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Mantega garante que não volta à esfera pública: ‘Tenho uma vida nova’

O ex-ministro de Lula e Dilma critica o presidente do Banco Central e revela mágoa por ter sido desaprovado pelo mercado financeiro

Por Amauri Segalla
19 jul 2024, 06h00

O economista Guido Mantega tem extensa trajetória de serviços prestados ao PT. Nos dois primeiros mandatos do presidente Lula, ocupou os cargos de ministro do Planejamento, ministro da Fazenda e presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Na gestão Dilma Rous­seff, comandou mais uma vez a Fazenda, tendo sido um dos responsáveis pela criação de uma série de medidas controversas que ficaram conhecidas como “nova matriz econômica”. Adepto da linha desenvolvimentista, que prevê o aumento da participação do Estado como indutor do crescimento, ele defende, na entrevista a seguir, a agenda econômica do atual governo e diz que as críticas de Lula ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, fazem sentido. Mantega também revelou ter ficado magoado com a reação negativa do mercado à indicação de seu nome para a presidência da Vale e da Petrobras, assegura que não pretende voltar à esfera pública e afirma que os xingamentos que recebia nas ruas e restaurantes ficaram para trás. Confira os principais trechos da entrevista.

O senhor compartilha das críticas que o presidente Lula faz ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto? Vamos colocar no contexto em que isso aconteceu. Todo mundo sabe que o Brasil tem uma taxa de juros muito elevada. É a segunda maior taxa real de juros do mundo e, evidentemente, o Brasil não é o segundo pior país — afinal, a taxa de juros tem de ser relacionada com a solidez da economia. Então, é óbvio que há um excesso de juros no Brasil. A inflação vem caindo desde o pico de 2021 e agora está em torno de 4%. Portanto, permanece sob controle. O Banco Central estava no caminho certo, de redução da Selic, mas mudou a direção da política monetária. Foi um movimento abrupto, que ameaça o bom desempenho da economia brasileira.

Para o presidente Lula, Roberto Campos Neto age movido por interesses políticos. O que pensa sobre isso? O presidente teve uma reação de indignação. Ele questiona se o Banco Central tem uma política técnica e independente. Não me parece que manter os juros elevados foi uma decisão técnica, mesmo porque, um tempo depois, o Roberto Campos Neto se reuniu com o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, e sinalizou que aceitaria ser ministro da Fazenda em um governo futuro. Isso não é postura independente.

O senhor acha que há espaço para um corte de juros ainda neste ano? Acho. Nos últimos dois meses a inflação americana começou a cair, e já se fala em três reduções de juros nos Estados Unidos em 2024. No Brasil, a inflação continua sob controle. Em uma análise estritamente técnica, voltaram as condições para o Banco Central retomar a redução de juros. A Selic alta encarece o crédito. Eu mesmo peguei um empréstimo no Banco do Brasil com a taxa de 4% ao mês. É muito caro.

As críticas recorrentes do presidente Lula ao Banco Central aumentaram a tensão no mercado financeiro. O presidente não deveria ter sido mais come­dido? A verdade é que o Roberto Campos também respondeu com novas provocações. Houve, de fato, um clima inadequado, que não ajudou ninguém. Não foi um bom caminho. Tanto é assim que o presidente Lula viu que essa não era a melhor estratégia e decidiu não continuar com a polêmica. Mas é importante dizer que o presidente da República tem todo o direito de questionar o comportamento da taxa de juros. Isso não ameaça de forma alguma a autonomia do Banco Central.

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“O Banco Central estava no caminho certo, de redução da Selic, mas mudou a direção da política monetária. Foi um movimento abrupto, que ameaça a economia”

Há um projeto para fortalecer a independência do Banco Central, inclusive do ponto de vista financeiro. Qual é a sua opinião a respeito? O Banco Central tem independência operacional, que é o que interessa. Assim, ele pode determinar qual é a taxa de juros e perseguir as metas inflacionárias estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Essa é a independência que interessa. Não acho adequado transformar o Banco Central numa empresa.

Há alguns dias, o real sofreu forte desvalorização. Isso não é um sinal da falta de confiança na economia brasileira? O contencioso entre o governo e o Banco Central acabou aumentando a desvalorização do real, mas isso explica apenas uma pequena parte do movimento. Outro fator importante é o mercado brasileiro de derivativos, um dos mais líquidos do mundo. Havia muita gente na posição comprada de dólar, apostando na elevação da cotação da moeda. Isso gerou enorme pressão.

Muitos analistas afirmam que o desequilíbrio fiscal é o principal problema da agenda econômica. O governo não deveria estar mais preocupado com essa questão? Nós temos um arcabouço fiscal que limita o aumento de gastos. Portanto, você não pode acusar o governo de ser irresponsável do ponto de vista fiscal. O ministro Haddad está fazendo malabarismos para conseguir ajustar as contas. É preciso lembrar que o governo Bolsonaro deixou uma herança de contas a pagar, como os precatórios. Não pagou nem sequer organismos internacionais. Houve um momento em que o Brasil não podia participar de votações na ONU porque não havia honrado seus compromissos.

