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‘Bolsonaro tem uma paciência enorme com o Paulo Guedes’, diz Caiado

Governador de Goiás afirma que esperava uma resposta mais rápida do ministro da Economia para destravar rombos fiscais nos estados

Por Marcela Mattos Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 2 Maio 2020, 11h18 - Publicado em 2 Maio 2020, 09h31

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), diz ainda se considerar um aliado do presidente Jair Bolsonaro. Amigos antigos, os dois romperam as relações em março deste ano, quando Bolsonaro decidiu contrariar todas as recomendações de saúde e passou a minimizar os efeitos do coronavírus. À época, Caiado chegou a dizer que “a ignorância não é virtude”. Agora, o democrata afirma que, tirando a questão da pandemia, segue um aliado – muito embora os dois não mantenham mais contato.

A benevolência, porém, não se estende ao ministro da Economia. Diante de um rombo bilionário nas contas goianas, Caiado decretou estado de calamidade financeira tão logo assumiu o mandato, em janeiro do ano passado. Ele conta que já fez diversas expedições a Brasília para buscar uma solução. A promessa que escuta há quinze meses é de uma ajuda aos estados que nunca vem. “Esperávamos uma resposta mais rápida da equipe econômica para atender estados que cumpriram todas as exigências”, afirma ele. O tema já foi levado diretamente ao presidente. Também não houve sucesso. “Bolsonaro tem uma paciência enorme com o Paulo Guedes”, disse o governador.

Nesta entrevista a VEJA, Caiado também fala da pandemia do coronavírus, sobre os ataques sofridos pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e pelo ex-ministro da Saúde, Henrique Mandetta, e sobre as eleições de 2022. Confira a íntegra.

O governo monitora o alinhamento dos 27 governadores do paísNo caso de Goiás, a relação é tachada como péssima. O senhor concorda? Não sei qual foi o parâmetro usado para isso. Meu ponto de discordância é muito claro em relação ao tratamento da pandemia. Esse é um fato específico. Mas não me perguntaram sobre isso. Acho que, neste momento, essa é uma ferramenta muito pouco produtiva para a situação que estamos vivendo.

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Como o senhor define a relação com o governo? Diria que tenho um relacionamento com todos os ministros, tenho um relacionamento com o presidente da República e tenho um ponto de divergência muito claro com ele. O presidente da República não é um bom conselheiro na área da saúde. Na área de saúde, eu prefiro me embasar naquilo que eu tenho conhecimento e também nas práticas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde e pelo Ministério da Saúde. Não me aliei ao presidente quando ele defendeu a pílula do câncer e nem quando ele se propõe a não ter o isolamento social e a liberar as atividades comerciais. Mantenho essa posição com muita tranquilidade. O que é importante agora é criar uma alternativa para depois do problema da pandemia, quando vamos pautar outros temas.

Quais temas devem ser pautados para o pós-coronavírus? Nós temos uma situação emergencial. Eu já fiz a tarefa de casa: fiz a Reforma da Previdência idêntica à do governo federal, cortei incentivos fiscais em 2019 e 2020, fiz revisão de todos os contratos. Tudo aquilo que o Ministério da Economia e o Tesouro pediram, eu fiz. Agora, recompor o nosso ICMS ou o ISS dos municípios é uma questão de sobrevivência. O segundo tema é nós sabermos quais são as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal que vão continuar e como teremos de agir. Esperamos do governo federal que haja ações para aqueles que já fizeram a tarefa de casa e que nos liberem alternativa de empréstimos.

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Como o senhor, que foi parlamentar por mais de duas décadas, avalia as relações que o presidente mantém com o Congresso desde que foi eleito? A pergunta também deve ser ampliada para o presidente. Eu fiquei 24 anos no Congresso, e ele, 28. Eu, como governador e como deputado, tenho uma posição muito clara. Eu sou um homem em que na vida toda, em embates e posições contrárias, jamais abri mão de dois princípios: defesa à vida e à democracia. Democracia não é paz de cemitério: é extremamente efervescente. Nós temos de estar preparados para conviver. Posso divergir, mas é muito difícil governar sem ter um diálogo muito próximo dos poderes. Essa é a maneira que eu me proponho a governar e assim tem dado muito certo.

A guerra do Bolsonaro com o Rodrigo Maia é partidária ou pessoal? Quando você discute um tema maior, nunca é positivo fulanizar debates. A nossa discussão é ampla, é de reformas. A capacidade do governante tem de ser sempre a de contornar dificuldades e construir uma saída para a crise que estamos vivendo. Não vejo como boa prática você criar uma demonização da figura. Nós temos de produzir uma política que seja no embate de argumentos, de conteúdo. O Rodrigo Maia está na presidência da Câmara por votação da maioria dos deputados. Cabe à figura do presidente, seja do Senado, da Câmara, da República ou do Supremo Tribunal Federal, uma liturgia própria. Já tentaram inviabilizar o DEM à época do PT e ninguém teve sucesso com isso. É um partido sólido, que tem boas cabeças e que convive bem no sistema democrático. Agora, como vai o presidente conviver com todos os partidos, isso é uma decisão de ordem pessoal dele. Não posso me atrever a avançar além da linha da bola.

