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Guilherme Boulos: ‘É hora de ir às ruas’

Em ascensão, o líder do MTST vê clima para protestos contra Bolsonaro e acredita que a CPI pode levar ao impeachment

Oferecimento de Atualizado em 4 jun 2024, 13h48 - Publicado em 21 Maio 2021, 06h00

Líder do barulhento MTST e uma das maiores surpresas da eleição de 2020, quando recebeu votação expressiva na disputa pela prefeitura da maior capital do país e se credenciou como uma nova referência na esquerda, Guilherme Boulos (PSOL) diz que as crises sanitária, política, econômica e social estão construindo o clima para a eclosão de protestos de rua contra Jair Bolsonaro, os quais já estão sendo articulados. Segundo Boulos, a CPI da Pandemia vai criar o ambiente político para tornar “reais” as chances de impeachment e o apoio do Centrão se esvairá com a popularidade do presidente em queda. Embora tenha se esforçado na última campanha para desmistificar a imagem de radical, ele usa chavões como “neoliberalismo” e “convulsão social” para falar sobre o quadro atual e prega o avanço de um novo ciclo de esquerda em relação aos anos petistas, implementando a “reversão” de medidas que se revelaram fundamentais para o país, como o respeito ao teto de gastos. Em sua casa, no Campo Limpo, periferia paulistana, ele falou ainda das acusações a Lula na Justiça e de sua intenção de disputar o governo de São Paulo para derrotar o “tucanistão”, como chama o domínio do PSDB no estado.

O PSOL teve candidato em todas as eleições presidenciais desde que foi criado. Será assim em 2022? Esta eleição é diferente, o Brasil teve um retrocesso civilizatório. O grande desafio é acabar com esse pesadelo. Defendo uma unidade no campo progressista para derrotar Bolsonaro.

Nesse campo cabe todo mundo que é contra o presidente? O campo progressista se define a partir de duas características. Uma é a defesa da democracia contra a ameaça autoritária. Nesse ponto, é bastante amplo. Mas há outra, que tem a ver com projeto econômico. Numa eleição, você não vai para dizer contra quem você está, é preciso apresentar um plano. O campo progressista é aquele que não aceita a agenda econômica neoliberal.

O senhor votaria em João Doria (PSDB) ou Luiz Henrique Mandetta (DEM) para derrotar Bolsonaro? Não vejo espaço para esse dilema. Se olharmos as pesquisas de opinião, não existe possibilidade de o campo da esquerda ficar fora do segundo turno.

Bolsonaro pode não passar do primeiro turno? Há chances reais de termos o impeachment. Ele está no pior nível de aprovação. A base dele está se reduzindo cada vez mais a um grupo de fanáticos. Na história de salvar vidas e economia, não salvou nem vidas nem a economia. Uma CPI muda o clima político, nós já vimos isso em outros momentos. Ainda mais com a quantidade de provas acumuladas contra o presidente em relação à pandemia. Ele está hoje nas mãos do Centrão, que não é fiel a nenhum governo. Se Bolsonaro se tornar tóxico, e já está virando, não ficarão com ele.

Mas há impeachment sem povo na rua? Não houve mobilizações da esquerda nos últimos meses pela gravidade da situação sanitária. Mas agora está se construindo um clima para o retorno às ruas. Quando um governo é mais letal do que o vírus, as pessoas tomam consciência da necessidade de saírem para o enfrentamento. É o que está acontecendo na Colômbia, mesmo com a pandemia em alta. Vamos às ruas com máscaras, orientações de distanciamento, todas as precauções sanitárias. Queremos um calendário unificado com a Frente Povo sem Medo, com a Frente Brasil Popular e com os movimentos sociais e de juventude.

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“É inegável que houve corrupção (no período do governo Lula). Há corrupção no Estado brasileiro desde sempre. Que o ex-presidente seja julgado de acordo com o processo legal”

Quando a pandemia arrefecer, não vai diminuir também a pressão sobre Bolsonaro? Não, porque a crise não é só sanitária. É também uma crise política, econômica e social profunda e que não vai se resolver agora.

As questões econômica e social vão dar o tom em 2022? Não podemos permitir que a eleição seja pautada por kit gay, pela agenda de Bolsonaro. Ela tem de ser centrada na desigualdade e na necessidade de reconstruir o país. São seis anos de política neoliberal, de cortes, de falar que é preciso ter um teto de gastos para gerar confiança e investimentos. Só que eles não vieram. Falaram também que era necessária uma reforma trabalhista para gerar milhões de empregos. E isso não aconteceu. Disseram ainda que era preciso fazer a reforma da Previdência, porque investimentos viriam igual a uma manada. Isso também não ocorreu. Essa agenda precisa ser mudada. Defendo a reversão dessas medidas. O Brasil vai precisar de investimentos públicos, e isso é impraticável com esse teto de gastos

Não é uma irresponsabilidade exigir a revogação do teto de gastos com o pais à beira da insolvência? Até o editorial do Wall Street Journal, que é insuspeito de ser comunista, defendeu, no contexto da pandemia, a necessidade de maior intervenção do Estado. Estamos vendo isso acontecer no mundo inteiro. Essa é a forma de responder à crise: romper com a amarra ao investimento público para garantir um plano ousado de obras em infraestrutura, saneamento e moradia. O argumento da responsabilidade fiscal não pode servir para legitimar a irresponsabilidade social.

