Criada para apurar ilegalidades, CPI das Bets caminha para um fim melancólico
Depois de seis meses e 445 requerimentos, a comissão, ao que tudo indica, se perdeu pelo caminho

Na quarta-feira 21, os senadores que integram a CPI das Bets se reuniram com um só propósito: ouvir o que tinha a dizer o padre Patrick Fernandes, de 37 anos, uma celebridade da internet, com quase 7 milhões de seguidores no Instagram. O religioso chegou até lá de forma heterodoxa: se voluntariou pelas redes sociais para contribuir como uma voz capaz de alertar as pessoas para os problemas do jogo on-line — e foi prontamente atendido. A sua contribuição, questionável para um tema de tal envergadura, foi ofuscada por um bate-boca entre a relatora, Soraya Thronicke (Podemos-MS), e Eduardo Girão (Novo-CE). Tendo como pano de fundo uma reportagem de VEJA, de dezembro de 2024, que relatava a atuação de lobista próximo à senadora em achaques contra donos de bets, a troca de ataques se arrastou até que o presidente, Dr. Hiran (PP-RR), encerrou a sessão, sob o testemunho (e talvez um silencioso “amém”) do padre pop.
O dispêndio de energia e de dinheiro público na audiência foi só mais um exemplo da melancólica reta final vivida pela CPI. Depois de seis meses e 445 requerimentos, a comissão, ao que tudo indica, se perdeu pelo caminho. Criada em novembro de 2024 com o objetivo de apurar irregularidades e ajudar a aprimorar a legislação, a comissão já está na prorrogação (vai até 14 de junho) e, por enquanto, chama mais atenção pelos bate-bocas e depoimentos dados em clima de espetáculo circense.
A evidência maior da falta de rumo veio nas últimas semanas, quando o colegiado tornou-se palco para celebridades das redes sociais que fizeram fortuna às custas de propagandas de plataformas de apostas. No último dia 13, Virginia Fonseca, uma influencer com 53 milhões de seguidores, foi recebida como uma estrela. Além da legião de fãs que a aguardavam na entrada, os próprios senadores posaram para fotos ao lado dela, entre eles a relatora e o presidente — um outro parlamentar, Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG), interrompeu a sessão para pedir um vídeo para mandar a sua esposa. O depoimento, claro, nada acrescentou.

No dia seguinte, Rico Melquiades, vencedor do reality show A Fazenda, da TV Record, ensinou ao vivo aos senadores como se aposta no “jogo do tigrinho”, uma das modalidades mais populares entre os apostadores, mas que foi apresentada aos parlamentares por um cidadão que fez fama e dinheiro participando de atrações da TV como De Férias com o Ex: Celebs, além do já citado A Fazenda. A lista de convocações aprovadas ainda inclui gente como Felipe Neto, Wesley Safadão e Gkay e não para de aumentar — na última quarta foi aprovada a convocação do influencer e humorista Carlinhos Maia. “A presença da Virginia atingiu o objetivo da CPI. Chamou atenção para a importância do trabalho que estamos fazendo”, disse o presidente da comissão ao programa Ponto de Vista, de VEJA, na terça 20. “Os influenciadores estão apenas exercendo o papel deles”, afirmou Izalci Lucas (PL-DF), para quem as celebridades não devem ser responsabilizadas no relatório final.
O certo é que não se sabe o que virá ao final. Soraya disse a VEJA que o documento vai tratar de “lavagem de dinheiro, manipulação de algoritmos e a questão dos influenciadores”, além de sugerir regras para propaganda. “Teremos tanto propostas legislativas quanto indiciamentos”, afirma, embora não se saiba com base em quais evidências. “Nem todos os indiciamentos dependem de uma oitiva, dependem de documentos. Eu preciso apenas de indícios”, afirma. Antes de se encaminhar para o que parece ser o seu ponto baixo, a CPI chegou a ouvir ao menos um representante da Receita Federal e do Ministério da Saúde, além do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, um ou outro especialista e quase nenhum empresário do setor.
A instalação do colegiado foi decidida em um momento de tensão sobre o tema. Enquanto o governo Lula, com portarias e decretos, ia tentando providenciar algum regramento a um negócio em expansão, pipocavam denúncias sobre práticas criminosas variadas e o comprometimento da saúde mental e financeira do brasileiro. Foi nesse clima que o procurador-geral da República, Paulo Gonet, pediu ao Supremo Tribunal Federal, no mesmo mês, que o arcabouço legal das bets fosse declarado inconstitucional — o pedido, com outras duas ações, não foi julgado ainda pelo STF.

Em meio a esse cenário de insegurança jurídica, a CPI das Bets decepciona especialmente quem tenta fazer o jogo limpo no meio de tanto caos. “Se tivesse focado nas plataformas ilegais, a Comissão teria prestado um grande serviço ao mercado e à sociedade”, diz Magnho José, presidente do Instituto Brasileiro Jogo Legal (IJL). Hoje, 118 empresas estão autorizadas a funcionar, mas muitos sites, boa parte sediada em outros países, continuam a operar, a despeito de o governo ter tirado mais de 2 000 deles do ar em 2024.
O triste desfecho para o qual caminha a CPI das Bets revela que o assunto talvez não tenha sido tratado dentro do Senado com a seriedade que merecia. Além da pouca perspectiva de alguma contribuição que atenda ao que necessita o país, a comissão se permitiu tornar palco de um espetáculo midiático de resultado duvidoso. A aposta, paga com dinheiro público, por enquanto está sendo perdida.
Colaborou Pedro Jordão
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2025, edição nº 2945