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“Nos falta mão de obra”, diz Esther Dweck, ministra da Gestão

Ela diz que o Estado brasileiro não é inchado, defende a contratação de mais funcionários públicos e confessa que não gosta de negociar com movimentos grevistas

Por Ludmilla de Lima, Ricardo Ferraz Atualizado em 16 ago 2024, 11h33 - Publicado em 16 ago 2024, 06h00

As chuvas no Rio Grande do Sul obrigaram Esther Dweck, 47 anos, a adiar seu maior desafio à frente do Ministério da Gestão e da Inovação. Inicialmente previsto para maio, o Concurso Nacional Unificado (CNU) deve finalmente acontecer em 18 de agosto. Na primeira edição, cerca de 2 milhões de inscritos vão concorrer a 6 640 vagas no serviço público, contratação que a titular da pasta alega ser necessária para repor um envelhecido quadro de funcionários. Egressa do curso de economia da UFRJ, a ministra integra a ala desenvolvimentista do governo, que prega a intervenção estatal para promover o crescimento do país, mas garante que sua intenção é melhorar a qualidade dos gastos públicos. Casada com uma professora, ela conta que nada é mais difícil em sua rotina do que encerrar o expediente a tempo de dar boa-noite à filha de 3 anos. Na entrevista concedida a VEJA por videoconferência, Dweck falou sobre o “Enem dos concursos”, reforma administrativa e ajuste fiscal.

Entre os participantes do CNU, há uma preocupação grande com o vazamento das provas, após o adiamento. Existe esse risco? As provas já haviam sido enviadas aos estados quando tiveram de ser recolhidas. Atualmente, estão trancadas em uma sala segura nos Correios, sob vigilância 24 horas e monitoramento por câmeras. Para acessar o local, é preciso que três pessoas autorizadas estejam presentes. Além disso, dois funcionários, um da Abin e um do ministério, checaram envelope por envelope, para ter certeza de que os lacres não tinham sido rompidos. Estamos seguros de que não há risco de fraude.

Haverá alterações significativas na aplicação das provas? O caderno de questões será o mesmo que já tinha sido impresso. Agora, estamos confirmando os locais do exame, que serão mantidos para 90% dos participantes. No Rio Grande do Sul, tivemos de mudar seis locais de aplicação da prova, mas todos permaneceram no mesmo município.

O adiamento foi a melhor solução? Trata-se de uma mudança motivada por uma fatalidade. Existia a previsão no edital de substituição dos locais de prova por problemas climáticos, mas era uma solução para casos pontuais, porque nunca houve algo nessa dimensão. Diante do tamanho da tragédia gaúcha, se a gente aplicasse o que estava previsto, o risco de judicialização seria muito maior do que simplesmente adiar. Para tomar essa decisão, conversamos com a Defensoria Pública e com a Procuradoria do Estado e fechamos um acordo homologado na Justiça. O risco de processos hoje é muito baixo.

Foi muito complicado apostar no novo formato? A ideia de um exame unificado para os concursos, tal qual o Enem, é maravilhosa e foi logo encampada pelo ministério. Mas eu quase desisti ao tomar conhecimento da questão logística. Foi preciso envolver todas as redes de segurança brasileiras, inclusive a Defesa Civil. Ninguém entendia o motivo, até a tragédia no Sul acontecer.

“Não negocio com grevistas porque não tenho essa habilidade. Às vezes, aparece gente para falar de greve até quando estou num restaurante. Não é a melhor posição do mundo”

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O que justifica a contratação de 10 000 novos funcionários públicos até 2026? Tivemos uma saída de mais de 70 000 servidores desde 2016 e praticamente não houve concurso desde então. A média de idade no governo federal é altíssima: mais de 58 anos em algumas áreas. Corremos o sério risco de 30% dos funcionários se aposentarem de uma hora para outra. Invertemos essa lógica e estamos tentando dimensionar a força de trabalho. A transformação digital, por exemplo, requer menos gente, mas isso não prescinde de realizarmos novas contratações. Esse total de 10 000 novos quadros está muito aquém da demanda trazida por outros ministérios de mais de 80 000 servidores.

Mas o Estado brasileiro já não é inchado demais? Não, ao contrário. Fala-­se isso genericamente, mas, quando se olha de perto para algumas áreas, como o meio ambiente ou educação, percebe-se que não é verdade. Diversos ministros me ligam reclamando que algum colega roubou um servidor que estava lotado em sua pasta. Os reitores das universidades federais bateram à minha porta para dizer que muitos técnicos e professores estavam sendo requisitados pelo governo. A verdade é que nos falta mão de obra.

A senhora tem enfrentado negociações salariais e greves, como a das universidades federais. Como se sente nesse papel? Não me sento à mesa, porque percebo que não tenho habilidade para negociar. Sou amiga de pessoas de várias carreiras do setor público e às vezes aparece alguém para falar de greve até quando estou num restaurante. Não é a melhor posição do mundo, nem a melhor pauta do ministério, mas uma coisa que se reconhece é que o diálogo, que havia sido interrompido, voltou. Outro fator que atrapalha são as redes sociais. Nem sempre o clima está tão inflamado quanto se diz no ambiente virtual.

