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“Precisamos de uma alternativa”, diz Marina Silva sobre eleições de 2022

A ex-ministra do Meio Ambiente e candidata nas três últimas disputas presidenciais defende um projeto político distante tanto de Bolsonaro quanto de Lula

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 13h53 - Publicado em 7 Maio 2021, 06h00

Senadora pelo Acre de 1995 a 2011 e ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, 63 anos, é uma voz influente na política brasileira. À frente da Rede Sustentabilidade, encabeça um dos partidos mais atuantes na oposição ao governo, com ações que vão de recursos no STF contra medidas do Executivo a pedidos de impeachment do presidente Jair Bolsonaro. Há duas semanas, dois dias depois do encerramento da Cúpula do Clima, convocada pelo presidente americano Joe Biden, Marina falou a VEJA, por telefone, sobre a participação de Bolsonaro no evento. E não mediu palavras ao comentar seu discurso: “O presidente mentiu”. Candidata nas últimas três eleições presidenciais, ela evita falar em uma quarta disputa. Mas é incisiva ao defender uma candidatura equidistante dos radicalismos de esquerda e direita. “Não podemos repetir os erros do passado nem manter esse presente que está sepultando nosso futuro”, afirma.

Muito se fala em uma coalizão de centro para as próximas eleições, liderada por alguém capaz de ser uma opção entre Lula e Bolsonaro. Como a senhora se posiciona nesse grupo? Considero mais adequado não discutir minha função, mas, sim, o meu compromisso. É preciso construir uma alternativa. Não podemos repetir os erros do passado nem manter esse presente que está sepultando o nosso futuro. É o posicionamento que defendo exercitado junto a partidos com os quais tenho afinidade, como o PSB, o PV, o Cidadania, o PDT.

Mas quem seria o melhor candidato nesse cenário? Neste momento, precisamos discutir antes o projeto de país que queremos, e não os nomes das pessoas que vão tocá-lo. Precisamos avaliar os melhores modelos para sair das crises econômica, social, ambiental, de saúde pública e, principalmente, política e de valores que estamos vivendo. Depois, a gente identifica quem é mais qualificado para levar em frente esse projeto e impedir que o passado seja reeditado e que esse momento maléfico que vivemos seja perpetuado.

A senhora foi uma firme defensora da Lava-Jato. A suspeição do ex-juiz Sergio Moro pode pôr a perder os avanços do Brasil no combate à corrupção? O fato de o juiz ter sido considerado suspeito não apaga o grave problema da corrupção identificada pela Lava-Jato. Colocar na cadeia e punir políticos e empresários poderosos foi uma contribuição importante. Por outro lado, ficou claro que utilizar meios incompatíveis com os fins que se quer alcançar leva a situações como a que enfrentamos agora, em que todo o processo é anulado, prejudicando toda a operação. Mas isso não anula os crimes cometidos, que devem ser investigados e rigorosamente punidos. Um dos graves problemas do Brasil, além da corrupção, é estar remando contra a maré, com uma visão de desenvolvimento que volta para o início do século XX, enquanto o mundo inteiro está caminhando na direção das exigências do século XXI.

Recentemente a senhora lançou críticas à contratação do marqueteiro João Santana para o PDT, um partido que a senhora inclui entre seus aliados. Isso estremece a sua relação com o presidenciável Ciro Gomes? Eu não tenho como falar pelo PDT. O que posso dizer é que, desde 2010, eu defendo que a disputa presidencial seja pautada em cima de um projeto de país, apontando rumos e novos horizontes. O João Santana é a antítese de tudo isso. Ele demonstrou na prática, na lógica dele e dos que o contrataram, que “fake news vale a pena”. Essa tecnologia de usar notícias falsas para se eleger começou em 2014, sendo comandada pelo PT e operada tecnicamente pelo João Santana. Então, se o que eu quero é o debate para fazer um Brasil melhor, não vejo como o João Santana possa contribuir com qualquer discussão em alto nível.

“João Santana é a antítese de um projeto de alto nível para o país, que aponte novos rumos e horizontes. O uso de fake news nas eleições começou em 2014, com ele e com o PT”

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Qual foi a impressão que teve da participação de Bolsonaro na Cúpula do Clima, organizada pelo presidente americano Joe Biden? O presidente mentiu. Fez um discurso de conveniência, que não tinha nenhuma coerência com a sua prática. Ele age na contramão daquilo que disse, tanto que, na mesma semana em que prometeu dobrar os recursos para a fiscalização da área ambiental, vimos um corte de mais de 200 milhões de reais no orçamento do Ministério do Meio Ambiente. E o discurso de acabar com o desmatamento ilegal em 2030 guarda em si uma incoerência. Você não pode dar um prazo de tolerância àquilo que é ilegal, o mesmo erro que foi cometido pela ex-presidente Dilma Rousseff. Na prática, o governo dele foi o que mais registrou aumento de desmatamento nos últimos anos e foi responsável pela destruição de um terço das florestas virgens no mundo. O enfraquecimento do Ibama e do ICMBio é notório, tanto do ponto de vista da gestão como do orçamentário.

