Atriz, militar, atleta: quem é Sílvia Waiãpi, a índia do time de Bolsonaro
Tenente já fez novelas na Globo, treinou no Vasco e foi primeira mulher indígena a entrar para o Exército
Uma das quatro mulheres que fazem parte do grupo de transição anunciado até agora por Jair Bolsonaro (PSL), Sílvia Nobre Waiãpi pode ser lembrada por uma mistura improvável de epítetos. A índia foi moradora de rua, mãe adolescente, vendedora de livros, poetisa, atriz da Globo, atleta; hoje, aos 42 anos, é militar, fisioterapeuta e parte da equipe do presidente eleito.
Sílvia nasceu na tribo Waiãpi, no interior do Amapá. Em 2010, de acordo com o censo populacional, o grupo instalado no norte do Estado, perto da divisa com a Guiana Francesa, tinha uma população de 945 pessoas. Aos quatro anos, a pequena Waiãpi sofreu um acidente na floresta, em que um pedaço de madeira a perfurou. Precisou passar por uma cirurgia e ficou quatro meses em Macapá, onde teve seus primeiros contatos com a educação ocidental.
Aos 13 anos deu à luz sua primeira filha, Ydrish, mas um ano depois deixou sua aldeia. Mudou-se para o Rio de Janeiro sozinha e, com 14 anos, se tornou moradora de rua. “Eu tinha uma pedra, que acreditava que era sagrada, e a vendi para comer. Com aquele dinheiro eu consegui comer uns dois dias. Depois comecei a vender livros de porta em porta”, contou, em entrevista de 2011, ao UOL.
No Rio, conheceu um camelô que a ajudou a encontrar um local para viver com sua sobrinha, que tinha acabado de se divorciar. Arrumou um emprego no Círculo do Livro. Conheceu poetas e artistas e começou a se desenvolver culturalmente, ao mesmo tempo em que frequentava a escola. Ainda adolescente, passou a escrever e declamar poesias. Teve outros dois filhos, Tamudjim e Yohanna, no Rio de Janeiro, com a idade de 15 e 17 anos.
Estudou teatro e participou de diversas produções da Rede Globo, com a novela Uga Uga (2000-2001), e a minissérie A Muralha (2000). Mas a carreira artística foi interrompida por uma incursão no mundo do esporte. Em entrevista a Jô Soares, gravada em 2012, ela conta um incidente traumático foi o pontapé para sua trajetória atlética. Após ser atacada por um homem enquanto fazia uma caminhada no Rio de Janeiro, decidiu começar a treinar corrida para evitar passar por situações semelhantes. Tomou gosto e passou a participar de competições. Foi descoberta por um técnico do Vasco da Gama e passou a treinar no clube. Por sua boa performance, ganhou uma bolsa para estudar fisioterapia em 2003, no Centro Universitário Augusto Motta.
Em 2010, voltou a atuar: participou da minissérie A Cura, da Rede Globo. Mas queria, na verdade, entrar para as Forças Armadas.
Tentou o concurso duas vezes. Passou na Marinha e no Exército, mas escolheu o segundo. Em 2011, tornou-se a primeira indígena membro do Exército Brasileiro, onde hoje ocupa a função de chefe do serviço de medicina física e reabilitação em fisioterapia no Hospital Central do Exército. Casou-se com um militar. “Eu tenho muito orgulho de ser brasileira. Meu maior orgulho é ser indígena, é ser mulher, poder erguer minha cabeça todos os dias e ir trabalhar e acreditar que vou salvar o Brasil”, disse, em entrevista a Ronnie Von em 2012.
A carreira militar não a afastou do mundo artístico: em janeiro de 2017, interpretou a personagem Domingas na série Dois Irmãos, da Globo, em que a personagem é uma indígena tirada de sua tribo para trabalhar como doméstica.
Hoje, é tenente e fará parte do governo de transição de Bolsonaro. Apesar de ter sido anunciada pelo presidente eleito, seu nome ainda não foi divulgado do Diário Oficial. Em vídeo gravado ao lado do político, ela afirma que “alguns indígenas que apoiam Bolsonaro estão sendo perseguidos por isso”, e defende: “Ele não é contra os indígenas”.
“Com todo o respeito a todos os ‘peles amarelas’ aqui, vocês não podem ficar presos em terra demarcada como se fosse um zoológico”, diz Bolsonaro, em seguida, antes de pregar a união de todos os brasileiros e acusar a esquerda de dividir o país.