Tido como um dos mais competentes chefes de governo da história, Winston Churchill (1874-1965) era também um grande frasista. Entre as várias pérolas de sabedoria política ditas em sua carreira, o ex-primeiro-ministro britânico dizia: “Na vitória, seja magnânimo”. Para ele, o vencedor de uma batalha, fosse política ou por territórios, não deveria tripudiar sobre o perdedor, mas demonstrar um sentimento de grandeza que não apenas desanuviaria o ambiente como seria o ponto de partida de uma nova composição. Infelizmente, o presidente Jair Bolsonaro não vem comungando do mesmo pensamento. Depois de dois anos e sete meses na Presidência, eleito com uma vitória robusta, o atual ocupante do Palácio do Planalto tem escolhido até aqui um estilo de gestão baseado em permanente estado de guerra, atirando em inimigos (reais ou imaginários) quase diariamente, criando instabilidades desnecessárias e, muitas vezes, ameaçando as instituições. Com esse comportamento, Bolsonaro pretende agradar ao núcleo duro de sua base radical, mas comprometeu de tal forma a governabilidade que várias camadas que apoiaram sua candidatura em 2018 hoje procuram alternativas.
Confrontado nas últimas semanas com a perda de sustentação política e popularidade, fatores que podem apeá-lo do poder — em um processo de impeachment ou nas urnas em 2022 —, Bolsonaro agora parece ter optado por um caminho diferente. O convite para que o senador Ciro Nogueira, do PP, assuma a Casa Civil é uma manobra absolutamente dissonante da estratégia bélica anterior. Um dos expoentes do chamado Centrão, Nogueira foi base de apoio de quase todos os governos nos últimos 26 anos, de Fernando Henrique às administrações petistas, uma espécie de camaleão político que defende o poder da ocasião, independentemente de ideologia, desde que seja agraciado com verbas e cargos. Pragmaticamente, porém, trata-se de uma aposta acertada. Em termos eleitorais, Bolsonaro reforça seus laços com partidos que lhe darão uma estrutura mais parruda de verbas, capilaridade e tempo de TV. Do ponto de vista da estabilidade democrática, também é uma boa escolha. Embora tenha defeitos sobejamente conhecidos, Nogueira é um hábil negociador, artigo raro na administração atual, um profundo conhecedor de Brasília e adepto da ponderação — e não da guerra infinita entre poderes.
A questão, tema da reportagem que começa na página 28, é saber até que ponto, e em quais condições, o senador piauiense poderá implementar seu estilo apaziguador. Uma coisa é certa: a tarefa não será fácil. Em primeiro lugar, porque, cedo ou tarde, o próprio Bolsonaro deve capitanear uma nova crise institucional, uma vez que ainda não entendeu que um presidente pode, sim, ser sincero e autêntico — mas não pode dizer tudo que pensa o tempo todo. Em paralelo, o novo ministro da Casa Civil enfrentará uma intensa oposição interna, de vários de seus colegas de ministério, que preferem dizer amém ao presidente, de forma constrangedoramente subserviente, a confrontar suas posições mais polêmicas. Em ocasiões anteriores, Nogueira acertadamente se disse contra o retorno do voto impresso, esse terraplanismo eleitoral bolsonarista, e evidentemente não parece disposto a arranca-rabos com o Supremo Tribunal Federal ou o Congresso. Por tudo isso, é difícil dizer até quando essa aliança entre governo e Centrão (que já existia, mas agora alcança um patamar inédito) permanecerá. Ciro & cia., como se sabe, não são adeptos de relacionamentos conturbados em que seus valores não sejam reconhecidos. E Bolsonaro, óbvia e infelizmente, está muito longe de ser um Winston Churchill.
Publicado em VEJA de 4 de agosto de 2021, edição nº 2749