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Lula não vai impedir fazendeiro de ter arma, diz ministro da Agricultura

Carlos Fávaro afirma que fake news empurraram produtores para o bolsonarismo, reconhece que alguns financiam ações extremistas e defende punição rigorosa

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 11h06 - Publicado em 13 jan 2023, 06h00
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  • As investigações ainda estão no início, mas sabe-se que a Polícia Federal suspeita que uma parcela dos baderneiros que invadiram e depredaram o Palácio do Planalto, o Congresso e o Supremo no último domingo foi financiada por empresários ligados ao agronegócio — um setor que apoiou abertamente a candidatura de Jair Bolsonaro nas últimas eleições. Buscar uma reaproximação dos produtores rurais com o governo e pacificar as relações, portanto, será o primeiro (e complexo) desafio da gestão de Carlos Fávaro, o novo ministro da Agricultura. Em sua opinião, o extremismo entre alguns representantes da categoria é concreto, mas argumenta que tal sentimento fica restrito a uma minoria que estava gostando do “passa-boiada” dos últimos quatro anos. A outra grande missão de sua administração será resgatar a imagem do Brasil perante a comunidade internacional, uma tarefa não menos complicada. Senador de Mato Grosso, o atual ocupante da pasta é pecuarista, ex-assentado, hoje proprietário de três fazendas que juntas somam 3 000 hectares e foi indicado ao cargo na cota do PSD. Segundo ele, o ranço do agronegócio com a administração petista se deve muito mais à desinformação difundida pelos radicais do que à realidade. Nesta entrevista a VEJA, Fávaro garante que a meta agora é buscar a sustentabilidade e que, ao contrário dos piores temores dos ruralistas, Lula não vai proibir a posse de armas no campo nem permitir invasões de terras produtivas. A seguir, os principais trechos da conversa.

    Dizem que o senhor assumiu o cargo mais tranquilo da Esplanada, mas com a missão mais difícil. É verdade? Nós saímos de uma eleição em que o Brasil se dividiu, principalmente no agronegócio, setor que apoiou muito o bolsonarismo, que se engajou na campanha bolsonarista, às vezes de maneira até raivosa, como se viu. Temos agora de conscientizar todos de que a eleição acabou. É preciso olhar para a frente, mirar em construir um agro cada vez mais forte, sustentável, que respeite o meio ambiente, que cumpra as regras. Todos que pensarem dessa forma terão as portas abertas no governo. Minha missão é reconstruir essa ponte junto com o presidente Lula, com a ministra Marina Silva e todos os outros ministérios.

    O que teria levado ao rompimento de tal ponte? As fake news, as ações de desinformação. Durante a campanha eleitoral, repetia-se a todo instante nas redes sociais que “se o Lula ganhar a eleição, ele vai acabar com o direito de propriedade”, que “se o Lula ganhar a eleição, as invasões de terra vão voltar”, “se o Lula ganhar a eleição, as exportações serão taxadas”, “se o Lula ganhar a eleição, vai acabar o direito de ter arma de fogo na propriedade”. Tudo isso era mentira, até mesmo porque o Lula já foi presidente da República e não retirou o direito de propriedade de ninguém, não taxou as exportações, não vai compactuar com invasões ilegais e não vai impedir o fazendeiro de ter uma arma para autodefesa.

    “Lula não retirou o direito de propriedade de ninguém, não taxou as exportações, não vai compactuar com invasões ilegais e não vai impedir fazendeiro de ter uma arma”

    O vandalismo do último domingo mostra que essa pacificação não será uma missão muito fácil. Esses atos do fim de semana passado foram horrorosos, são inaceitáveis e precisam ser reprimidos com o rigor da lei. Temos de dar exemplo para quem ousar afrontar a democracia e os poderes constituídos. A Justiça será rigorosa com esses bandidos, fascistas, terroristas. Eles não passam disso. As pessoas de bem, homens e mulheres que produzem, fiquem tranquilos, nós vamos pacificar o Brasil.

