O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), prorrogou por mais 30 dias o inquérito que investiga o presidente Jair Bolsonaro por suposta interferência política na Polícia Federal. A decisão do decano do Supremo foi tomada após solicitação da PF, que apontou a necessidade de novas diligências na apuração, incluindo a oitiva do próprio Bolsonaro. O despacho foi assinado por Mello nesta quarta-feira, 1º, um dia antes de o STF entrar em recesso, que vai até o dia 31 de julho.
O pedido por mais prazo, prática comum em investigações criminais, foi direcionado ao ministro do STF no final de maio pela chefe do Serviço de Inquéritos da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, Christiane Correa Machado, que conduz a apuração.
Em um ofício a Celso de Mello há duas semanas, a delegada informou que as “investigações se encontram em estágio avançado” e que, por isso, a oitiva de Bolsonaro deveria ser realizada “nos próximos dias”. Ainda não há data para o depoimento do presidente, nem definição sobre o formato, se presencial ou por escrito. O Código de Processo Penal prevê que presidente da República, vice-presidente e os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado têm prerrogativa de depor por escrito quando arrolados como testemunhas. Não há definição no código a respeito de depoimentos na condição de investigado, como é o caso de Jair Bolsonaro.
O inquérito foi aberto por Mello a pedido do procurador-geral da República, Augusto Aras, depois que o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro pediu demissão e acusou Bolsonaro de tentar interferir na corporação por meio das trocas do então diretor-geral, Maurício Leite Valeixo, e do superintendente da PF no Rio de Janeiro. Valeixo foi demitido à revelia de Moro, que pediu para deixar o cargo no mesmo dia.
Até o momento, a PF colheu depoimentos do ex-ministro e do ex-diretor-geral da PF, dos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Walter Braga Netto (Casa Civil), além da deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), do empresário Paulo Marinho, ex-aliado do presidente, e delegados da Polícia Federal.
Em entrevista coletiva após pedir demissão e em seu depoimento aos investigadores, o ex-ministro disse que o presidente pretendia fazer as mudanças para ter na PF um diretor com quem pudesse “interagir” e que lhe fornecesse relatórios de inteligência.
O escolhido por Bolsonaro para substituir Valeixo acabou sendo o delegado da PF e diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Alexandre Ramagem, amigo dos filhos do presidente. O ministro do STF Alexandre de Moraes, no entanto, barrou a posse de Ramagem por entender que havia indícios de “desvio de finalidade” na nomeação. Bolsonaro, então indicou o delegado Rolando Alexandre de Souza para o cargo.
Foi no âmbito do inquérito que Celso de Mello autorizou a divulgação do vídeo da reunião ministerial do dia 22 de abril, no Palácio do Planalto, apontada por Moro como prova de que Bolsonaro pretendia interferir politicamente na PF. Na reunião, o presidente reclamou dos sistemas de informação da Abin e da PF e afirmou que apenas o seu sistema “particular” funcionava – reportagem de VEJA mostra quem opera o serviço paralelo de informações. Bolsonaro declarou no encontro que havia tentado trocar a “segurança” de sua família no Rio de Janeiro e, não tendo “conseguido”, estava disposto a trocar até um ministro para fazê-lo.
“Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro, oficialmente, e não consegui! E isso acabou. Eu não vou esperar foder a minha família toda, de sacanagem, ou amigos meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança na ponta da linha que pertence a estrutura nossa. Vai trocar! Se não puder trocar, troca o chefe dele! Não pode trocar o chefe dele? Troca o ministro! E ponto final! Não estamos aqui pra brincadeira”, disse.
Segundo Moro, a menção a “segurança” se refere à Superintendência da Polícia Federal no Rio, onde o presidente teria buscado interferir politicamente em função de investigações de pessoas próximas a ele. Bolsonaro alega que se referia à segurança pessoal de sua família no Rio, que fica a cargo do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (GSI). O presidente, no entanto, também cita “amigos”, que, ao contrário de sua família, não têm direito a escolta de seguranças do GSI.
O Radar revelou na semana passada que o ex-ministro da Justiça guarda um acervo de seis meses de mensagens trocadas com ministros palacianos. As conversas revelariam que os ministros-generais Augusto Heleno, Luiz Eduardo Ramos e Walter Braga Netto sabiam da intenção de Bolsonaro em interferir na PF do Rio e chegaram a atuar para convencer Sergio Moro a ceder ao presidente.