
No caso dos cubanos, foi firmado um convênio com o governo do país caribenho para o envio dos profissionais sob intermédio da Organização Pan-Americana da Saúde, da Organização Mundial da Saúde. A ilha comunista tem tradição em enviar seus profissionais para atuar em outros países.
O formato do acordo com Cuba, entretanto, foi objeto de críticas da oposição — carregadas por um forte componente ideológico. Isso porque o salário dos médicos cubanos é repassado inicialmente à Opas. De acordo com as regras tributárias do país, a maior parte do que eles recebem no exterior fica com o governo de Havana.
Na prática, recebem quase 3.000 reais ante os 11.800 reais da bolsa-formação paga aos profissionais brasileiros e voluntários de outros países — que também têm direito a uma ajuda de custo inicial que pode chegar a 30.000 reais. As prefeituras são responsáveis por custear os gastos com moradia e alimentação de todos os participantes.
Ao aderirem ao programa, entretanto, os profissionais cubanos têm ciência desta condição, mas a aceitam. Em Cuba, ganhariam míseros 200 reais, uma fração em relação ao que recebem no Mais Médicos.
Crítico de primeira hora do programa, Bolsonaro chegou a entrar com uma ação no Supremo Tribunal Federal, que também foi acionado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e Associação Médica Brasileira (AMB).
Em novembro de 2017, entretanto, a corte considerou o programa constitucional e entendeu que os profissionais não precisariam revalidar seus diplomas para exercer o ofício no país — queixa de Bolsonaro e das entidades médicas.
A dispensa de revalidação é uma forma de manter os médicos estrangeiros vinculados apenas ao programa, já que, assim, eles não podem abrir consultório particular ou ser contratados por hospitais, por exemplo.
Mesmo após o impeachment de Dilma, o Mais Médicos foi renovado por três anos pelo governo de Michel Temer (MDB), que continuou com a previsão de contratação de profissionais estrangeiros, caso as vagas não fossem preenchidas por brasileiros.
Segundo o Ministério da Saúde, o programa conta com 18.240 vagas em mais de quatro mil municípios e 34 distritos indígenas, mas nem todas estão ocupadas. Hoje, 8.332 cubanos representam a metade do contingente de profissionais que atuam no Mais Médicos
A presença dos brasileiros aumentou com o tempo. Em 2014, eles representavam 16% do total de 14.000 médicos participantes do programa. Agora, os 4.525 profissionais do país representam 27% do total. O Mais Médicos conta ainda com 3.725 intercambistas de outras nacionalidades.
Para atrair profissionais do país, o governo estabeleceu, por exemplo, um reajuste de 9% na remuneração. Além disso, a maioria das vagas para brasileiros é oferecida preferencialmente nas capitais e cidades com mais de 250.000 habitantes.
Reportagem de VEJA, publicada em abril de 2017, mostrou, além do arrefecimento das críticas, que o programa provou ser bem sucedido. Pesquisa coordenada pela Universidade do Rio Grande do Sul em 2015 mostrou que, em um ano, houve aumento de cerca de 30% no número de consultas nos municípios que aderiram ao programa. Nas cidades em que não havia os profissionais do Mais Médicos, o crescimento foi de 15%.
A quantidade de internações em hospitais, por sua vez, caiu no mesmo período (o que indica maior eficácia nas consultas). Nos municípios em que existe o programa, o número de hospitalizações foi 4% menor em relação ao de outras cidades. Em números absolutos, 110 000 brasileiros deixaram de ser internados.
(com EFE)