Assessores do presidente acreditam que o DEM participa de uma conspiração para eleger o João Doria em 2022. Essa tese é absurda. Há dezenas de pedidos de impeachment na Câmara. Isso nunca passou pela cabeça do Rodrigo Maia, do Davi Alcolumbre e nem foi discutido em reunião do partido. Eu, como médico e como governador, vejo que estamos passando por um momento de muita tristeza, nós estamos assistindo algo que nossa geração nunca viu semelhante. E politizam-se matérias de saúde, criam-se posições de extremos. É como se fosse uma seita: a do bem defende a verticalização e a do mal quer horizontalizar o isolamento social. Essa tese vai fragilizar cada vez mais o processo democrático, vai acirrar cada vez mais os ânimos. Esse é um processo normal em campanhas eleitorais, mas não fora delas. Por que esticar a corda neste momento?

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Como o senhor avaliou a participação do presidente em um ato que defendia a intervenção militar? Isso foi num domingo. No dia seguinte, ele reprimiu um cidadão que falava em fechamento do Supremo. O que se precisa é de uma conduta uniforme. Eu, se fosse presidente da República, poderia ir lá na porta QG do Exército e dizer: ‘Baixem todas as faixas agora, respeitem a democracia. Não se pode usar da democracia para derrubá-la’. E, aí sim, não estaria motivando pessoas que se acham no direito de falar algo desse tipo porque, no dia anterior, não foram repreendidas. É isso que dá ao cidadão a ousadia de achar que, num regime democrático, ele pode pregar contra a democracia, pode usar a democracia para destruí-la. Tem que ter rumo. Se não pode mobilização, como a pessoa vai para a rua? Ou uma regra serve para todos, ou não serve para ninguém. Essa é a minha posição. É questão de coerência. Espero que, terminada a pandemia do coronavírus, nós possamos pautar uma conduta de convivência produtiva, com todos em torno de ideias – deputados, senadores, presidente, governadores, prefeitos.

O senhor vê alguma ameaça à democracia? Esqueça. Esses movimentos são totalmente desguarnecidos de qualquer apoio popular, não têm respaldo nenhum. Quando entrei na luta política, há 35 anos, poucas pessoas tinham coragem de enfrentar o PT. Eu lutei no Congresso Nacional para que se pudesse combater uma ideologia que foi contaminada pelo PT, mas dentro de regras da democracia. A gente não pode confundir os sinais. Esse grupo de exaltados sempre vai existir. São pessoas que não entendem direito o que é democracia e se acham donos da verdade. Mas isso não tem ressonância e capacidade de progredir como ideia junto à população brasileira.

O senhor defende que o DEM tenha candidato à Presidência em 2022? Eu sempre fui entusiasta dessa tese. E sempre perdi todas dentro da Executiva (risos).

O senhor se coloca como um possível candidato? Eu já deixei claro e pode deixar gravado: Ronaldo Caiado vai ser candidato à reeleição ao governo de Goiás. Até porque eu peguei o estado esfacelado. O ano de 2019 foi para tentar botar ordem na casa. Em 2020, pegamos um coronavírus pela frente, sobrando muito pouco para que a gente possa realizar mais do que a gente está realizando. Mas eu quero trabalhar muito para ter a confiança do povo goiano e que ele me confie mais quatro anos de governo.

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Como o senhor vê o esforço do governo em investigar contratos do Ministério da Saúde enquanto o Henrique Mandetta esteve no comando? O próprio Mandetta me disse que, em uma reunião, houve o comprometimento de que ele teria o acompanhamento do STF, do Tribunal de Contas da União, do Ministério Público Federral e da Polícia Federal em toda e qualquer situação que fosse emergencial. Isso não tem a menor hipótese de poder criar outro tipo de interpretação, até porque não existiu nada que não passasse por uma análise e um aval de tantas pessoas que lá estavam. Isso aí é o que faz parte, talvez, da tentativa de querer desacreditar uma pessoa que durante 15 meses soube trabalhar tão bem. As ações do Mandetta no ministério não podem ser denegridas pelo: ‘Olha, eu acho que teve’. Não é possível mais isso. São algumas bombinhas lançadas, mas sem efeito para atingir a integridade moral do Mandetta.

Como está a sua relação pessoal com o Bolsonaro? Estivemos juntos em Águas Lindas (GO). Chegamos lá, conversamos tranquilamente, como é o meu estilo, com a sinceridade dele e a minha. Ele foi falar com o povo e eu fiquei esperando. Pronto. Cada um dentro da sua posição. Eu já tenho uma vida, tenho muita tranquilidade nas minhas coisas e convicção daquilo que eu decido. Essa independência faz com que as pessoas amanhã possam entender o quanto é importante ouvir aqueles que não são anestesiados ou imantados pela sombra do poder, aquilo que é a energia, entre aspas, do poder.