Não parece ser fogo amigo os sindicatos exercerem mais pressão sobre o governo Lula do que sobre o de Bolsonaro? Não creio. Faz parte do jogo político os sindicatos atuarem no espaço em que há maior possibilidade de se obter ganhos salariais. Na gestão anterior, todos se uniram para defender o Estado brasileiro. No caso da educação, ficou claro que o movimento não era contra o governo, mas, sim, uma tentativa de puxá-lo para a esquerda, ampliando o espaço da educação superior no Orçamento. Não foi possível, mas os sindicatos aceitaram discutir outras questões, algo fundamental para a greve acabar.

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A negociação com outras categorias foi bem mais complexa, como no caso dos funcionários do Ibama e ICMBio. Como tem evitado uma onda de paralisações? Ao todo, negociamos com 150 entidades e assumimos o compromisso de abrir quarenta mesas de negociação. Já concluímos acordos em 31 rodadas, incluindo aí as categorias mais numerosas, que somam quase o total de servidores. Não estamos propondo aumentos salariais lineares, mas reestruturação da carreira para corrigir distorções antigas. No caso do pessoal do Meio Ambiente, propusemos a gratificação por localidade, uma inovação importante para manter os profissionais nos lugares que mais demandam fiscalização, mas eles acharam melhor distribuir o valor por todos os servidores. Os dois lados cederam e chegamos a um acordo.

Reajustar os salários não prejudica a busca pelo equilíbrio fiscal? É importante frisar que os reajustes não vão impactar significativamente os gastos do governo. O aumento está dentro dos limites estabelecidos na Lei Orçamentária do ano que vem e será da ordem de 0,1% do PIB. Todos os passos têm sido dados com muito diálogo com os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet.

A senhora já escreveu um livro criticando a austeridade fiscal. Concorda com os rumos adotados por seus colegas de Esplanada? Critica-se muito a tentativa de aumentar a receita, mas é importante frisar que a primeira medida do governo foi o arcabouço fiscal, que impôs um limite para o crescimento da despesa. O que se pretende é aumentar a qualidade dos gastos públicos, corrigindo o que está errado.

Como, exatamente? Estamos cruzando dados de diversas pastas para identificar o pagamento de benefícios indevidos. No governo anterior, houve certa leniência quanto à entrada em programas sociais de quem não tinha direito. No ano passado, fizemos a redução nos quadros do Bolsa Família. Também tomamos diversas medidas de gestão, como transformação digital, centralização de compras e revisão de contratos. Somando as iniciativas, a economia chega a cerca de 5 bilhões de reais, só na minha pasta.

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A senhora concorda com a afirmação do presidente Lula de que gasto é vida? Essa frase, repetida com frequência tanto pelo presidente quanto pelo ministro Haddad, ressalta a necessidade de trazer o pobre de volta para o Orçamento e de colocar o rico no imposto de renda.

“Me sinto feliz de estar no cargo e ser do sexo feminino. As mulheres se sentem muito mais na obrigação de acertar do que os homens, sofrem da famosa síndrome da impostora”

Há anos que se fala em fazer a reforma administrativa. A senhora concorda com ela? O ministério é contrário à PEC 32, que está em tramitação no Congresso, porque afeta a estabilidade do servidor público. Mas temos uma proposta própria, baseada em três pilares: pessoal, governo digital e o que a gente chama de processos e organizações. No caso de pessoal, há distorções entre carreiras que precisam ser equalizadas. Já reduzimos o piso de entrada do Banco Central, uma das instituições mais valorizadas. Não precisa de PEC para isso, encaminhamos como projeto de lei. Também estamos trabalhando em portarias para fazer com que o servidor possa atingir o teto de remuneração em vinte anos e estudando critérios para que a progressão dependa do bom desempenho, e não apenas do tempo decorrido.

Como pretende lidar com os benefícios que geram supersalários, comuns no Judiciário e nas Forças Armadas? Barrar as injustiças está totalmente na pauta, mas a aprovação dessa lei exige um intenso diálogo interpoderes. Existe um projeto sobre o tema que está no Legislativo, já foi votado na Câmara e precisa passar pelo Senado. É necessário haver um consenso, o que não é nenhum pouco trivial, mas a gente tem disposição de fazer esse debate publicamente.

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A senhora atuou para barrar a PEC das Praias, apresentada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Considera o assunto superado? Quem defende essa medida comete muitos equívocos. Já há previsões legais para exploração econômica das porções de terras que estão sob responsabilidade da Marinha, contanto que se respeite as leis ambientais e de patrimônio e se pague o valor devido à União. Agora, passar a posse para a iniciativa privada é completamente arriscado, porque suprime totalmente o controle e a fiscalização dessas áreas. Nós vamos encarar essa discussão sempre que acharmos necessário.

A senhora é casada com outra mulher, com quem tem uma filha. Como é ocupar um cargo público sendo da comunidade LGBTQIA+? É muito importante para mostrar que essas pessoas podem estar onde elas quiserem. Fico ainda mais contente por ser do sexo feminino. As mulheres se sentem muito mais na obrigação de acertar do que os homens, são afetadas pela famosa síndrome da impostora. Ser uma referência para tanta gente me deixa muito feliz.

Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2024, edição nº 2906

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