Já durante a campanha, Jair Bolsonaro deixou claro qual seria um dos problemas que iria combater em seu governo: a “velha política”, um conceito amplo que na mensagem bolsonarista significa não barganhar favores, dinheiro ou cargos com partidos e parlamentares para garantir apoio. De fato, ele resistiu ao canto da sereia dos interessados em aderir ao governo e montou a Esplanada como queria: não nomeou sequer um ministro por indicação partidária. Dos 22, sete tinham filiação, mas nenhum chegou ao posto em razão dessa credencial.
Levantamento feito por VEJA mostra que o presidente também vai bem nesse aspecto em outra frente: evitar o loteamento político do segundo escalão. Em seis meses, ele nomeou 1 977 pessoas para os mais altos cargos de confiança — as funções de direção e assessoramento superiores (DAS) de níveis 4, 5 e 6 —, com salários que podem chegar a 16 944 reais. Apenas 124 delas (6,2%) são filiadas. Atualmente, somados os nomeados que ele manteve, a fatia de filiados atinge 8,2% dos postos. A “despartidarização” havia começado timidamente com Michel Temer, que concluiu o governo com 13% dessas funções ocupadas por filiados. Antes, com Luiz Inácio Lula da Silva, a taxa bateu nos 18,5% no fim do segundo mandato; já com a sua sucessora, Dilma Rousseff, o índice foi a 17,5% em junho de 2015, quando ela enfrentava a crise política que levaria ao seu impeachment.
Os ministérios mais abertos a nomeações políticas no atual governo são o da Agricultura (17,5% de filiados), chefiado pela ministra Tereza Cristina, e o da Saúde (16%), por Luiz Henrique Mandetta, ambos do DEM — nos dois casos, porém, o partido tem apenas dois filiados entre os pouco mais de quarenta postos de nível DAS-4 a DAS-6. No lugar do DEM, quem emplacou mais nessas pastas foram o MDB e o PP (vinte funcionários cada um).
Muitos governos prometeram reduzir a mamata dos cargos comissionados, mas um recuo significativo só ocorreu em 2016, com uma medida provisória de Temer, transformada em lei, que determinou a extinção de cerca de 10 000 postos, o equivalente à metade dos cargos comissionados. Essas vagas de livre nomeação cortadas por Temer foram gradativamente substituídas por funções comissionadas do Poder Executivo (FCPEs), que só podem ser ocupadas por funcionários públicos concursados. O prazo para essa transição encerrou-se em junho. É quase um milagre que isso tenha ocorrido na administração pública brasileira.
Bolsonaro também editou um decreto (9727/2019) que pode constranger os partidos que pretendem indicar pessoas pouco qualificadas. Publicado em março, ele cria um “banco de talentos” e define critérios como idoneidade moral e reputação ilibada, perfil profissional ou formação acadêmica compatível com o cargo, além de exigir que o indicado não esteja inelegível em razão de restrições legais e administrativas. A intenção é boa. Mas há dois reparos. O primeiro é que quem não seguir essas normas não será punido. O segundo: o próprio governo não está cumprindo, em vários casos, o requisito de “idoneidade moral e reputação ilibada” para nomear assessores.
A resistência a lotear a administração entre partidos vai passar por algumas provas duras daqui para a frente. A necessidade de aprovar a reforma da Previdência pode fazer o presidente entrar no jogo dos parlamentares, que não estão satisfeitos apenas com a distribuição de verbas de emendas: o valor já atingiu 2,5 bilhões de reais. No último dia 15, o porta-voz da Presidência, o general Otávio Rêgo Barros, deu o recado: o novo ministro da articulação política, o também general Luiz Eduardo Ramos, vai tratar com os políticos o preenchimento de cargos no governo. “Após a semana de votação da nova Previdência, o ministro se debruçará sobre os processos de indicação”, disse, ressalvando que as exigências listadas no Decreto 9727/19 vão nortear a escolha dos nomes. Até o líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP), não leva muita fé na história. “Não acredito muito nessa conversa de indicado qualificado. Pode ocorrer o aparelhamento político, partidário ou ideológico da mesma forma que antes.” Nos últimos dias, aliás, vale lembrar, o presidente lançou a candidatura de seu filho Eduardo Bolsonaro ao posto de embaixador brasileiro em Washington. Um tremendo gol contra de quem prometia na campanha nomear pessoas apenas por critérios técnicos.
Publicado em VEJA de 24 de julho de 2019, edição nº 2644