Inspirada no vai não vai do Brexit, uma nova palavra surgiu no inglês: “brexiting”. O significado é assim descrito no site Urban Dictionary (vai no original para maior credibilidade): “Saying goodbye to everyone at a party and then proceeding to stick around” (“Despedir-se de todo mundo numa festa e continuar por lá”). O mesmo dicionário dá um exemplo de emprego do novo termo:
— What’s up with Boris, I thought he was leaving. (Que que há com Boris, pensei que ele estivesse indo embora.)
— Apparently, he’s brexiting. (Aparentemente, ele está brexitando.)
Alto lá! Quem se despede e não vai embora somos nós, brasileiros. O embaixador Marcos de Azambuja, num artigo em que desfia memórias do começo de sua carreira diplomática, contou um episódio no qual podemos ancorar nossos direitos sobre o que agora os ingleses nos querem tomar. O caso se passa em Nova York, no início dos anos 1960, antes do golpe que hoje sabemos não ter havido. Azambuja, aos 25 anos, servia em nossa missão junto à ONU, então alojada num prédio da Park Avenue dotado de modernidades como elevadores que subiam e desciam alternadamente, para mais rápido atendimento dos usuários.
Um dia o sistema entrou em pane. Os elevadores subiam e desciam à mesma chamada, e paravam juntos no mesmo andar. O administrador do edifício pediu para falar com o pessoal da missão brasileira, e coube a Azambuja, em sua primeira missão diplomática, atendê-lo. As suspeitas sobre o mau funcionamento dos elevadores, explicou o homem, recaíam sobre os brasileiros. Os elevadores haviam sido programados para se deter apenas por alguns segundos em cada andar. E no entanto, naquele andar, demoravam-se além disso, o que os levara ao desvario. Azambuja captou logo do que se tratava. Nosso hábito de esticar a despedida, com a porta do elevador aberta, de esperar alguém que também quer descer mas está atrasado, de ir apanhar o casaco e pedir ao acompanhante que segure a porta, e tantas outras variantes, havia desorganizado o sistema. Conclui ele, com argúcia e sabedoria: “Ficou-me a constatação, reforçada tantas vezes depois ao longo da vida (em elevadores, no fim de almoços, jantares e festas), de que a nossa liturgia de partidas tem um ritmo que não pode ser abreviado. E que, se os franceses saem sem se despedir, os brasileiros se despedem sem sair”.
Brexiting é conosco mesmo. Brexitamos quando nos despedimos e não saímos da festa, mas também quando nos despedimos do Carnaval e o Carnaval continua. O presidente brexita quando já se despediu da campanha eleitoral mas não a deixa.
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Já que falamos nele…
1. Intrigante é a insistência de Bolsonaro nas metáforas de casamento, namoro, noivado. A primeira vez que chamou atenção ao empregá-las foi quando revelou, na campanha, que conversava com o economista Paulo Guedes. “Estamos na fase de namoro”, afirmou. Numa entrevista à GloboNews, declarou-se “apaixonado” por um dos entrevistadores, Fernando Gabeira, que, com argumentação moderada, procurava pontes de entendimento. Mandou-lhe um “abraço hétero”. Na viagem a Israel, ao justificar que seu governo só levava um escritório a Jerusalém, não a embaixada, disse que estava na fase de namoro, à qual se sucederiam o noivado e o casamento. Na mesma viagem, falando sobre a ditadura (um período do qual já nos despedimos, mas que não vai embora de nossa cabeça), afirmou que “não foi uma maravilha, regime nenhum é”, e acrescentou: “Qual casamento é uma maravilha?”. Chegamos ao ápice. Foi casamento, aquilo? De quem com quem?
2. Bolsonaro é um provocador profissional. Fez sua carreira provocando e em boa medida foi eleito pelas provocações. Provoca quando afirma que não houve ditadura e que o nazismo foi de esquerda. Quem morde a isca ajuda a aplainar o campo de tensão em que ele prefere jogar seu jogo. A questão é: vai ser assim por quatro anos? Para governar com a abertura e a elevação recomendadas no manual do bom presidente, espera-o desafio maior ainda do que o imposto aos ingleses pelo Brexit: ir embora de si mesmo.
Publicado em VEJA de 10 de abril de 2019, edição nº 2629
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