O PT venceu cinco das últimas seis eleições presidenciais e é, sem sombra de dúvida, o partido mais organizado do país — e dono de uma militância extremamente aguerrida. Com Lula de volta ao Planalto e a máquina federal nas mãos, a legenda, em tese, teria todas as condições de ampliar seu raio de poder, elegendo um número elevado de prefeitos em outubro e invertendo uma tendência. Desde que foi confrontado com os casos de corrupção na Operação Lava-Jato, o partido enfrenta um processo de encolhimento. Em 2012, antes das investigações, eram 630 os municípios comandados por petistas. Hoje são apenas 179 — número que pode diminuir ainda mais a partir do ano que vem. Numa estratégia considerada incerta pelos próprios militantes, o PT vai abrir mão de candidaturas próprias para apoiar aliados, inclusive em cidades importantes como Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo, a maior do país. Na raiz dessa decisão, está o projeto de reeleição de Lula.
Coadjuvante nos grandes centros, o partido vai se dedicar a batalhas menores. Uma delas será em São Bernardo do Campo, onde o sindicalismo se encontrou com a política no início dos anos 80, deu origem ao PT e projetou seu principal líder. A cidade é uma espécie de meca para o partido. É lá que Lula mantém seu domicílio eleitoral e também onde viveu uma das passagens mais marcantes de sua biografia recente: o dia em que teve a prisão decretada pela Operação Lava-Jato e se refugiou na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, antes de se entregar à polícia. Antes disso, em 2012, o então prefeito da cidade, o petista Luiz Marinho, chegou a iniciar a construção de um museu em homenagem ao presidente.
O partido comandou São Bernardo por 24 anos, em seis mandatos não consecutivos. Em 2016, o PSDB interrompeu a hegemonia e, entre várias mudanças, pôs um ponto-final no projeto do tal museu. Para o PT, recuperar o território é uma missão. Para Lula, além de uma missão, é questão de honra.
Desde o ano passado, o presidente vem articulando pessoalmente a escolha de um nome para disputar a eleição. Perder não é uma opção. Se nada mudar, o candidato petista será o deputado estadual Luiz Fernando Teixeira, irmão do ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira. Lula já decidiu que vai se empenhar pessoalmente na tarefa. Hoje, como em praticamente todo o país, a polarização política também vai influir na disputa local. O atual prefeito da cidade, o tucano Orlando Morando, está no seu segundo mandato, é dono de uma gestão muito bem avaliada e já disse que seu candidato, embora ainda não definido, contará com o apoio do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, que, por sua vez, atrairá o bolsonarismo. Ou seja, a cidade vai acabar reproduzindo o cenário nacional: petistas de um lado e apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro do outro. “Lula tem uma influência na cidade pelo seu histórico. Mas o candidato dele em São Bernardo não tem consistência nem dentro da própria base petista”, minimiza o atual prefeito.
A disputa tende a ser acirrada. Uma pesquisa feita pelo instituto Paraná Pesquisas em fevereiro revelou que a popularidade de Lula, embora não seja a mesma de outros tempos, continua alta no município. O levantamento mostrou que 51,8% dos entrevistados aprovam o seu governo, enquanto 44,7% desaprovam. Nos cálculos do presidente, para eleger o futuro prefeito da cidade será necessário atrair eleitores que tradicionalmente não votam no PT. Por isso, a opção por Luiz Fernando Teixeira. Empresário do ramo de consultoria e evangélico, o deputado está em seu terceiro mandato, não é sindicalista como todos os seus antecessores e se define como moderado. “Tenho um perfil diferenciado dentro do partido”, destaca ele. “Nas últimas eleições, mesmo as pessoas que não gostam do PT votaram em mim”, ressalta o pré-candidato. Reverter o atual cenário não será uma tarefa fácil, mesmo entrando em cena um petista diferenciado.
O mesmo instituto Paraná Pesquisas mostrou que o deputado federal Alex Manente (Cidadania) largaria na frente, com 37% das intenções de voto, seguido pelo também deputado Marcelo Lima (PSB), com 21,8%. Luiz Teixeira aparece em terceiro lugar (9,9%). O PT acredita que o apoio do presidente e o empenho do governo mudarão rapidamente esse quadro. Lula já esteve duas vezes na cidade, visitou montadoras, anunciou investimentos e inaugurou obras. Os ministros paulistas Fernando Haddad, da Fazenda, Márcio França, da Microempresa, Luiz Marinho, o ex-prefeito que agora comanda a pasta do Trabalho, além do vice-presidente Geraldo Alckmin, foram escalados para ajudar na missão. Para alguns petistas, essa nacionalização da disputa é uma operação política de risco. Em caso de vitória, São Bernardo não representaria nada muito além do resgate de um cobiçado troféu. Já uma derrota no berço esplêndido seria interpretada como um avanço significativo do processo de miniaturização do partido, sem contar o abalo no prestígio pessoal do presidente. Ou seja: muito risco, pouca recompensa.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891