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‘Tive uma síncope nervosa’, diz Rosangela Moro sobre ameaças à família

A mulher de Sergio Moro fala das intrigas do governo e da briga que teve com o marido depois que ele pediu para ela apagar um post em que elogiava Mandetta

Apresentado por Atualizado em 30 mar 2022, 21h14 - Publicado em 20 nov 2020, 00h01
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  • Sergio Moro ainda desfrutava prestígio com o presidente Jair Bolsonaro quando a advogada Rosangela Moro, com quem o ex-juiz está casado há 21 anos, começou a rascunhar lembranças do que vivia e presenciava ao lado daquele que foi o ministro mais popular do governo — hoje desafeto declarado do presidente e odiado por antilava-jatistas e bolsonaristas. Dessas primeiras anotações, surgiu a ideia de retratar, em livro, o que ela chamou de Os Dias Mais Intensos: Uma História Pessoal de Sergio Moro (editora Planeta, 44,90, reais), uma reflexão de como os meandros de Brasília marcaram em definitivo a vida do casal. Desde convites para cargos nada relacionados à sua atividade profissional — episódios que, em retrospectiva, poderiam indicar tentativas de cooptação — até o dia em que teve uma síncope nervosa depois da publicação de um vídeo que simulava o sequestro da filha mais velha, Rosangela detalha suas impressões sobre a Operação Lava-­Jato e conta bastidores inéditos do poder, como quando Bolsonaro, em plena pandemia, tirou satisfação com Moro por causa da defesa que a esposa fazia da ciência. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida a VEJA em Curitiba no apartamento para onde a família se mudou recentemente, por questões de segurança, após a saída de Moro do governo.

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    Em seu livro, a senhora reclama de que o capital político do ex-juiz Sergio Moro incomodou e incomoda algumas pessoas. A quem se refere? Sergio sempre rechaçou essa história de celebridade. Ele é amado e odiado, e me causava surpresa imaginar que esse protagonismo dele pudesse incomodar as pessoas, porque ele não foi para o governo para ser um rosto conhecido. Ele acreditou que os aprendizados da Lava-Jato poderiam ser sedimentados no governo, mas percebeu que parecia que o protagonismo dele incomodava.

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    Incomodava o presidente Bolsonaro? Havia um incômodo de algumas pessoas do governo, do presidente inclusive.

    Moro foi acusado pelo presidente de ter tentado barganhar uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Sergio não aceitou o cargo de ministro da Justiça pensando na vaga do Supremo. Em agosto do ano passado, quando o presidente falou em trocar o diretor-geral da Polícia Federal, entendi que o Sergio não interessava mais para o governo. Meu sexto sentido dizia que ele não iria durar muito tempo no cargo. Quando o general Santos Cruz e o ex-ministro Gustavo Bebianno, que eram da relação pessoal do presidente, foram mandados para a guilhotina, eu disse ao Sergio: “A guilhotina vai chegar para você também. É só uma questão de tempo”. Esse sentimento de “guilhotina” foi crescendo. Tenho convicção de que o presidente não o nomearia para o STF.

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    É fato que amigos se afastaram de vocês durante a Lava-Jato? Alguns amigos se afastaram achando que a Lava-Jato atingia só o PT, o que não é verdade. Como o PT era o partido que estava administrando a máquina, as pessoas mais beneficiadas por atos não republicanos obviamente eram petistas. Ninguém iria montar um esquema de pagamento de propina dentro do governo para beneficiar a oposição. Acusar a Lava-Jato de golpista é uma narrativa criada pelos próprios investigados. Não guardo remorso nem rancor desses amigos que se afastaram e que foram imantados pela narrativa do PT. Esse negócio de brigar, discutir em rede, não leva a nada. Acho que todo mundo deve ser respeitado. É isso que falta ao nosso país.

    “Houve um momento em que tive uma síncope nervosa e minha filha precisou tomar calmantes após divulgarem um vídeo de um falso sequestro dela. Era muito estressante”

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    A família sofreu ameaças reais durante a Lava-Jato? Chegou um momento em que as pessoas que eram alvo da Lava-Jato concluíram que a melhor defesa seria o ataque. Precisavam descobrir algum podre para nos atingir. Não respondo a nenhum processo, a nenhum inquérito, não roubei, não desviei dinheiro. Mas reviraram minha vida e publicaram uma porção de mentiras. Sergio mesmo falava: “Aguenta aí que vai vir mais ataque”. Não vivíamos com um alvo na testa, mas não foi fácil. Houve situações muito tensas durante e mesmo depois da Lava-Jato.

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    Pode contar alguma? Os alvos sempre foram o Sergio e eu. Houve um momento em que tive uma síncope nervosa e minha filha precisou tomar calmantes após divulgarem um vídeo de um falso sequestro dela. Ele como juiz estava apenas cumprindo seu dever e tem de suportar tudo isso? Quando mexeram com minha filha a gente ficou muito mais sensibilizado. Bata em mim, mas não bata no meu filho. Era muito stress e eu desmoronei. Fui despachar um processo em Brasília e acabei no posto de saúde com o desembargador que iria me receber. Havia chegado ao meu limite. Depois disso, outros episódios menos graves ocorreram, mas não gosto de falar de segurança.

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    Como reagiu ao saber do convite do presidente Bolsonaro para que seu marido assumisse o Ministério da Justiça? Não quero ser a causa de frustração na vida de ninguém, muito menos na dele. Quando ocorreu o convite, eu vi que ele estava honrado e tinha um projeto que queria implementar. Ele me perguntou se eu o apoiava. É claro que o apoiaria, mesmo sabendo que a saída da magistratura seria um caminho sem volta e que tudo poderia dar errado. Sabia que se as coisas não dessem certo, como não deram, ele teria capacidade para seguir em frente. Abandonar 22 anos de magistratura assusta, e, quando eu li a publicação da exoneração dele do cargo de juiz, rolou uma lágrima.

