O ministro Márcio França, de fato, é um credor do PT e do presidente Lula. Na eleição do ano passado, ele aceitou abrir mão de sua candidatura ao governo de São Paulo como parte de uma estratégia maior, destinada a impedir a reeleição de Jair Bolsonaro. Também teve destaque nas negociações que resultaram na filiação do ex-governador Geraldo Alckmin ao PSB e, depois, na sua efetivação como candidato a vice na chapa presidencial petista. Esses serviços lhe garantiram, em retribuição, o comando da pasta de Portos e Aeroportos, na qual enfrenta temas espinhosos, como a pressão pela privatização do Porto de Santos, que ele descarta. Ex-prefeito de São Vicente e ex-governador de São Paulo, França trata de assuntos essencialmente técnicos no ministério, mas não descuida da política, área em que é considerado um habilidoso articulador. A VEJA, ele disse que o PSB deve lançar candidatos à prefeitura e ao governo de São Paulo, apostou que Tarcísio de Freitas disputará a sucessão presidencial e defendeu a candidatura de Geraldo Alckmin ao Planalto, caso Lula não concorra à reeleição. A seguir os principais trechos da entrevista.
Qual o plano do governo federal para o Porto de Santos? Continuará a ser o maior porto do Brasil e a ser um porto público, com concessões privadas, como é no restante do mundo. Aqui no Brasil nós já temos a experiência dos portos privados, os chamados TUPs (terminais de uso privado). Temos 250 autorizações de TUPs. Se você quer ter um porto privado, não tem problema. Compre um terreno na beira do mar, ofereça ao governo as garantias ambientais e pronto.
Mas por que não privatizar o Porto de Santos? Porque ele é estratégico para o país. Um exemplo disso foi no caso das chuvas em São Sebastião (SP). Existe uma tubulação que vai do local até Cubatão, levando combustível. Quando houve o desastre, essa estrutura foi soterrada e tivemos a suspensão da operação. Naquele momento, precisávamos de uma alternativa. Qual foi? Nós abrimos no mesmo dia o Porto de Santos. Digamos que o porto público já tivesse sido vendido, e o porto privado dissesse que não pararia sua operação para levar combustível, o que seria feito? Hoje, 93% de tudo que é exportado ou importado vem por porto. É impensável imaginar isso na mão de um particular, que pode ser até de outro país.
A máxima de que no Brasil um socialista sempre será contra as privatizações vale para o senhor? Privatizei uma grande estatal, a Cesp (Companhia Energética de São Paulo), quando era governador. Essa é a prova de que não tenho preconceitos. Agora, se podemos conviver com uma modelagem que reúne agentes públicos e privados, que cada um faça o seu.
“As empresas operam com 20% de assentos quase sempre vazios. A ideia é ocupar esse espaço oferecendo passagens mais baratas a pessoas que nunca voaram ou voam raramente”
Algumas concessões de aeroportos não renderam o resultado esperado. O que o governo pretende fazer, por exemplo, nos casos do Galeão (Rio de Janeiro) e de Viracopos (Campinas)? Nos dois casos, os operadores desistiram de desistir da concessão. Com a chegada do novo governo, eles pleitearam desconsiderar a desistência. O nosso interesse não é complicar, porque cada vez que você relicita dá trabalho e demora. Nós encontramos um formato jurídico para poder dar vazão ao pedido deles. Superamos a fase jurídica e passamos para as negociações financeiras, que estão em andamento. O governo gostaria que os dois operadores ficassem.
Declarações de teor estatizante do presidente Lula não afastam o investidor privado do setor de infraestrutura? O Lula já foi presidente e ficou claro que ele respeita as regras. Agora, o que as pessoas querem é que ele não deva ter uma capacidade de conviver com todos os lados, mas essa é a tarefa dele. Por exemplo: havia na regra de saneamento básico algumas normas feitas por decreto que excluíam as empresas públicas de competir. Por que a empresa pública vai ser proibida de competir? Assim como nós deixamos outras empresas públicas concorrerem nos nossos aeroportos, por que uma empresa pública como a Sabesp, que é poderosa e forte, não pode concorrer na privatização em uma concessão do Rio de Janeiro?
Como surgiu a ideia de vender passagens aéreas a 200 reais? Hoje, somente 10% dos brasileiros têm acesso ao transporte aéreo. Por outro lado, as empresas operam durante quase nove meses do ano com cerca de 80% da capacidade dos aviões, ou seja, com 20% de assentos quase sempre vazios. A ideia é ocupar esse espaço oferecendo passagens mais baratas a pessoas que nunca voaram ou voam raramente.
O presidente Lula criticou essa ideia, classificada por ele ironicamente como “genialidade”. O presidente tinha razão. O programa ainda não estava formatado. Ficou parecendo que o governo iria arcar com os custos. Não é isso. A pessoa entrará direto nos aplicativos das próprias companhias e encontrará lá uma caixinha escrito, digamos, Voa Brasil, se ficar esse nome. Vão aparecer todos os voos disponíveis por 200 reais cada trecho, ida e volta. O sujeito preenche e compra direto. Tudo será operado pelas próprias empresas. Elas estão propondo, por exemplo, que possa participar do programa quem está há um ano sem voar. Tudo isso ainda será definido. É importante destacar que não haverá subsídio algum.
