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Silvio de Abreu, sobre desafio na HBO Max: “O streaming faz uma revolução”

O autor de sucessos como 'Rainha da Sucata' e ex-chefão da dramaturgia da Globo fala pela 1ª vez sobre o projeto de comandar os folhetins da plataforma

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 13h28 - Publicado em 29 out 2021, 06h00
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  • Poucos autores marcaram o imaginário nacional como Silvio de Abreu. No ramo da dramaturgia desde os anos 70, ele se consagrou como um dos noveleiros mais ilustres da Globo, com sucessos como Guerra dos Sexos e Rainha da Sucata. Nos bastidores, Abreu foi o profissional eleito pela emissora para zelar pela renovação das novelas, atuando por sete anos como chefão de dramaturgia. Aos quase 79 anos e desligado da empresa desde março, ele acaba de ser contratado para supervisionar a criação de séries folhetinescas na plataforma HBO Max. Nesta entrevista, o autor analisa o impacto da entrada do streaming na produção de melodramas, fala da perda de Gilberto Braga e revela bastidores de momentos tensos na Globo — como o afastamento do ator José Mayer após acusação de assédio, em 2016.

    Após sete anos no comando da dramaturgia da Globo, que deixou em março passado, o senhor acaba de ser contratado por um gigante do streaming, a HBO Max. O que um autor de novelas pode agregar a esse mercado em ascensão? Estou assinando com a HBO Max para ser produtor-executivo de telesséries na América Latina. Vou atuar como orientador e consultor do projeto de dramaturgia que a plataforma planeja deslanchar no Brasil e no México em 2022. Meu trabalho será selecionar histórias, autores, diretores e atores para uma estrutura de produção contínua de telesséries — que são um híbrido entre a série e a novela. Uma telessérie não é tão longa quanto uma novela, pois vai ter no máximo sessenta capítulos, mas usa elementos de folhetim. Ao mesmo tempo, vai ter um aprofundamento das tramas que é típico das séries americanas.

    Além do seu caso, outros diretores, roteiristas e atores da Globo vêm migrando para o streaming. O que explica esse desejo de mudar de ares? É natural. O streaming está fazendo uma revolução. É compreensível que as pessoas que trabalham na TV se interessem, para ampliar sua visibilidade. Não há nada mais sedutor que a possibilidade de fazer uma série ou filme que serão vistos no mundo todo, não apenas na escala limitada da televisão aberta. Os recursos de produção e o dinheiro envolvido são fartos. Para os profissionais que dispuseram praticamente só de um lugar para trabalhar até hoje, a nova realidade é empolgante. Mas não acredito que isso significará o fim da TV aberta. Ela vai continuar existindo, e manterá sua força.

    Da Netflix à HBO Max, por que os titãs do streaming revelam-se tão interessados em investir em novelas? Porque o folhetim é um gênero de grande sucesso no mundo inteiro, e muito forte no Brasil. Se essas plataformas quiserem conquistar nosso público, terão de fazer novelas e telesséries. É a dramaturgia que fideliza os espectadores. As novelas é que seguram a Globo há muito tempo. O pessoal do streaming raciocina assim: se conseguirmos fazer um produto folhetinesco interessante e que faça sucesso global, será uma mina de ouro. Eles vão fazer e farão bem.

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    Com tanto melodrama vindo por aí, não há o risco da saturação? Os programas mais procurados no Globoplay são novelas. O Viva, que tem as reprises de folhetins como carro-chefe, é uma potência da TV paga. As tramas da Globo continuam sendo as campeãs de audiência da televisão. Acho que já respondi à sua pergunta.

