Carta ao Leitor: A chance perdida
Na corrida eleitorlal, os principais candidatos à Presidência da República passaram ao largo dos temas de real importância para o Brasil
Ao longo dos últimos dois meses, os principais candidatos à Presidência da República passaram ao largo dos temas de real importância para o Brasil. Pareciam alheios (salvo os raros instantes de lucidez que confirmam a regra) à atual situação econômica do mundo e do país, como se só lhes restasse alimentar a polarização ideológica que tanto empobrece as discussões atuais. O Brasil que espera o novo mandatário em janeiro de 2023, não importa qual seja o vencedor, enfrentará dificuldades bastante espinhosas. Além dos nossos problemas atávicos, a exemplo da pobreza alimentada pelo fosso social, podemos encarar a falta de liquidez global, causada por um mundo em recessão depois de quase três anos de pandemia, em cenário agravado pela eclosão da guerra na Ucrânia. Não será fácil.
A lista de assuntos que mereciam mais atenção, portanto, é imensa. Contudo, e sobretudo entre os candidatos que despontam à frente nas pesquisas de intenção de votos, o caminho escolhido foi outro. O ex-presidente Lula, sem nem sequer apresentar um programa econômico claro, pediu aos eleitores um cheque em branco — como se o bom desempenho no primeiro mandato, entre 2003 e 2006, autorizasse franco otimismo em condições completamente diferentes. O atual presidente, Jair Bolsonaro, comportou-se como sempre, respondendo com rispidez — e muitas vezes com misoginia — a perguntas delicadas. Foi capaz apenas de prometer a manutenção do Auxílio Brasil, sem nem mesmo defender de forma mais explícita algumas boas conquistas de seu governo, como a privatização da Eletrobras, a autonomia do Banco Central e a reforma da Previdência. Ambos, Lula e Bolsonaro, escondem o óbvio: o Brasil de 2023 estará numa situação mais desafiadora do que quando receberam a faixa presidencial. A novos percalços, o correto seria a oferta de soluções concretas e um debate profundo sobre as melhores propostas. Mas não foi o que se viu, ao menos até o momento. Caso a escolha do presidente vá para o segundo turno, haverá tempo para que eles se aprofundem sobre o que pretendem fazer no governo. Embora o mais provável seja a manutenção da guerra.
Um modo de enfrentar os obstáculos do Brasil, por óbvio, seria entendê-los, estudá-los e debatê-los. De nada adianta manter as discussões ao ritmo de mais do mesmo — como se ao país não coubesse outro destino a não ser a escolha entre opostos. Reportagem da edição esmiúça alguns dos assuntos que precisariam ter sido levados aos debates e ao horário gratuito, mas foram “esquecidos” pelos candidatos: a redefinição do papel do Estado na economia, o reequilíbrio entre os poderes, a recuperação do déficit de ensino gerado durante a pandemia e, claro, a redução da desigualdade, além de outros nós que pedem correção de rumo. A campanha poderia ter servido a esse importante passo civilizatório — um olhar para o futuro. Lamentavelmente, nada disso aconteceu neste primeiro turno.
Publicado em VEJA de 5 de outubro de 2022, edição nº 2809