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Revogar as poucas reformas que foram feitas não passa um sinal errado e afeta a confiança do país? Foram feitas as reformas erradas. As reformas de que o Brasil precisa não é fazer com que o trabalhador pobre receba a aposentadoria mais tarde e ganhando menos. Não é tirar os direitos trabalhistas conquistados ao longo de um século. O Brasil precisa de uma reforma política e de uma reforma agrária que favoreça a pequena agricultura e garanta a segurança alimentar. A reforma de que o Brasil precisa é tributária, para reverter o sistema absurdo no qual quem ganha menos paga mais e quem ganha mais paga menos. Precisamos pautar as reformas certas.

Um novo ciclo de esquerda pós-pandemia, então, teria de ser mais radical em relação ao anterior? Vai ter de aprofundar medidas, ter mais ousadia. Vai ter de retomar um nível de investimento muito maior para o SUS, para a educação pública, e isso significa revogar o teto de gastos. Não tem saída. Não tem como ficar em cima do muro. Vai ter de fazer reforma tributária progressiva com taxação de milionários. O governo de esquerda em 2022 vai ter de enfrentar a farra dos bancos.

Não acha que isso fecha portas a acordos com o centro, como tem tentado Lula, a quem o senhor apoia? A margem de manobra para conciliar interesses existe quando você tem uma onda de crescimento, porque aí você faz políticas sociais por meio do manejo orçamentário, sem precisar confrontar grandes interesses e entrar em temas distributivos. No Brasil, isso não existe, aqui é uma terra arrasada.

LEIA TAMBÉM: Lula estuda como construir uma candidatura para além da esquerda em 2022

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O Lula também pensa assim? Espero francamente que ele concorde.

Um novo embate entre a esquerda e Bolsonaro não vai dar um tom revanchista à eleição? O que o Bolsonaro conseguiu mobilizar em 2018? Foi um sentimento de antipolítica, o discurso de que iria acabar com a roubalheira. A maioria das pessoas que votaram no Bolsonaro não defende tortura, não acredita que a Terra é plana, não é negacionista. A maioria estava de saco cheio com o sistema político e votou nele como desespero, com a crença de que iria mudar as coisas.

As acusações de corrupção contra Lula não vão pesar? Em um estado de direito, todo cidadão é inocente até que se prove o contrário. O que o STF mostrou no caso do Lula foi que o processo conduzido por Sergio Moro era absolutamente viciado. Se o tema da corrupção aparecer em 2022, será centrado em quem faz rachadinha, em quem está comprando o Centrão.

Mas por mais que alguns dos processos contra Lula tenham sido malconduzidos, há fatos ali envolvendo corrupção do PT e as acusações contra o ex-presidente ainda serão avaliadas por outros juízes. Ele não teve nada a ver com tudo isso? Que seja julgado de acordo com o devido processo legal. Agora, é inegável que houve corrupção (no período do governo Lula). Há corrupção no Estado brasileiro desde sempre. A solução é uma reforma política. Nenhum partido é o partido da corrupção. O principal erro de todos os governos recentes foi não ter feito uma reforma política.

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Lula tinha apoio para fazer uma reforma política, mas não só não fez, como jogou o jogo que era jogado. Não cabe um mea-culpa? Não é possível fazer mea-culpa pelos outros. Nunca fui do PT, nunca fui do governo.

O PSOL vai apoiar Lula mesmo com as acusações? O partido vai ter o seu congresso, que vai tomar as definições sobre 2022. O meu posicionamento é pela unidade da esquerda.

“A maioria das pessoas que votaram em Bolsonaro não defende tortura, não acredita que a Terra é plana, não é negacionista. Estava apenas de saco cheio com o sistema político”

O senhor esteve com o deputado Marcos Pereira (Republicanos-SP), ligado à Universal. A esquerda quer recuperar o eleitorado evangélico? Diálogo não arranca pedaço de ninguém. A reaproximação é fundamental. Parte das lideranças que aderiram ao bolsonarismo construiu a ideia de que a esquerda vai destruir a família. Já a esquerda criou a caricatura de que todo evangélico é de direita e conservador. Não é verdade. Atuo no MTST há mais de vinte anos, é um movimento com maioria de evangélicos. São pessoas da periferia, pobres e que enfrentam os mesmos problemas da maioria.

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O senhor vai ser candidato ao governo de São Paulo? Coloquei meu nome à disposição para debater uma unidade de esquerda que acabe com o “tucanistão”. Há um cansaço com o PSDB, acelerado por João Doria e seus graves problemas de gestão. Temos a oportunidade de virar o jogo. Tenho conversado com PT, PDT, PCdoB e Rede. Enfrentar a máquina do PSDB é pesado, é preciso ter uma unidade.

Há possibilidade de aliança com o ex-­prefeito Fernando Haddad (PT)? Acho muito improvável. Pelo que o Haddad tem dito, ele está focado em ajudar Lula na construção da candidatura.

No interior de São Paulo, o agronegócio tem muita relevância, e a população não relativiza conceitos como propriedade privada. Como vai enfrentar isso? Um dos grandes legados da campanha de 2020 foi ter ajudado a quebrar estereótipos, sobretudo em relação às invasões. Mostramos que o MTST luta pelo cumprimento da lei, da função social da propriedade prevista na Constituição, dos dispositivos do Estatuto da Cidade para lidar com imóveis abandonados. Desmistificamos aquela coisa de “Ah, o Boulos vai invadir a sua casa”. Podemos fazer isso no interior também.

Publicado em VEJA de 26 de maio de 2021, edição nº 2739

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