    “Em Nos Tempos do Imperador, teve um discurso do dom Pedro II dizendo que no Brasil não haveria ditador. Falaram que a Globo fez isso para atacar o Bolsonaro. Não tinha nada a ver”

    A Globo tem condições de aguentar a concorrência? A Globo tem os melhores profissionais das novelas, mas já dispensou muita gente que não devia. Não é só o ator: é o autor, o diretor que parecia não ter muito nome, mas era importante dentro do esquema, é o pessoal de edição, de produção, de figurino, de cenário. Com o enxugamento, esses profissionais estão na praça e vão acabar na concorrência. Ainda assim, a Globo é poderosa. Os estudos da emissora sobre a área são excelentes, os profissionais que continuam lá, idem. Para concorrer com a Globo, os streamings terão de fazer novelas à altura, e quem ganha é o público. Para a Globo continuar sendo a número 1 das novelas, vai ter de fazer produtos melhores que os das rivais.

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    Gilberto Braga sai de cena num momento de mudança nas novelas. O que sua perda significa? Mais que amigos, nossa relação era de irmãos. A gente trocava muitas figurinhas, um lia a trama do outro para dar opinião. Ele está partindo num momento em que a maneira como as novelas eram feitas também está acabando. Elas agora serão muito mais curtas, com outro tipo de narrativa, voltada ao streaming. Se continuasse por aí, o Gilberto teria uma contribuição muito bonita a essa nova era, porque para mim era o maior autor do país. Trouxe elegância, estilo e inteligência — coisas que a novela não tinha antes dele. Acho muito difícil surgir alguém igual a ele ou a nós que fizemos a idade de ouro dos folhetins. Daqui em diante, fazer novela será outro tipo de trabalho. Aquela arte morre com a gente.

    Por mais que as novelas ainda sejam estratégicas no ibope, é inegável que perderam força nos últimos anos. O gosto do público mudou ou já não se fazem novelas boas como antigamente? Tem muito mais concorrência hoje em dia, coisa que não existia no passado. Por décadas, as pessoas mal mudavam de canal. Agora, são atraídas não só por outras emissoras, como também por todos os serviços de streaming e canais da TV paga. Não dá para esperar o sucesso que Rainha da Sucata teve em 1990, com 70 pontos de audiência, porque o público não está mais só vendo novela. Mas, quando surge uma trama que realmente desperta interesse, o público volta.

    A necessidade de se moldar à correção política fez a Globo reeditar até produções relativamente recentes, como O Clone. Como é possível uma novela de vinte anos atrás parecer tão deslocada da atualidade? A sociedade mudou. As pessoas agora não têm a menor tolerância: não aceitam qualquer coisa que possa parecer agressiva para determinado grupo. Isso está limitando as possibilidades de escrever novelas. Recebo críticas até por cenas que criei em A Próxima Vítima (1995). Havia uma situação em que um homem batia numa mulher, mas ela não era agredida por machismo, e sim por ser bandida. Hoje, isso já teria outra conotação. Mas então não poderemos mais mostrar …E o Vento Levou por que os escravos eram maltratados? Vai apagar toda a história e fazer com que daqui para a frente tudo seja politicamente correto? É uma radicalização burra.

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    Na sua gestão, a Globo sofreu o baque da pandemia. Como foi lidar com a emergência dentro da TV? Foi um terror. Tivemos de tomar decisões muito rápidas, como encerrar as novelas e arrumar um bom gancho (cena final que deixa grande expectativa no ar) para quando retornassem ao ar. O Ricardo (Waddington, atual diretor de entretenimento da Globo) fez um trabalho excelente de implantar protocolos para gravar no isolamento.

    No tempo em que o senhor coordenava as novelas, também houve o afastamento de José Mayer, após acusação de assédio. Qual sua análise do episódio? Minha análise é que foi um escândalo muito mais plantado por grupos do que qualquer outra coisa. Foi uma atitude bastante cafajeste do Zé Mayer, mas sacrificar uma carreira brilhante e útil para a empresa como a dele foi decorrência da baita pressão de grupos que a diretoria recebeu. Naquele momento, fomos obrigados a tomar aquela decisão.