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    Empresários ligados ao agronegócio estão sendo acusados de financiar a baderna. O senhor, como representante do setor, avalia isso de que maneira? Lamentavelmente acho que é verdade. Fazem parte daqueles poucos, mas muito raivosos, que não fazem bem ao agronegócio. Aqueles que desmatam e tocam fogo ilegalmente são os mesmos que agora atentam contra a nossa democracia. Eles precisam ser punidos rigorosamente para o bem do agronegócio e do Brasil.

    Uma das entidades mais resistentes ao atual governo desde a campanha eleitoral é a Aprosoja. Como ex-dirigente da entidade, isso não chega a ser constrangedor? Sem dúvida. A Aprosoja foi um símbolo, inclusive de apoio aos atos antidemocráticos, o que é descabido e deve ser reprimido. Eu fui presidente da entidade em meu estado. É a maior entidade de produtores do Brasil. Mas não posso fechar os olhos. Membros da Aprosoja participaram, sim, de atos antidemocráticos. Um delegado da entidade foi preso ateando fogo em caminhão, em uma praça de pedágio. Não estou trabalhando com hipóteses, são fatos reais. É realmente lamentável.

    Foram apenas as fake news que levaram a essa situação de radicalismo? No caso da Aprosoja, não. Houve falta de compostura das lideranças que não souberam impor limites. É muito fácil para um líder instigar e dizer o que seu liderado quer ouvir. Difícil é trazer à razão, ao respeito das leis e das regras, mesmo que isso contrarie aquilo que o seu liderado queria. O incentivo feito verbalmente pelos atuais ocupantes das diretorias da Aprosoja levou muitos produtores a perderem o senso de compromisso com a democracia.

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    O MST já anunciou que pretende retomar as invasões de terra. Isso não é fake news. Está no site da entidade. Mas isso não vai acontecer. Recebi recentemente a garantia de que eles não farão isso. Terra produtiva invadida não é passível de reforma agrária. O Judiciário manda fazer a reintegração de posse e os estados têm de cumprir. Tem lei para isso. A garantia de que não teremos baderna no campo são as leis. Pode ter certeza de que o presidente Lula, eu e a Justiça vamos cuidar disso. Invadiu, a Justiça manda fazer reintegração de posse e o estado cumpre. A lei serve para o MST, para os fazendeiros e para todos os brasileiros.

    Quem deu essa garantia de que não haverá invasões de terra? O próprio MST. Eles querem a reforma agrária — querem, e é legítimo —, mas dentro da legalidade, de forma ordeira. Antes de tomar posse, eu me reuni com eles e com a liderança do Partido dos Trabalhadores no Senado Federal e recebi esse compromisso.

    O senhor disse que a invasão de terras produtivas não será tolerada. E invasão de terras públicas? Terra pública é um bem de todo o povo brasileiro. Se é um movimento em busca da terra, é papel do Estado fornecer terra àqueles que precisam. Tudo, claro, dentro da legalidade. Onde existirem condições, o governo vai se esforçar para que a reforma aconteça. Defendo isso porque sei que a reforma agrária bem-feita funciona.

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    O que vai mudar na sua gestão em relação ao governo anterior? Tenho dito em todas as minhas falas que sou a sequência de bons gestores no Ministério da Agricultura. Tanto os ex-ministros, quanto os servidores, os colaboradores, a equipe que trabalha aqui são conhecedores dos potenciais, dos gargalos e das dificuldades do agronegócio brasileiro e fizeram com que o Brasil saísse de 70, 80 milhões de toneladas de grãos há vinte anos para o número fantástico de 312 milhões de toneladas previstas para 2023. O problema da agricultura brasileira que precisamos superar hoje é de imagem.