O senhor ainda se considera ainda um aliado do presidente? Excluindo o coronavírus, sim. Sem problema nenhum.

Qual avaliação o senhor faz do governo Bolsonaro? Todos nós que fomos eleitos pela primeira vez esperávamos uma resposta mais rápida da equipe econômica para atender estados que cumpriram todas as exigências. Isso causa um atraso enorme, porque você atravessa todo um desgaste e provoca todas as reformas necessárias. Você gasta o seu capital político para implantar essa reforma e depois vem um Plano Mansueto que não aconteceu há 15 meses. Como você suporta esse período? Não posso tirar um real emprestado, tenho uma folha que toma conta de 87% da minha arrecadação. Incluindo precatórios e manutenção do custeio, eu extrapolo 100%. Estou vivendo por decisões do Supremo. Eu quitei toda a dívida da educação, paguei 40% da dívida em saúde, nunca atrasei um centavo aos prefeitos. Mas dei conta porque o STF deu uma decisão favorável a Goiás não pagar a dívida com o Tesouro, com o Banco do Brasil, com a Caixa Econômica Federal e com o BNDES. Tenho que deixar bem claro que quem me deu condições de governar, até o momento, foi uma decisão do supremo. E também, lógico, o esforço da Assembleia Legislativa. Eu não tive condições de renegociar a minha dívida, eu não tive condições de ter um empréstimo, nem um real. Que equipe econômica é essa que, em 15 meses, não tem condições de apresentar alternativas? Eu não posso emitir título, não posso emitir moeda, não posso negociar a dívida. Como eu vou viver?

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O balanço, portanto, é negativo? Na área da economia, realmente não conseguiu avançar em nada. Agora, tem um lado que foi positivo. Na minha vida toda de Congresso Nacional, nós conseguimos, no máximo, aprovar a Reforma Trabalhista. A da Previdência era um tabu e, no entanto, aconteceu. Então, vamos fazer também com que tenha mérito. Se você buscar o que o Mandetta construiu no achatamento da curva, é um lado positivo. Num curto espaço de tempo, tivemos obras rodoviárias e ferrovias sendo licitadas graças ao ministro da Infraestrutura [Tarcísio Gomes]. Nós tivemos um trabalho feito na área de segurança pública, em que o ministro Sergio Moro dedicou repasse a nós e nos deu condições para que trabalhássemos com a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária Federal. Então, se você analisar esse contexto, nós avançamos em pontos substantivos. Não podemos nos perder nesses assuntos que gastam uma energia enorme e só fazem causar desgaste, desencontros, desentendimentos. Dessa maneira, a política nacional, ao invés de ser uma política de grandes temas, fica parecendo aquelas revistas de fofoca. Perde-se a beleza do debate do Executivo com o Legislativo. Não podemos partir para situações menores. O cargo exige liturgia e regras.

O senhor já levou essas queixas sobre a economia ao presidente ou ao ministro? Já. Diretamente, como é a minha característica. Para você ter uma ideia, eu comecei a tratar com a equipe econômica quando ganhei. Desde o 7 de outubro de 2018 eu comecei a tratar com eles para ver como eu sobreviveria. Até hoje não tive uma solução. Eu devo muito ao Supremo por ter conseguido essa liminar que me deu como girar a folha e pagar os compromissos.

O que o presidente diz? Ele tem uma paciência enorme com o Paulo Guedes. ‘A bola está lá, Caiado…’. Tem aquela máxima do Paulo Guedes que há um ano ele disse: ‘O Caiado está lá todo dia, eu o coloquei no canudinho, mas logo vou tirá-lo’. Eu estou até hoje respirando no canudinho, essa é a verdade. Esse assunto, por várias vezes, levei a esse nível de discussão para que a gente tivesse algo mais rápido e capaz de recompor pelo menos a condição de refazer o estado. O Goiás é um estado rico, tem potencial enorme, todo ano bate recorde em safra. Agora, infelizmente, foi assaltado por muitos anos e o povo vem pagando o preço.

Por que o senhor decidiu flexibilizar o isolamento social? Durante o mês que fizemos a quarentena, buscamos a Universidade Federal de Goiás, institutos de pesquisas, de análise de dados, as secretarias de economia e saúde. Eu hoje estou numa curva abaixo, melhor do que a ideal. Estou com mais leitos a oferecer do que o percentual de goianos contaminados. Com isso, nós fizemos decretos embasados nas atividades que abrimos: mineração, produção civil, a parte de higiene, lava-jatos, barbeiros, lavanderias. E nós definimos protocolos por atividades econômicas. A vigilância sanitária não pode inventar, tem de fazer auditoria em cima do protocolo. Não teve achismo e nem decisão de ordem pessoal.

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