    De quais grupos o senhor fala? Grupos feministas. Foi tão bem organizado que a novela acabou na sexta-feira e no sábado as pessoas já estavam com camisetas onde se lia “Mexeu com uma, mexeu com todas”. Já tinha uma coisa armada em cima disso. Existia uma pressão também de vários atores — mas mais de atrizes — pela punição. O Zé Mayer foi um bode expiatório. Volto a dizer que não estou defendendo a atitude dele. Não sei o que aconteceu de verdade entre ele e a moça, só fiquei sabendo de coisas que ocorriam aqui e ali. Foi uma decisão da diretoria de afastá-lo definitivamente. Se tivesse passado um tempo, as pessoas iriam refletir melhor. Mesmo tendo errado e sendo cafajeste, ele é um ator de belíssima carreira. A punição foi muito pesada.

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    Ele mereceria uma segunda chance? Ah, sim. Eu batalhei muito na Globo para que ele tivesse uma segunda chance, mas não tive apoio. Precisaria de um grupo de apoio feminino. Não adiantava juntar um monte de homem para reivindicar isso. Aí seria uma atitude machista. Tinha de ter mulheres, e não consegui. Mesmo entre as que falaram que achavam uma injustiça, nenhuma assumiu isso publicamente. Quando as atrizes me procuraram, e eu não vou citar nomes, para dizer “Ah, que injustiça”, eu dizia para que nos juntássemos e fôssemos à diretoria falar isso. Elas voltaram atrás.

    Depois disso, Marcius Melhem também foi acusado de assédio. Como o senhor acompanhou o caso? Eu devo ser muito bobo, porque não vi nada disso lá. Minha relação com o Marcius era ótima, trabalhávamos juntos, ele era chefe de um departamento e eu, de outro, fazíamos reuniões toda quinta-feira. E eu não sabia dessas histórias dele, mas, um dia, o Schroeder (Carlos Henrique Schroeder, ex-diretor-geral da Globo) me chamou para falar que a filha do Melhem estava doente e ele teria de se afastar. Era para eu tomar conta do departamento de humor até ele voltar. Minha única preocupação era ter de dar conta dos dois departamentos, mas me falaram que ele ia voltar logo. E ele não voltou.

    “Zé Mayer foi um bode expiatório. Não estou defendendo a atitude dele. Mas, mesmo tendo errado e sendo cafajeste, é um ator de belíssima carreira. A punição foi muito pesada”

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    A dispensa de estrelas veteranas pela Globo nos últimos anos provocou indignação. Foram demissões justas? Isso foi uma resolução que surgiu quando a Globo fundiu as várias empresas do grupo e resolveu enxugar seus quadros. Eu fui totalmente contra. Todas as vezes que alguém era dispensado, eu ia ao RH para discutir. Eles falavam que, se eu precisasse daquele ator, poderia recontratá-lo para um trabalho específico. Não sei por que o senhor Stênio Garcia resolveu vir a público dizer que eu é que o tinha dispensado, falando que eu tinha raiva dele. O que mais me revoltou na história é que ele não era escalado porque diretores não queriam. O Stênio tinha feito uma plástica e o rosto dele mudou muito.

    Fazer novela na era da polarização é um desafio? É horrível, pois qualquer imbecil que fale qualquer coisa alcança repercussão em cima dos outros. Você faz uma novela e gasta um tempão tendo de dar satisfações. A polarização é uma coisa muito acéfala, né? Você é obrigado a ser branco ou preto, não pode ser cinza, amarelo, vermelho. Tem de ser ou um ou outro. E se fala algo que parece ofender alguém, aí já era. Quando estreou Nos Tempos do Imperador, teve um discurso do dom Pedro II dizendo que no Brasil não haveria ditadores. Aí vieram falar que a Globo fez isso para atacar o Bolsonaro. Não tinha nada a ver. Mas cada um interpreta como quer.

    Publicado em VEJA de 3 de novembro de 2021, edição nº 2762

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