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‘Estamos perdendo competitividade no mundo’, diz presidente da CNI sobre custo-Brasil

Ricardo Alban argumenta ainda que o risco de uma paralisação do governo nos próximos anos por escassez de recursos precisa estimular um novo pacto social

Por Márcio Juliboni Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 10 out 2025, 06h00

Em meados dos anos 1980, período que passou para a história como a década perdida devido à grave crise econômica vivida pelo país, a indústria representava 36% do produto interno bruto. Desde então, o avanço do setor de serviços e, sobretudo, a falta de políticas públicas reduziram essa fatia para os atuais 25%. Reconquistar o espaço perdido na economia brasileira é o objetivo de Ricardo Alban, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para tanto, ele defende que os industriais voltem a participar ativamente dos debates públicos. “Precisamos de novos Antônio Ermírio de Moraes”, afirmou a VEJA, referindo-se a um dos maiores empresários do país. Morto em 2014, Antônio Ermírio transformou a Votorantim em um dos pesos-pesados do capitalismo local, sem deixar o engajamento político em causas que julgava relevantes para o desenvolvimento nacional. A mais urgente neste momento, segundo Alban, é reequilibrar as contas públicas, cujo rombo alimenta uma “cultura de juros altos” que “só favorece o rentismo” e onera o custo-Brasil.

O senhor já disse que nada justifica a taxa Selic em 15% ao ano. Então, o que a mantém nesse nível? Na época da covid-19, quando os juros caíram para 2%, uma autoridade monetária me disse que preferia exagerar na dose do corte a errar por falta de remédio. Agora o Banco Central faz a mesma coisa no sentido inverso com a justificativa do risco fiscal. É um fato? É um fato, mas não apenas para o Brasil. Estima-se que a dívida da China pode subir para algo entre 90% e 150% do PIB nos próximos anos. A falta de recursos levou a mais um shutdown nos Estados Unidos. O Brasil vai precisar de uma nova reforma da previdência? Claro que sim. Vamos ou não enfrentar a realidade da saúde e da educação? Todos sabem que esses e outros problemas precisam de respostas. A grande vantagem hoje é que todos falam que o Brasil vai quebrar em 2027 devido ao orçamento engessado. Que bom que todos falam isso, porque precisamos pensar o país de modo mais holístico. Você só muda quando é cobrado.

Mas o descontrole fiscal que o senhor aponta não é um dos argumentos do Banco Central para elevar os juros? Esse é o grande mote da cultura dos juros altos no Brasil, mas quem ganha com isso? Só o rentismo. E o que o rentismo produz? Ele combate o grande dilema de equilibrar oferta e demanda? Óbvio que não. É verdade que o atual governo gasta muito e o Banco Central deve defender a moeda e combater a inflação, mas a política monetária não se restringe apenas a elevar juros. Por que só usamos essa ferramenta? Temos uma opção que já foi muito usada em outros tempos: o depósito compulsório, que tem efeitos semelhantes aos juros altos, mas sem onerar a dívida pública. Podemos ter políticas públicas que estimulem a aplicação de parte do compulsório em investimentos produtivos. Precisamos de uma combinação de ferramentas. Atualmente, privilegiamos apenas o rentismo.

“É verdade que o atual governo gasta muito e o Banco Central deve combater a inflação, mas a política monetária não se restringe apenas a elevar juros”

Outra justificativa do BC é que as projeções de inflação do mercado não convergem para a meta. Não é uma postura prudente? Certamente, a percepção dos financistas pesa muito para o BC. Nos Estados Unidos, apesar das brigas recentes entre Trump e o Federal Reserve sobre o nível de juros, as decisões de política monetária se baseiam em análises da inflação que expurgam uma série de itens. O preço dos alimentos, por exemplo, depende das mudanças climáticas. Não são os juros que definirão quanto a comida vai custar. Os preços da energia e dos combustíveis dependem muito mais do cenário geopolítico do que da política monetária. Deveríamos aprender um pouquinho com as experiências que fazem sentido.

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Na sua opinião, o que falta para enriquecer o atual debate? Quem tem mais sensibilidade sobre o que está acontecendo no mundo real? O sistema financeiro é de suma importância, mas sua função é a intermediação de capital. A economia real é que garante o futuro e sustenta o crescimento do país.

Por que a CNI lançou uma campanha sobre o custo-Brasil há algumas semanas? Cada vez mais, a competitividade da indústria brasileira depende de vantagens comparativas em relação a outros países, porque o mercado internacional se tornou uma variável crítica. A indústria não trabalha mais com limites territoriais. O mundo é a sua fronteira, mas, para isso, o Brasil precisa fazer a lição de casa, como os demais países farão, com certeza. Queríamos tratar do custo-Brasil de uma forma que o cidadão comum entendesse.

