Carta ao Leitor: Palavras e ações
A largada do novo governo aponta para uma perigosa combinação de populismo com irresponsabilidade fiscal

À exceção da ausência de Jair Bolsonaro, a cerimônia de posse de Luiz Inácio Lula da Silva de seu terceiro mandato como presidente transcorreu dentro do protocolo, sem protestos ou qualquer tipo de turbulência e em clima de muita festa. O entusiasmo, porém, não pode levar o novo mandatário a perder de vista o alicerce sobre o qual foi construída sua exitosa candidatura. Não foram apenas os militantes e admiradores do petista os responsáveis pelos 60 milhões de votos que lhe deram a vitória no segundo turno. Há liberais e conservadores, empresários e trabalhadores, católicos e evangélicos e brasileiros que simplesmente queriam tirar Bolsonaro e não tinham outra opção. Muitos o escolheram confiando que o candidato, além de respeitar a convivência pacífica entre os poderes e a democracia, garantiria as condições básicas para que o país cresça e gere empregos, criando um ambiente que inspire credibilidade em relação à política econômica. Até aqui, porém, isso ainda não aconteceu.
Em seu discurso de posse, aliás, deu-se exatamente o contrário. O presidente emitiu sinais de que sua versão 3.0 defende propostas que se aproximam muito mais do mandato de sua sucessora, Dilma Rousseff, do que do Lula de vinte anos atrás. Entre outras ideias anacrônicas, o presidente prometeu revogar o teto de gastos, o qual classificou como uma “estupidez”, decretou o fim das privatizações, disse que vai rever a reforma trabalhista, defendeu o papel do Estado como indutor do crescimento e acrescentou que pretende usar as empresas públicas como linhas auxiliares desse processo. Um desastre. Trata-se de uma agenda fracassada, retrógrada, já testada por Dilma, que, como se sabe, não produziu nada além de monumentais escândalos de corrupção e um desastre econômico de proporções inéditas na história do Brasil. Faria bem ao país se, desta vez, as palavras do presidente fossem apenas um exercício de retórica para agradar à militância petista e seus apoiadores mais à esquerda num momento de celebração. É cedo para ter certeza, mas — infelizmente — as primeiras ações parecem caminhar nessa equivocada direção.
O presidente já pediu (e recebeu) autorização do Congresso para ampliar os gastos além do permitido. Depois, mesmo com parecer contrário de sua equipe econômica, prorrogou a isenção de impostos para os combustíveis por dois meses. Somente essas duas medidas devem provocar um rombo das contas públicas de mais de 150 bilhões de reais. Dessa forma, a largada do novo governo aponta para uma perigosa combinação de populismo com irresponsabilidade fiscal — substrato perfeito para um desastre previsível que começa com aumento da inflação e descamba para juros altos, endividamento, queda na produção, desemprego, mais pobreza e mais miséria. Resta torcer para que o bom senso prevaleça nas decisões que serão tomadas nos próximos meses. Em sua fala inaugural como ministro da Fazenda, Fernando Haddad disse que, em breve, vai apresentar medidas para equilibrar as contas públicas, com uma nova âncora fiscal, e garantir a necessária previsibilidade econômica. Tomara que seja bem-sucedido. Por enquanto, como mostra a reportagem que começa na página 22, a retórica do presidente e as primeiras ações da nova administração sugerem apenas intervencionismo e gastança.
Publicado em VEJA de 11 de janeiro de 2023, edição nº 2823