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Como funciona e o que teme a bancada das ‘fake news’ no Congresso

Parlamentares que são alvo de inquérito sobre notícias falsas multiplicam a prática nos últimos tempos para tentar blindar o governo da crise

Por Roberta Paduan Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 14h41 - Publicado em 8 Maio 2020, 06h00

A pandemia de coronavírus e a crise em torno do governo Jair Bolsonaro praticamente monopolizam as atenções no Brasil, mas um pequeno e barulhento grupo de parlamentares tem gastado energia com outro tema: as investigações sobre a divulgação de notícias falsas. Na terça-feira 5, oito deputados do PSL entraram no Supremo Tribunal Federal com um mandado de segurança pedindo a suspensão dos trabalhos, a anulação de sessões e o afastamento do presidente da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o senador Angelo Coronel (PSD-BA), a quem acusam de perseguir o presidente. A ofensiva ocorreu cinco dias depois de o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-­SP), o filho Zero Três, ter falhado ao tentar impedir a prorrogação da comissão por 180 dias — o pedido foi negado pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, onde, por sinal, há um inquérito aberto com objetivo semelhante, aos cuidados de Alexandre de Moraes.

A suspeita de uso de fake news assombrou a campanha eleitoral de Bolsonaro e foi um dos motivos que levaram à criação da CPMI. Essa prática se multiplicou nos tempos da pandemia com o objetivo de minimizar o problema da doença, reverberando o discurso negacionista do presidente. De acordo com a agência especializada em checagem de notícias Aos Fatos, integrantes da tropa de choque do governo federal foram campeões em abril no ranking de pessoas que mais curtem, postam ou compartilham desinformação sobre o coronavírus, o que comprova a ação coordenada da turma. Em um entrevista recente, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), estrela da bancada das fake news, contestou o número de mortos pela doença em dois estados, São Paulo e Ceará, governados pela oposição: “No Ceará tem caixão sendo enterrado vazio”, afirmou, ecoando uma fake news que já circulava, mas que ganhou outra proporção após o impulso da bolsonarista, que tem quase 800 000 seguidores no Twitter. A fala gerou 22 500 menções em redes sociais em cinco dias, o que, segundo especialistas, tem o potencial de atingir 10 milhões de pessoas. Zambelli não se retratou: disse que a Constituição lhe garante “imunidade parlamentar, que lhe permite fazer denúncias sem conhecimento das fontes”. Agora, vai ter de se explicar, pois será processada pelo governo do Ceará. Zambelli, uma das autoras do pedido contra a CMPI, já foi condenada por divulgar declaração falsa do ex-deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) que imputava a ele a defesa da pedofilia. Na última semana, ela ressuscitou uma fake news sobre uma ligação do ministro Alexandre de Moraes, do STF, agora “inimigo” do governo, com a facção criminosa PCC.

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ÁLIBI - A deputada Bia Kicis (PSL-DF): “Todo mundo inventa uma mentirinha” (Cristiano Mariz/VEJA)

Outrora incensado pela tropa bolsonarista, o ex-ministro Sergio Moro virou nos últimos dias alvo de ataques de integrantes da bancada das fake news assim que rompeu com o governo, como Bibo Nunes (PSL-RS). Segundo o deputado, Moro fez vistas grossas à suspeita de que Jean Wyllys participou de um complô para matar o presidente no episódio da facada. Bia Kicis (PSL-DF) já declarou “que todo mundo inventa uma mentirinha”. Em março, ela espalhou nas redes que a morte de um borracheiro devido a um estouro de pneu havia sido computada como em decorrência do coronavírus, dando corda aos boatos de que governos inimigos estavam inflando as estatísticas da doença para prejudicar Jair Bolsonaro. Na verdade, o borracheiro faleceu de influenza A. Por um erro do hospital, que acabou sendo corrigido, o atestado de óbito inicialmente registrou Covid como a causa. Nos últimos dias, Kicis postou que o “STF avalia que não há provas robustas contra Bolsonaro (no caso das recentes denúncias de Moro sobre intervenção do presidente na PF)”, conclusão que nunca houve na Corte.

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Outra mentira espalhada pela tropa de choque é sobre a CPMI representar uma tentativa de censura. O argumento não passa de uma cortina de fumaça para esconder o crime de espalhar notícias falsas. Nos últimos tempos, redes sociais como o Twitter e o Facebook começaram a remover conteúdos que violam regras de segurança, incluindo posts do presidente Bolsonaro e do ex-ministro Osmar Terra, uma espécie de membro informal da bancada das fake news, sobre a pandemia. Mas o movimento ainda é tímido diante do problema. “A internet deu uma velocidade de disseminação da informação que nunca tivemos, o que impossibilita que se responda a uma notícia falsa antes que ela provoque danos”, afirma Marco Aurelio Ruediger, diretor do departamento da FGV que analisa redes sociais. No campo de possíveis punições aos “pinóquios digitais”, no entanto, há avanços claros no Brasil. A CPMI já descobriu que um dos perfis utilizados para propagar informações inverídicas foi criado no computador de um assessor de Eduardo Bolsonaro. Semanas atrás, o presidente recebeu a informação de que o inquérito tocado por Alexandre de Moraes no STF obteve indícios contundentes do envolvimento do filho Carlos Bolsonaro na disseminação de notícias falsas (o Zero Dois é tido como o coordenador do “gabinete do ódio”, como é chamado o núcleo de assessores do governo especializado em propagar lorotas digitais para atingir inimigos). O interesse na apuração teria sido uma das razões da insistência do presidente em ter um aliado no comando da PF, o que acabou sendo o estopim para a saída de Moro. As investigações no Congresso e no STF vêm tirando mesmo o sono dos bolsonaristas. E isso não é fake news.

Publicado em VEJA de 13 de maio de 2020, edição nº 2686

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