Em meio a uma campanha que promete ser marcada por forte polarização política, radicalização de discursos e ataques a instituições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai ser palco de uma troca de comando em dose dupla que pode provocar ainda mais desgastes na já conturbada relação entre o tribunal e o Palácio do Planalto. No próximo dia 22, o atual presidente do TSE, ministro Luís Roberto Barroso, passa o bastão para Edson Fachin, que vai chefiar a Corte até meados de agosto. Depois, é a vez de Alexandre de Moraes – o novo “inimigo da vez” do atual ocupante do Planalto – presidir o TSE. Para adicionar mais ingredientes explosivos à tensa convivência entre o presidente Jair Bolsonaro e o TSE, a Corte avalia internamente como (e se é realmente possível) enquadrar o Telegram, plataforma russa que se tornou ponta de lança na estratégia de comunicação bolsonarista, após YouTube, Facebook e Instagram removerem conteúdos que disseminavam desinformação.
“Sou contra qualquer medida de cerceamento de opinião. Qualquer uma delas. E acho que tá havendo um grande exagero por parte do TSE, um ativismo judicial. Isso é uma coisa que o Brasil precisa combater muito”, critica a VEJA o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Barroso chegou a cogitar banir o Telegram de atuar no país enquanto não tiver uma representação legal por aqui, mas esbarrou em resistências da Procuradoria-Geral da República (PGR) e em questões técnico-operacionais, levantadas por especialistas – nem Vladimir Putin, na Rússia, conseguiu ter pleno sucesso na empreitada de enquadrar a plataforma russa, que permite grupos com 200.000 pessoas e se tornou um campo fértil para a disseminação de teorias conspiratórias e ataques infundados à credibilidade das urnas eletrônicas. A equipe de Fachin, no entanto, vê com ressalvas a possibilidade de enquadrar o Telegram, já que a empresa não é provedor de internet, e sim um aplicativo de mensagens – logo, a exigência de domicílio jurídico nacional não se aplicaria à plataforma.
Bolsonaro já atacou Fachin por suspender uma lei que proibia a utilização da linguagem neutra (“Que ministro é esse do Supremo Tribunal Federal? O que ele tem na cabeça?). O ministro também foi chamado de “trotiskista leninista” por ter contrariado os interesses do Planalto e votado contra a tese do marco temporal – um entendimento de que indígenas teriam direito apenas às terras que ocupavam em outubro de 1988, época em que foi promulgada a Constituição. O presidente também criticou Fachin, em março do ano passado, quando o ministro derrubou as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Lava-Jato, tornando o petista elegível. “Não pode, em hipótese alguma, um homem só ser senhor desse julgamento”, afirmou Bolsonaro. O plenário do STF acabou confirmando a decisão de Fachin, que redesenhou o tabuleiro político deste ano.
Na segunda quinzena de agosto, é a vez de Alexandre de Moraes assumir a chefia do TSE. O ministro é o relator dos principais inquéritos que investigam Bolsonaro e seus aliados. Estão com Moraes as investigações que apuram a atuação de uma milícia digital nas redes sociais, a interferência indevida do chefe do Executivo na Polícia Federal e o vazamento de informações sigilosas do sistema do TSE. Foi no âmbito deste último inquérito que Moraes determinou que Bolsonaro fosse ouvido pela PF — o presidente, no entanto, não compareceu ao interrogatório. “Não foi uma afronta ao STF, porque é da tradição da nossa jurisprudência essa conduta. Até porque ele tava indo lá pra poder se defender. Se não quer ir se defender, o prejuízo é dele. Não há que o juiz se preocupar com a defesa de alguém. Se a pessoa não quer se defender, não se defende”, justifica Barros. “Acho que esse ativismo tende agora a diluir, embora tenhamos agora sucessivamente o ministro Fachin e o ministro Alexandre de Moraes na presidência (do TSE), que são, digamos assim, ativistas políticos muito atuantes no processo, mas eu penso que no conjunto as coisas estão mais tranquilas e os poderes vão acabar se harmonizando, até para que não se torne um debate nas eleições essa questão da sobreposição de um poder sobre o outro, o que não seria útil pra ninguém.” Por enquanto, a harmonização entre os poderes está só no discurso.