O partido do senhor, o PSB, ficará a reboque do PT nas próximas eleições para a prefeitura e o governo de São Paulo? Não, nós não temos essa tradição, e o presidente não me falou nada nesse sentido. Na última eleição, ele pediu para que eu não concorresse em São Paulo, mas foi um momento excepcional. A nossa prioridade era derrotar o Bolsonaro. Então, na questão custo-benefício, valeu a pena. Com relação à prefeitura, temos a deputada Tabata Amaral como pré-candidata. Claro que tudo será decidido no tempo certo. Ela nunca disputou um cargo executivo, mas tem vontade e é jovem e carismática.
Para a aliança governista, é melhor que Jair Bolsonaro seja declarado inelegível ou mantenha os direitos políticos? Há quem defenda as duas versões, mas eu sempre acho que o melhor é que se cumpra a lei. Se ele fez abuso político ou de autoridade, o que me parece óbvio, tem de cumprir a lei. Eu vejo como mínima a chance de Bolsonaro escapar da inelegibilidade. O Bolsonaro pode ser do avesso, mas tem carisma. Ele já teve uma vitória, já ganhou, tanto que estamos falando de bolsonarismo como se fosse um peronismo sem Perón. Resta saber quem será o outro “Bolsonaro”, o sucessor dele.
O senhor tem algum palpite? Teria de ser talvez um dos filhos ou a esposa. Nunca é igual. Na medida em que ele não é mais candidato, a procura é por algum nome que represente o pensamento. Eu apostaria nisso.
O governador Tarcísio de Freitas tem esse potencial? Acho que tem. O pensamento que ele representa tem força eleitoral, e São Paulo é um estado grande. Ele pode construir junto com Rio Grande do Sul, Minas Gerais, enfim, representantes de estados grandes que votaram no Bolsonaro e tendem a levar o voto dos bolsonaristas e, com um pouquinho de esforço, podem chegar ao centro. Nós teremos um Tarcísio com quatro anos, com experiência como governador. No caso da inelegibilidade de Bolsonaro, o governador Tarcísio vai sofrer pressão para disputar a eleição presidencial e acho difícil escapar. Aí teremos uma vacância em São Paulo.
O que facilitaria para o senhor na disputa estadual? Eu disputei treze eleições na minha vida. Ganhei dez e perdi as últimas três. Quando você disputa as majoritárias é que fica conhecido. Claro que eu guardo essa vontade, mas eu compreendo que não fui eleito e, na medida em que o presidente me convida para ser ministro, a prioridade zero, um, dois, três é o ministério e tudo que possa vir a partir dele.
Qual a sua avaliação sobre o governo do Tarcísio? Ele precisa colocar outras coisas na cabeça, ainda está naquela transição de ministro para governador. Por exemplo, a insistência na questão da privatização do Porto de Santos é um assunto que ele precisa desapegar. Tem tantos outros temas importantes: presídios, Cracolândia, educação integral, montagem de hospital… Mas tivemos no caso da enchente de São Sebastião, em São Paulo, um exemplo de democracia. Na fotografia: um prefeito do PSDB, um governador do Republicanos e um presidente do PT. Ninguém perguntou a ninguém de qual partido era cada um. Isso é democracia. Tarcísio também fez, por exemplo, a sanção de uma legislação sobre canabidiol, cujo autor era meu filho, Caio França, que é deputado estadual. Isso foi significativo. É uma demonstração de gestos.
“O Alckmin jamais fará qualquer coisa que não tenha sido combinada. Agora, em caso da existência de uma combinação, aí, é claro, todo vice, eventualmente, gostaria de ser candidato”
A filiação do vice-presidente Geraldo Alckmin muda o status partidário do PSB? Acho que sim. A presença dele nos dá uma referência nacional que só tivemos lá atrás com o Eduardo Campos. Esta é a primeira vez que o PSB, que tem oitenta anos, ocupa essa posição. O Alckmin não é uma pessoa que não se envolva partidariamente. Ele se filiou, Dona Lu se filiou. Isso trouxe e traz muita gente para o partido.
Se o presidente Lula não disputar a eleição, o vice-presidente é o nome do PSB para a sucessão presidencial? Acho difícil o Alckmin fazer qualquer coisa que não seja combinada com o presidente Lula. Ele teve uma relação assim com o Mario Covas (de quem foi vice-governador). Alckmin jamais fará qualquer coisa que não tenha sido combinada. Agora, em caso da existência de uma combinação, aí, é claro, todo vice, eventualmente, gostaria de ser candidato.
Não seria normal o PSB apresentar uma candidatura presidencial? Se o presidente Lula não for concorrer e a gente estiver na mesma base, é provável que a gente produza um consenso. O PT vai dizer que tem de ser do PT, o que é natural. O governo é deles, mas o nome mais forte ali é o Fernando Haddad, que é uma das pessoas mais próximas ao Alckmin. Eles se dão muito bem e têm um jeito parecido em muitas coisas. Os dois são pães-duros, são discretos… Eles formam uma dupla interessante.
Quem encabeçaria essa chapa hipotética? Vai depender das circunstâncias, do que for combinado.
O PT não queria que o PSB aderisse ao bloco montado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. Foi uma decisão correta do partido? Eu nunca conversei com alguém do PT que me dissesse que não queria. Ninguém me falou nada. Eu achei importante e relevante termos um deputado do PSB como líder de uma bancada de 170 deputados. Não tenho de ter desconfiança de conviver com quem não é exatamente como eu. Ao contrário, tenho de conviver mais para trazê-los para mais perto.
Publicado em VEJA de 10 de maio de 2023, edição nº 2840