Como a senhora viu a exoneração de Alexandre Saraiva do cargo de superintendente da Polícia Federal no Amazonas, após enviar ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-­crime contra o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por organização criminosa e favorecimento a madeireiros? Foi uma tentativa de intimidação à Polícia Federal na mesma semana em que ocorreu a cúpula. E, no quesito combate à corrupção, o governo Bolsonaro deu uma demonstração: exonerou o delegado e colocou-se ao lado dos ladrões de uma quantidade enorme de madeira, um roubo de patrimônio público. Isso é um duplo sinal negativo para os interesses do Brasil, que quer entrar no clube dos países mais avançados, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). É um sinal de conivência com a corrupção, com a destruição da Amazônia, nosso maior patrimônio. O governo tenta o tempo todo aprovar lei para enfraquecer os processos de fiscalização, monitoramento e controle. Não por acaso, no último dia 14, o ministro Salles fez uma instrução normativa estabelecendo que só será possível aplicar autuações com ordem do superior imediato. Isso não existe, é um ato ilegal e inconstitucional, tanto que ele teve de voltar atrás.

Nos últimos dias, um grupo de partidos, entre eles a Rede, propôs a criação de uma CPI dos crimes ambientais cometidos na gestão de Salles. É uma solução? A atitude do ministro Salles de ser cúmplice e de apoiar contraventores e exploradores ilegais de madeira, de garimpo, tudo quanto é contravenção, é pública e notória. Ele se comportou assim quando atearam fogo às viaturas do Ibama no estado de Rondônia. Em vez de se solidarizar com os servidores públicos ameaçados e defender o patrimônio público que estava sendo queimado, ele se encontrou com os contraventores e seus defensores políticos. No caso do delegado Saraiva, foi a mesma coisa. No lugar de tomar todas as providências para fortalecer as investigações da Polícia Federal, fazer com que o Ibama agisse para que essa madeira fosse confiscada e os criminosos devidamente punidos, ele se colocou imediatamente em defesa aos contraventores, questionando a ação da própria Polícia Federal. No caso dos índios caiapós, teve até uma reunião do governo na qual se permitiu que garimpeiros ameaçassem e assediassem os índios para pressioná-los sobre qual lado gostariam de ficar: o dos ambientalistas ou o do suposto progresso, que, na visão desses garimpeiros, é a exploração ilegal e a contaminação das águas com mercúrio. Portanto, a CPI é mais do que necessária. É um dever institucional do Congresso Nacional e é um imperativo moral.

Qual é a importância do envolvimento das empresas privadas na pauta ambiental? Há uma necessidade de que elas se disponham a redirecionar seus investimentos com foco nas necessidades do planeta e na demanda de seus consumidores. Obviamente que os governos têm um papel importante nessa pauta, mas isso só se realiza pelas ações das empresas. Elas causam um impacto enorme no consumo de energia, no uso da água, nas populações locais e no trato com a terra — principalmente em um país onde os principais produtos de exportação são commodities agrícolas. Uma série de empresas está fazendo esse reposicionamento de forma séria e responsável, mas existem aquelas que ainda acreditam que é uma questão puramente de propaganda. As que estão fazendo isso de forma estrutural se sustentarão. Para as outras não haverá espaço, nem aqui nem no resto do mundo.

Como avalia o posicionamento do empresariado para as eleições de 2022? Às vésperas de um período eleitoral, o presidente não vai querer comprar briga com empresários de sua base, principalmente no setor do agronegócio. Mas é importante notar que só a parte mais reacionária e retrógrada do empresariado ainda está com ele. No ano passado, uma carta assinada por líderes de 38 empresas cobrou o Brasil no combate ao desmatamento na Amazônia e às queimadas no Pantanal. Além deles, houve um manifesto de ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central. Esses grupos já se descolaram de Bolsonaro.

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“A exoneração do superintendente da PF no Amazonas é um sinal negativo para os interesses do Brasil, de conivência com a corrupção e com a destruição da Amazônia, nosso maior patrimônio”

O país já passou da marca de 410 000 mortos por Covid-19. Quais foram os erros do governo na pandemia? O primeiro erro do presidente foi se colocar contra a ciência. Logo nos contágios iniciais já sabíamos como esse vírus estava se manifestando em proporções assustadoras na China, na Itália e na Espanha. O governo deveria ter aprendido algumas lições em relação às medidas sanitárias, ao lockdown e ao processo de isolamento social. Em vez disso, o presidente apostou na retórica da “gripezinha” e estimulou a aglomeração. Ele não priorizou uma estratégia de imunização quando tínhamos a clara sinalização de que haveria vacinas disponíveis. Além disso, houve o tal kit de tratamento precoce, uma medida mais do que questionável do ponto de vista científico e que levou pessoas a morrerem por medicação feita de forma inadequada.

A Rede detém a vice-presidência da CPI da Covid, posição ocupada pelo senador Randolfe Rodrigues (AP). Qual é a expectativa que a senhora tem a respeito dessa investigação? Minha expectativa é que a CPI produza um relatório baseado em provas e depoimentos que beneficie a sociedade, não um documento de encomenda do Palácio do Planalto. Espero por conclusões que valorizem as vidas brasileiras e que levem à punição dos responsáveis por mortes que poderiam ser evitadas. Boa parte dos crimes que são praticados contra o interesse público se dá com a expectativa ou a certeza da impunidade. A garantia de que essa impunidade não acontecerá é o que vai ajudar a melhorar a qualidade da política e das instituições.

Publicado em VEJA de 12 de maio de 2021, edição nº 2737

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