Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

A bancada militar

Generais vão ocupar pastas importantes no governo Bolsonaro, e as ligações com a caserna também influenciaram a escolha de outros ministros

Por Gabriel Castro Atualizado em 30 nov 2018, 07h00 - Publicado em 30 nov 2018, 07h00

O presidente eleito Jair Bolsonaro não pode ser acusado de estelionato eleitoral. Em agosto passado, durante a campanha, ele disse que colocaria “um montão de militar” no governo caso fosse eleito presidente da República. Agora, a menos de um mês de assumir o cargo, está cumprindo a promessa e fazendo dos generais a maior e mais poderosa bancada da futura administração. Até o fechamento desta edição, Bolsonaro ainda não havia escalado toda a sua equipe, mas é certo que nenhum partido político terá o protagonismo reservado aos seus antigos companheiros de caserna.

Além do vice-presidente eleito, Hamilton Mourão, o núcleo governista abrigará pelo menos outros quatro generais da reserva: Augusto Heleno (chefe do Gabinete de Segurança Institucional), Fernando Azevedo e Silva (ministro da Defesa), Carlos Alberto Santos Cruz (secretário de Governo) e Maynard Santa Rosa (secretário de Assuntos Estratégicos), o único do quarteto que não terá status de ministro. O retrato é claro: os militares nunca acumularam tanto poder desde o fim da ditadura — e, agora, chegam ao Planalto pelo voto.

Durante a corrida presidencial, o capitão da reserva explicou assim a sua predileção por companheiros de Exército: “Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”. No desenho atual, o generalato tem primazia até mesmo dentro do Palácio do Planalto, que terá apenas dois ministros civis em suas dependências, ambos com funções esvaziadas. O deputado reeleito Onyx Lorenzoni (DEM-RS) chefiará a Casa Civil, e o advogado Gustavo Bebianno, a Secretaria-Geral da Presidência. Nas administrações petistas, a Casa Civil era sinônimo de poder, e por ela passaram nomes como José Dirceu e Antonio Palocci, ambos condenados à prisão na Operação Lava-Jato, e a própria ex-­presidente Dilma Rousseff. Na gestão Bolsonaro, a pasta será desidratada. Lorenzoni vai dividir as atribuições de articulador político com o general Santos Cruz, que comandou missões de paz da ONU no Congo e no Haiti (veja o quadro na pág. 57), e compartilhará as funções de coordenador da máquina administrativa com o general Mourão.

PODER –  O general Mourão e Bolsonaro: o vice-presidente pretende cuidar também da máquina administrativa do governo (Cristiano Mariz/VEJA)

Os generais já participavam da campanha presidencial, capitaneando discussões sobre o programa de governo de Bolsonaro. Com a vitória nas urnas, foram chamados a ocupar postos estratégicos da futura administração. No novo núcleo governista, o general Augusto Heleno é quem tem mais prestígio com Bolsonaro, sendo consultado sobre cada militar cotado para cargos de primeiro escalão. A ideia inicial era que Heleno comandasse o Ministério da Defesa, mas o presidente preferiu a chefia do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), que fica no próprio Palácio do Planalto e tem sob o seu guarda-chuva a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), órgão que pretende fortalecer. “A Abin é o grande produtor de informações elaboradas para o governo. Informação é poder. E inteligência é a informação elaborada. Portanto, inteligência é um instrumento indispensável”, disse a VEJA. Com a ascensão dos militares, a área de inteligência voltará a ganhar musculatura.

“Acho difícil corromper um general. Não é incorruptível, mas muito mais difícil que esses últimos ministros que passaram por aí”

O general Mourão também quer ter mais protagonismo do que sugere a posição de vice-presidente. Se conseguir, será uma reviravolta e tanto. Durante a campanha, Bolsonaro chegou a ordenar que o vice saísse de cena, depois de o general ter dado declarações que repercutiram mal entre os eleitores. Mas agora o presidente eleito estuda repassar a Mourão a tarefa de coordenar a máquina administrativa. A primeira missão será já em janeiro, quando Bolsonaro passará por cirurgia de retirada da bolsa de colostomia e, segundo os médicos, deverá ficar duas semanas em repouso. Nesse período, o comando do país será de Mourão.

Continua após a publicidade
PRESTÍGIO –  O general Heleno, que chefiará o Gabinete de Segurança Institucional: “Informação é poder” (Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

No entorno civil de Bolsonaro, há certo desconforto com a desenvoltura do vice e também um clima de desconfiança contra tudo e contra todos. Na quarta-­feira 28 à noite, Carlos Bolsonaro, filho do presidente eleito e seu maestro no universo digital, escreveu a seguinte mensagem numa rede social: “A morte de Jair Bolsonaro não interessa somente aos inimigos declarados, mas também aos que estão muito perto. Principalmente após sua posse! É fácil mapear uma pessoa transparente e voluntariosa”. Carlos não explicitou a quem se destinava a mensagem, mas ela bastou para mostrar a intensidade do clima de suspeitas.