    A senhora também foi convidada para assumir cargos no governo. Por que não aceitou? A pedido da ministra Damares Alves, convidaram-me para um cargo de combate à violência contra a mulher. Era uma pauta muito nobre, mas disse que não podia aceitar porque poderia ser interpretado como nepotismo. Em um segundo momento, teve um convite para assumir um cargo na Funcef, o fundo de pensão dos funcionários da Caixa Econômica. Obrigada, mas não. Não sei o que pensaram. Vendo em retrospectiva, hoje não sei nem dizer se era mesmo só um convite despropositado.

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    Quando percebeu que Moro era persona non grata no governo Bolsonaro? Em agosto do ano passado, quando ele começou a ser fritado. Via o governo como um time com excelentes ministros técnicos que infelizmente não puderam exercer sua técnica. Com o passar do tempo, foi havendo o distanciamento de projetos e algumas ofensas. Doía porque ficava mais claro que ele não interessava mais, que estava sozinho tentando implementar uma pauta anticrime. Quando os ataques vêm de inimigos, dói. Quando vêm de onde você não espera, dói muito ainda mais. Esse processo doeu muito, mas não vou apontar o dedo para ninguém.

    Logo no início da pandemia a senhora publicou um post de apoio ao ex-ministro Mandetta e depois apagou. O que aconteceu? A minha percepção é de que ninguém podia ter uma opinião contrária ao governo porque passava a ser visto como inimigo. Eu me sentia segura em ter um ministro da Saúde que era da área de saúde. Quando o apoiei no enfrentamento da Covid, não era para ofender ou provocar o presidente. O problema é que as pessoas acham que o que eu falo é uma extensão do que o Sergio pensa. Não. Rosangela também é cidadã. Na saúde não pode ter achismo, e sim ciência. Sem negacionismo, por favor. Não é um decreto que vai dizer que a cloroquina funciona. O Brasil perdeu uma oportunidade muito grande de enfrentar bem a pandemia. Não vejo com naturalidade morrer 1 400 pessoas por dia, como aconteceu no pico. Eram sete aviões caindo todo dia e estava tudo bem? De um chefe de Estado se espera uma liderança, uma coordenação. O chefe de Estado tinha de falar “lave a mão”, “sei que seu trabalho é importante, mas lave a mão, use máscara, não aglomere”.

    Mas por que o post foi apagado? O presidente mostrou um print da minha manifestação a favor do ministro Luiz Henrique Mandetta ao Sergio e cobrou satisfação. Ele me pediu para apagar para não criar problemas e brigamos.

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    Moro ficou abalado com a saída do governo? Não ficou abalado a ponto de depressão ou de cair de cama. Ele estava abalado porque não conseguiu concretizar o que tinha se proposto a fazer. Era uma frustração porque o Sergio parecia atraído por ímã para o projeto. Mas, diante das decisões que vinham do Planalto, Sergio achou que não conseguia mais. Não houve arrependimento por ter entrado no governo. Tudo é um aprendizado e um tentar fazer melhor a partir das experiências que ele viveu.

    As ameaças que o acompanharam na Lava-Jato continuaram enquanto ele foi ministro? Alguns “Adélios” nos cercaram. Não com facas ou armas, mas com atitudes igualmente assustadoras. A equipe de segurança trabalhava em todo lugar. Havia algumas pessoas com fixação. Meu filho dizia: “É só jogar no Google ‘onde mora o Sergio Moro’ e aparece o nosso prédio”. Decidimos mudar de casa, mas não dá para ficar mudando a cada seis meses.

    “O presidente mostrou um print da minha manifestação a favor do ministro Luiz Henrique Mandetta ao Sergio e cobrou satisfação. Ele me pediu para apagar e brigamos”

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    Agora, antilava-jatistas somam-se aos bolsonaristas para criticar o ex-juiz Moro. É como se o culpado de um assassinato fosse quem descobre o cadáver, e não o seu assassino. Os não lava-jatistas partem do princípio de que a Lava-Jato foi uma construção de viés político para atingir determinada pessoa. Ninguém é obrigado a concordar ou gostar do Sergio. Quando ele saiu do governo, chamaram-no de traidor, e vozes bolsonaristas se ergueram. Aguentemos mais um pouco agora.

    A senhora considera que Moro ajudou a eleger o presidente Bolsonaro? É indiscutível que o presidente considerou a Lava-Jato como bandeira de campanha. Mas não faço ligação nenhuma entre a atuação do Sergio e a eleição do presidente.

    Ao longo de toda a entrevista, a senhora não citou nenhuma vez o nome do presidente. Não me cabe ficar julgando o presidente. Não me sinto confortável. Fico feliz por termos concluído que o ápice do extremismo baixou. Acho que o Brasil precisa de projetos, de uma liderança para unir a população, de alguém que olhe por todos, sem essa polarização de partido A ou partido B, que não adote uma postura negacionista na pandemia, que se importe com educação, com meio ambiente.

    É um discurso de quem pensa na possibilidade ser primeira-dama do Brasil algum dia? Sergio brinca dizendo “na minha lápide vai estar escrito ‘não fui presidente’”. O que quero dizer é que não controlamos o que as pessoas falam. Não é ele que se coloca. As pessoas o colocam nas pesquisas de intenção de voto. Sergio nunca mostrou que quer ser candidato. Além disso, está tudo ainda muito longe. Não é uma coisa que está no nosso radar. É tudo pura especulação.

    Publicado em VEJA de 25 de novembro de 2020, edição nº 2714

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