No cargo há apenas seis meses, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, se tornou um dos principais articuladores de Jair Bolsonaro nas relações com o Congresso, com partidos políticos e autoridades da República. Nos bastidores, imbuído de um espírito conciliador, ele trabalhou fortemente para apaziguar os ânimos entre os poderes, que estavam bastante exaltados, e ajudou a construir pontes de entendimento — que julga cruciais para o sucesso do governo. Filiado ao PSD, um dos partidos do Centrão, e evangélico, Faria agora atua nas disputas na Câmara e no Senado para eleger candidatos comprometidos com a agenda liberal e a pauta conservadora do capitão. Em entrevista a VEJA no seu escritório em São Paulo, o ministro defendeu as atitudes do presidente em relação à Covid-19, diz que nenhum nome de centro tem chance de suplantar Bolsonaro em 2022, mas admitiu que o governo vem perdendo a guerra da comunicação na questão ambiental. A seguir, os principais trechos da conversa.
O senhor defendeu na sua posse, em junho, a ideia de que as diferenças políticas e ideológicas fossem deixadas de lado em nome do combate à Covid-19. Isso não aconteceu. Mas melhorou muito. Nós tínhamos uma guerra muito forte entre Judiciário e Executivo. Uma crise diária de palavras, porque a imprensa ficava cobrindo o Alvorada na entrada e na saída do presidente. Todo dia, ele falava por quarenta minutos, uma hora… E aquelas frases ficavam repercutindo uma semana, duas semanas. Ninguém sabia o que o governo estava fazendo para combater a Covid-19. As empresas estavam angustiadas, pois não sabiam o que o Congresso estava votando. Enfim, reinava a confusão. Agora, há um clima maior de entendimento e paz. Precisamos manter isso.
O governo tem alguma autocrítica em relação à atuação na pandemia? No começo, o presidente tomou a atitude de colocar no mesmo patamar o risco econômico e a saúde. E foi muito criticado, porque o discurso no mundo inteiro era o de primeiro vamos salvar vidas e depois cuidamos da economia. Ali houve um sentimento de que ele poderia estar indo por um caminho sem volta. Depois, a própria OMS e vários países começaram a ver que não seria uma curva com um pico de duas, três semanas, que não era só parar, esperar a curva achatar e retomar a normalidade. Estamos há quase um ano convivendo com o vírus. Ou seja: o presidente estava certo. Se a economia entrasse em colapso, o efeito negativo teria sido ainda pior. A autocrítica, então, teria de ser feita por todos, porque naquele momento ninguém sabia de nada.
Falar de gripezinha ou que a pandemia está quase no final não são declarações que merecem reparo? Merecem reparo dos dois lados. Toda a imprensa falou que ele tinha chamado a Covid-19 de gripezinha, mas o que ele disse foi que “se eu pegar esse vírus, provavelmente em mim terá o efeito de gripezinha”. E quando ele fala que a pandemia está no finalzinho é porque as vacinas já estão chegando.
Não houve demora para elaborar um plano de vacinação? O governo comprou 260 milhões de doses da AstraZeneca e entrou em um consórcio que dá direito a mais 50 milhões. Bolsonaro já disse que vai comprar qualquer outra vacina aprovada pela Anvisa. Elaborou uma MP de mais de 20 bilhões que permitirá a aquisição de 400 milhões de doses. O que está havendo é uma confusão de posições. O presidente é contra a obrigatoriedade da vacinação, mas isso não quer dizer que ele é contra a vacina.
“O presidente precisa ter um aliado na Câmara, não só da agenda econômica, mas que saiba que o exercício da democracia é pôr em votação uma pauta, mesmo sem concordar com ela”
Como o senhor avalia esses dois anos da gestão de Bolsonaro? O governo quebrou um ciclo de muitos anos nos quais víamos os mesmos partidos comandando os ministérios. O resultado é que não há nenhuma denúncia de corrupção no governo. Esse é um legado que o brasileiro vai saber reconhecer. Bolsonaro também trouxe uma agenda liberal para a economia. Votamos a reforma da Previdência sem ter nenhum ministro indicado por partido político, algo que consideravam impensável.
Para quem pregava uma “nova política”, as negociações atuais com os partidos não são uma contradição? Para aprovar a sua agenda, ele precisa ter maioria no Parlamento. Por isso está de olho nas eleições da Câmara e do Senado. Várias coisas que ele defendeu em 2018 não foram nem pautadas. Precisamos aprovar reformas. Tem a pauta conservadora, como a redução da maioridade penal e o homeschooling. Bolsonaro precisa ter um aliado, não só da agenda econômica, mas que saiba que o exercício da democracia é pôr em votação uma pauta, mesmo sem concordar com ela.
Na Câmara, o deputado Arthur Lira (PP-AL) é esse aliado? Ele se apresentou quando havia um conflito muito forte com o Legislativo, no momento crucial da pandemia. Ajudou muito o governo a vencer na pauta, porque tinha com ele o PL, o PTB e outros partidos. Temos um Congresso reformista, todos os candidatos que se apresentaram têm compromisso com a questão fiscal. Mas alguns terão compromisso com a esquerda, como o que for apoiado pelo Rodrigo Maia. Por essa razão, a preocupação é termos alguém que nos dê tranquilidade em relação a isso.