    Em que aspecto exatamente? O Brasil não está respeitando o Código Florestal e isso precisa ser corrigido. Por isso, minha principal missão é reconstruir a imagem do agronegócio brasileiro. Nosso país virou um pária mundial em relação às políticas ambientais. Já estamos começando a sofrer sanções internacionais por conta disso. Temos de resgatar a consciência de que é preciso respeitar o meio ambiente. Não porque o mundo quer, mas porque precisamos. Só assim vamos abrir ainda mais os mercados internacionais para os nossos produtos.

    Essa má imagem corresponde à realidade? Nos últimos quatro anos, infelizmente, sim. Alguns representantes do agronegócio desmataram e queimaram ilegalmente com a aquiescência do governo anterior. Esse, aliás, é um dos motivos para certos setores resistirem à volta do presidente Lula e, como eu disse, participar de alguma maneira desses ataques à democracia: estavam gostando dessa ilegalidade, do “passa-boiada”, do deixar a coisa frouxa em relação ao meio ambiente. Então, lá no fundo, queriam a continuidade dessa política. Vale ressaltar que mais de 95 % dos produtores fazem o certo. Os que fazem tudo errado são minoria — e são os que prejudicam a imagem do nosso agronegócio.

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    “Aqueles que desmatam e tocam fogo ilegalmente são os mesmos que agora atentam contra a nossa democracia. Eles precisam ser punidos para o bem do Brasil e do agronegócio”

    Como o senhor pensa em trabalhar a questão da sustentabilidade? O crescimento da nossa produção de forma sustentável e organizada é prioridade para o Brasil. Vamos dar oportunidade para que o produtor possa reconstruir o solo em pastagens degradadas. Hoje o Brasil produz os 300 milhões de toneladas de grãos em 40 milhões de hectares. Nós temos 150 milhões de hectares de pastagens. Dessa área, algo entre 30 e 40 milhões são pastagens degradadas, mas vocacionadas para a agricultura. Se nós colocarmos como meta o incremento de 5% ao ano na área plantada, em vinte anos nós dobraremos a produção. Isso vai gerar empregos e oportunidades no campo e na indústria.

    O Brasil produz alimentos que são capazes de abastecer 1 bilhão de pessoas e, no entanto, há 30 milhões de miseráveis no país. Como resolver esse paradoxo? É realmente um contrassenso — e o agro pode dar sua contribuição para reduzir isso. Primeiro, produzindo mais alimentos para evitar a disparada dos preços. Depois, precisamos aumentar a renda dos brasileiros com oportunidades. Volto à questão da área plantada. Você já imaginou se nós aumentarmos em vinte anos, a cada ano, a partir de 2023, 5% dessa área? Trata-se de um crescimento chinês. Seriam 5% a mais nos empregos na indústria para produzir trator, colheitadeira, insumos e fertilizantes. Seria um aumento de 5% na indústria de peças. E também 5 % a mais dos empregos dentro das propriedades. Só com o aumento da renda nós vamos superar a fome.

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    Como o senhor acha que será a relação do presidente Lula com o Congresso, especialmente com a Frente Parlamentar da Agropecuária, que reúne mais de 200 deputados, grande parte de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro? Lula tem muita habilidade política e sabe dialogar com os partidos políticos. Não vai se deixar ficar com a faca no pescoço e também não vai deixar de negociar com setores divergentes. Isso é muito importante. Eu conheci o presidente Lula quando dirigia a Aprosoja. A gente chegava ao Ministério da Agricultura ou ao Ministério do Meio Ambiente e encontrava um governo de diálogo. Marina Silva era ministra e muitos criticam o seu trabalho na época, mas esquecem que ela licenciou, por exemplo, a BR-163, um grande corredor de escoamento para a safra brasileira. Era um governo que podia e tinha divergências ideológicas e internas, mas era um governo de diálogo. E assim será novamente.

    Publicado em VEJA de 18 de janeiro de 2023, edição nº 2824

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