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Ainda assim, fechar 2023 com um rombo de 230 bilhões de reais nas contas públicas não representa um grande problema? É um déficit alto, mas reforço que o governo Lula tem um comportamento fiscal responsável e busca fazer um controle eficaz das despesas. Há um controle que ele não consegue fazer, que são as emendas parlamentares. Esse é um governo de coalizão ampla, o que exige ampla capacidade de negociação com o Congresso. Essa coalizão faz exigências, e o governo precisa ceder porque é assim que a política brasileira funciona.

Uma crítica que se faz ao governo é o fato de olhar apenas para as receitas e não cortar despesas. O governo Fernando Henrique foi muito bem avaliado do ponto de vista fiscal e ele aumentou a arrecadação, criando novos tributos. Com isso, conseguiu um equilíbrio fiscal. O ministro Haddad corrigiu algumas distorções, como a não tributação de fundos offshore. O que quero dizer é que é correto olhar para certas distorções e buscar o aumento de arrecadação, como o Haddad tem feito.

O governo não deveria ser mais firme na busca do equilíbrio fiscal? O objetivo dos governos não deveria ser simplesmente obter um bom resultado fiscal, mas combinar contas públicas equilibradas com um bom crescimento da economia. Veja os governos Temer e Bolsonaro. Eles fizeram contingenciamento de gastos e a economia não cresceu nada, ou cresceu muito pouco.

O senhor falou de malabarismos do ministro Haddad para tocar a agenda econômica do país, mas ele sofre críticas principalmente da base petista. O governo é liderado pelo PT, mas essa é uma gestão que resultou da composição de vários partidos. O PT está no seu direito de ter posições diferentes das políticas adotadas pelo governo. Isso é absolutamente normal.

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Ao contrário do primeiro mandato de Lula, a impressão que se tem agora é que o governo não está preocupado em melhorar o ambiente de negócios. Essa percepção está equivocada. O governo aprovou a reforma tributária, que dá um passo gigantesco para melhorar o ambiente de negócios e a competitividade no país. Foi um grande feito. Eu mesmo tentei fazer uma reforma tributária em 2004 e não consegui.

O senhor foi mencionado como uma possível indicação do presidente Lula para comandar empresas como a Vale. Houve conversas nesse sentido? Não houve indicação do presidente Lula. No caso da Vale, membros do conselho de administração estavam pensando na sucessão do CEO e em como melhorar o relacionamento da Vale com o governo. Foi nesse contexto que cogitaram o meu nome como alguém capaz de fazer essa ponte.

O senhor se sente preparado para assumir a presidência da Vale? Achar que o ministro da Fazenda mais longevo do Brasil, ex-presidente do BNDES e professor de administração na Fundação Getulio Vargas por vinte anos não teria qualificação para administrar uma empresa como essa é um absurdo. Claro que estou preparado. Fiquei insatisfeito com as reações negativas em relação ao meu nome. De todo modo, não estou interessado nessas posições.

Tem interesse em voltar para a administração pública? Não. Eu agora trabalho no setor privado, como consultor. Trabalhar no governo me trouxe muita dor de cabeça. Enfrentei processos que me causaram prejuízos financeiros, tive de pagar muitos advogados.

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Muitos analistas consideram a gestão Dilma um desastre econômico. Onde o governo errou? Quando eu era ministro, a dívida pública caiu. É bom que se diga. Todo mundo fala que houve uma farra fiscal, mas isso não é verdade. A imagem que se tem é que a Dilma quebrou o país. Não quebrou.

“Achar que o ministro da Fazenda mais longevo do Brasil não está preparado para presidir a Vale é um absurdo. Mas não estou interessado nessa posição”

A desoneração da folha foi uma política do seu mandato no Ministério da Fazenda, mas agora o governo quer rever o programa. A desoneração foi um erro? A medida foi correta. Nós estávamos em um contexto marcado por ataques dos produtos asiáticos ao mercado brasileiro e por uma recaída da crise global. Os países da Europa e os Estados Unidos começaram a desempregar. Então, eu estabeleci o programa que barateava o custo tributário das empresas e elas se comprometeram a não demitir. A medida foi boa porque as companhias ganharam competitividade naquele momento e não demitiram.

A pedalada fiscal em 2014 foi o maior erro cometido pelo governo? Não houve pedalada fiscal. A Dilma sofreu impeachment aparentemente por esse motivo, mas depois a acusação passou a ser a de que ela descumpriu os limites de gastos estabelecidos pelo Congresso sem ter autorização para isso.

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O presidente Lula trocou o CEO da Petrobras. Esse tipo de intervenção não faz mal para a empresa? Não acho que houve intervenção. A Petrobras é uma empresa pública e quem nomeia o seu CEO é o presidente da República. Se ele acha que um funcionário não está dando certo, tem o direito de trocar.

Sob Lula, a Petrobras retomará políticas que não deram certo antes, como investimentos na indústria naval. Faz sentido? Qualquer empresa que para de fazer investimento fica para trás. Não sei se a nova administração da Petrobras vai estimular a indústria naval, mas ela precisa continuar investindo.

O senhor chegou a ser vaiado em restaurantes. A sua vida voltou à normalidade depois de tudo o que ocorreu nos últimos anos? Foram tempos difíceis para mim, mas felizmente não tem mais nada disso. Aquilo foi uma perseguição da Lava-Jato, que transformou todos nós em supostos corruptos. Também sofri um desgaste familiar muito grande. Mas superei essa fase. Hoje tenho uma vida nova.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2024, edição nº 2902

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