Até aqui, a maior surpresa na bancada dos generais foi a escolha de Carlos Alberto Santos Cruz para comandar a Secretaria de Governo. Com cara de poucos amigos, ele parece ter sido convocado para intimidar deputados e senadores que cogitam propor ao governo a troca de apoio no Congresso por cargos, emendas e outras benesses. Diz Flávio Bolsonaro, senador eleito: “Aquele parlamentar que ainda não entendeu que a forma de fazer política mudou vai ficar para trás”. Os partidos torceram o nariz para a escolha, sob a alegação de que Santos Cruz é inexperiente na área. A tropa de Bolsonaro rebate fazendo um exótico paralelo entre política e ação militar: diz que o general comandou tropas da ONU em missões em países mais conflagrados do que o Congresso brasileiro. Para o cientista político David Fleischer, as atuações em missões de paz não são suficientes para qualificar alguém à árdua negociação com parlamentares. “Essas experiências exigem uma articulação com a sociedade civil, mas os civis do Congresso são muito diferentes. Os generais precisarão de bons assessores com conhecimento político”, diz.

Continua após a publicidade
CASERNA – O general Fernando Azevedo, futuro ministro da Defesa (Cristiano Mariz/VEJA)

A influência dos militares no governo Bolsonaro se espraia por toda a Esplanada dos Ministérios. A pasta de Ciência e Tecnologia será comandada por Marcos Pontes, que foi tenente-coronel da Aeronáutica e ganhou fama ao se tornar o único brasileiro a viajar para o espaço. Wagner Rosário, escolhido para a Controladoria-Geral da União, formou-­se pela Academia Militar das Agulhas Negras, assim como o presidente eleito. O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodriguez, é professor emérito da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. E o escalado para os Transportes, Tarcísio Gomes de Freitas, é engenheiro formado no Instituto Militar de Engenharia (IME) e atuou na missão brasileira no Haiti. Com todos esses nomes, a bancada dos generais e de seus pupilos representa quase metade dos nomes anunciados por Bolsonaro para o ministério. De acordo com o cientista político Sérgio Praça, professor da Fundação Getulio Vargas e colunista do site de VEJA, o problema não é o tamanho do contingente, mas se os militares escalados têm preparo técnico para exercer as funções para as quais foram convocados. Praça elogia a escolha, por exemplo, para o Ministério dos Transportes, mas mostra ceticismo quanto ao futuro secretário de Governo: “O risco de haver uma bagunça na articulação política é imenso”.

Com reportagem de Marcelo Rocha

Continua após a publicidade

 


O poder dos civis e dos partidos

ENCOLHEU – Onyx e Bebianno: atribuições divididas com militares (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Enquanto os militares avançam sobre cargos estratégicos, os ministros civis do próximo governo perdem poder antes mesmo de assumir os cargos. Escalado para chefiar a Casa Civil, Onyx Lorenzoni achava que seria o soberano na coordenação da máquina administrativa e da articulação política. Errou no diagnóstico. Jair Bolsonaro colocou dois generais para dividir com ele essas tarefas. Ficou tão patente o esvaziamento das atribuições de Lorenzoni que o presidente eleito, numa tentativa de prestigiá-lo em público, o escalou para anunciar o nome de novos ministros na semana passada. Era para ser uma demonstração de força do auxiliar, mas o tiro saiu pela culatra. Diante das câmeras de TV, Lorenzoni foi desautorizado por Bolsonaro ao explicar por que o país desistiu de sediar mais uma conferência sobre o clima — decisão que teve péssima repercussão internacional.

Continua após a publicidade

Já Gustavo Bebianno, que era onipresente na campanha eleitoral, comandará a Secretaria-Geral da Presidência, como queria, mas não terá sob seu comando a Secretaria de Governo, que ficará com o general Santos Cruz. Nos corredores do poder, onde o veneno azeita as conversas, políticos dizem que, na prática, Bolsonaro escalou bedéis militares para vigiar os civis. Para o presidente eleito, o desenho é o seguinte: Bebianno atuará com foco na desburocratização e no corte de desperdício, Lorenzoni fará o meio ­de campo com ministérios e governadores, e o general Santos Cruz cuidará da negociação com deputados e senadores, ajudado por Eduardo e Flávio Bolsonaro, que foram eleitos, respectivamente, deputado federal e senador.

O arranjo tem enorme potencial para gerar disputas por poder logo no começo do governo, quando será deflagrada a ofensiva pela aprovação da reforma da Previdência. Mesmo governos talhados para a arte da política fracassaram ao tentar votar o projeto. A missão do general Santos Cruz é desatar esse nó. Bolsonaro tem consciência do tamanho do desafio, tanto que, aos poucos, vai fazendo o que disse que não faria — ceder aos partidos. Na semana passada, o PSL ganhou mais uma pasta na Esplanada e o MDB, finalmente, foi chamado a compor o ministério.

Gabriel Castro

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 5 de dezembro de 2018, edição nº 2611

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.