Outro ponto do governo que gera muita polêmica é a gestão ambiental. As críticas são injustas? Tínhamos nos governos passados uma crítica muito grande em relação aos órgãos ambientais, que perseguiam os empresários, o agronegócio. Quando veio Bolsonaro com outro discurso, gerou uma guerra enorme e há uma disputa de narrativas. Infelizmente, temos de reconhecer que, internacionalmente, perdemos essa guerra. Eu pedi para termos uma verba maior para divulgação no exterior, porque estamos fazendo muita coisa e precisamos reverter essa imagem que está aí.
O auxílio emergencial foi eficiente na pandemia e melhorou a popularidade de Bolsonaro, sobretudo no Nordeste. Como será após o seu fim? Foi o maior programa de distribuição de renda do mundo, fazendo com que a economia ficasse aquecida e muita gente recebesse um dinheiro nas pequenas cidades. Ajudou também para que o nordestino observasse Bolsonaro, porque o PT dominou a região por muito tempo. Sou nordestino e sei: a gente valoriza o jeitão autêntico do presidente. Quanto à interrupção do auxílio, poderá ter um efeito momentâneo na popularidade, mas o que vai definir a eleição de 2022 é o governo todo, o crescimento econômico. Muito mais importante é o compromisso fiscal, é manter uma taxa de juros em 2%, a inflação controlada, uma relação mais amena entre os poderes. Se o presidente só pensasse na eleição, ele esqueceria tudo e tratava só de manter um colchão gigante de pessoas recebendo o benefício, porque isso garantiu quatro vitórias ao PT. Seria muito fácil. Quebra o país, mas você se elege. Não vamos fazer isso.
A principal oposição a Bolsonaro é o próprio governo, como demonstrou a recente briga de ministros que provocou a queda do titular do Turismo? Gosto muito do Marcelo Álvaro Antônio. Ele sabe que não deveria ter mandado a mensagem com críticas ao ministro Luiz Eduardo Ramos. O presidente, aliás, ficou praticamente a noite inteira sem dormir, porque não foi fácil demiti-lo. Em relação à pergunta, eu concordo 100% que a oposição vem de dentro por um único motivo: o Brasil não tem outro líder e não tem tempo de formar um até 2022. Então, Bolsonaro disputa com ele mesmo, porque não tem ninguém à altura dele. Não tem um Lula da década passada para ser o antagônico. Por isso estão preocupados em buscar erros de Bolsonaro, para ver se alimentam a desconstrução do presidente.
O senhor vê algum risco à reeleição do presidente, caso o centro se una? Não creio nesse cenário. Acho que Bolsonaro vai enfrentar a esquerda, um Guilherme Boulos, um Ciro Gomes, talvez o Fernando Haddad de novo ou outro nome do PT. O eleitor de centro virá com Bolsonaro.
E como o senhor vê a disputa de Doria com o presidente sobre a CoronaVac? Doria se apaixonou por entrevistas coletivas e todos já viram que ele, sim, é quem está tratando a pandemia politicamente. O Bruno Covas, aliás, teve de escondê-lo um pouco na eleição, então não vejo o governador com força para 2022. Fala-se em Sergio Moro, mas ele traiu a carreira de juiz ao virar político, depois traiu o governo e por fim traiu o próprio legado ao ir trabalhar para empresas que ele condenou. O Luciano Huck é um apresentador de sucesso, mas é muito difícil um outsider com família estruturada, bem de vida, largar tudo e começar a levar pancada. E ele tem uma coisa que o prejudica, que é ser da Rede Globo. Os adversários vão usar isso.
“Bolsonaro disputa com ele mesmo porque não tem ninguém à altura. Não tem um Lula da década passada para ser o antagônico. Por isso tentam desconstruir o presidente”
Um dos temas mais importantes de sua pasta é o leilão da telefonia 5G. A Huawei, da China, está fora do jogo? Eu pedi que ninguém tratasse sobre o 5G, porque estava atrapalhando, pelo excesso de informações. Há uma briga geopolítica dominando o assunto, e não é para ser assim. A decisão da Anatel, que está sob o guarda-chuva do ministério, será técnica, mas quem decide é o presidente da República. Como se trata de um chefe de Estado e tem segurança nacional e relações entre países envolvidas, ele tem autonomia. Mas não estamos nessa etapa. O 5G será uma das principais pautas de 2021. Já estipulamos o deadline para o primeiro semestre. A partir de fevereiro, com uma comissão do Tribunal de Contas da União, vamos visitar todos os players na Europa e na Ásia.
Outra prioridade do seu ministério é a privatização dos Correios. Sai em 2021? Garanto que sai. Tudo tem de passar por um ritual, você não consegue mudar isso. No ministério, demorou só dois meses para ficar pronto o projeto de lei. Vou trabalhar intensamente na Câmara e no Senado para que haja um desfecho ainda em 2021.
O senhor é evangélico e Bolsonaro promete um ministro evangélico na próxima vaga do STF. O que acha dessa ideia? Fui batizado em 2018 na Igreja Batista, eu me converti. Minha esposa (a apresentadora de TV Patricia Abravanel) é evangélica, todas as irmãs dela são, minha sogra é, o meu sogro (o empresário Silvio Santos) é judeu. Eu me casei em uma cerimônia judaico-cristã. Meu pai é católico, minha mãe é católica, minhas duas irmãs mais velhas são evangélicas. Mas nunca usei isso politicamente, nem falo. Esse eleitorado acredita muito no Bolsonaro, ele é católico, a esposa dele é evangélica, e ele tem uma identificação muito forte, porque sempre diz que busca soluções na Bíblia. Mais importante, porém, que ser evangélico é ter um compromisso com a agenda conservadora. Mas essa é uma decisão do presidente, eu não me meto.
Publicado em VEJA de 23 de dezembro de 2020, edição nº 2718