O que ainda não está claro a respeito do custo-Brasil para a média da população? Veja como as pessoas percebem o agronegócio hoje: o agro é pop, o agro é tech. As pessoas não sabem que parte da força do agro vem de um grande esforço de inovação e desenvolvimento da indústria que processa o que o campo produz. Queremos sensibilizar o governo e a opinião pública sobre os desafios urgentes que precisam ser enfrentados. As pessoas não têm noção do peso, sobre os preços dos produtos que consomem, dos juros altos, do custo da energia, das deficiências de infraestrutura, dos impostos e de outros problemas. Não dá mais para jogar para debaixo do tapete.

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Por que é tão difícil solucionar esse problema? A resposta mais simples é que isso envolve razões culturais e estruturais. A situação fiscal e estrutural do país está se agravando. Não precisamos apenas de uma nova equação fiscal, mas de uma nova equação estrutural. Há trinta anos, as economias da Coreia do Sul e da China eram menores que a nossa. Mas esses países já tinham um sistema educacional melhor que o brasileiro. Nós chegamos ao absurdo de acabarem com o Ministério da Indústria e do Comércio. Veja se alguém acabou com o Ministério da Agricultura. Nenhum país cresce sem focar no desenvolvimento de sua indústria.

Mas por onde é possível começar a desatar esse nó? Primeiro, temos de enxergar mais o copo meio cheio do que o meio vazio. Sempre que nos prendemos às dificuldades, deixamos de acreditar que isso é possível. Aqui na CNI, temos conversado com as indústrias para mudar a percepção que a sociedade tem de que somos uma coisa arcaica. Por que o agro chegou aonde chegou? Porque sempre houve uma política pública para o setor, que perpassou todos os governos. Havia crédito. Havia o que a Receita Federal chama hoje de gastos tributários, mas que eu sigo chamando de estímulos à produção. Alguns gastos tributários podem ser injustos, incoerentes ou obsoletos? É possível, mas é preciso avaliar cada caso. Nós não temos uma política industrial. A última de que me lembro foi a dos militares e era baseada em estatais.

Como o pacto social que o senhor defende ajudaria na elaboração de uma política industrial? O mundo todo, e não só o Brasil, vive uma crise da democracia com o aumento da polarização política. Temos de encontrar mais convergências. Estamos conversando com as outras confederações que representam o empresariado, como as do comércio, de serviços, das instituições financeiras e das cooperativas. Queremos priorizar as pautas que agregam os interesses de todos. Uma delas é a promoção de uma reforma administrativa séria que ajude na sustentabilidade da máquina pública. Outra é buscar um novo modo de elaborar o Orçamento da União. Não faz sentido um arcabouço fiscal que piora o déficit, quando a economia cresce. Essa lógica não funciona. Temos também de resolver o desequilíbrio da previdência social, porque o Brasil está envelhecendo. Tudo isso precisa ser enfrentado.

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O pacto depende também do Congresso, que prioriza cada vez mais interesses alheios aos da população. O que fazer? Todos nós, em maior ou menor grau, carecemos de uma visão de nação. Nenhum país se desenvolveu na base do “nós contra eles”. Precisamos de políticas de Estado. É um trabalho difícil, de persistência, mas dizem que todo industrial brasileiro é resiliente, por causa das adversidades que enfrenta. Estamos perdendo competitividade no mundo devido ao custo-Brasil, que tem um forte peso dos juros altos. Temos 10% de juros reais ao ano, fora o spread bancário. Isso é correto? Quando eu atuava no mercado financeiro, o spread girava ao redor de 2% ao ano. Hoje, é de 1% ao mês.

“Queremos priorizar pautas que agreguem toda a sociedade. Nenhum país do mundo se desenvolveu na base do ‘nós contra eles’. Precisamos de políticas de Estado”

O senhor vê condições de o Congresso deixar as pautas próprias e focar em políticas de Estado? Se eu não for otimista, é melhor procurar outra coisa para fazer da vida. Veja o que aconteceu com a PEC da Blindagem. Não houve um movimento dos parlamentares para refletir sobre ela. Por isso, precisamos de novos Antônio Ermírio de Moraes. Onde eles estão? Entre os motivos que levaram o agronegócio a ter tanta força no Brasil, está o de que o agro tem muita voz ativa no mundo político. Principalmente depois da Lava-Jato, os empresários se recolheram. Não participam mais dos debates políticos. A indústria precisa recuperar sua autonomia e apresentar críticas construtivas às políticas públicas.

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Qual é, afinal, a vocação da indústria brasileira e como apoiá-la com políticas públicas? Devemos agregar valor às nossas exportações. Não faz sentido exportarmos minério de ferro para a China e, depois, sermos invadidos por aço chinês. Em vez de exportar soja, vamos vender óleo, biodiesel. Vamos investir em nichos de mercado em que podemos absorver tecnologia, como no processamento de terras raras. A China já tem uma política para isso. O Brasil, não. Vamos pensar em como complementar e integrar grandes cadeias globais de produção. O mundo tem oportunidades imensas.

O que o presidente Lula deveria oferecer a Donald Trump para reverter o tarifaço? Ao conversar recentemente com o Departamento de Comércio americano, identificamos três oportunidades: a exploração de terras raras, as nossas fontes de energia limpa para atrair data centers e o mercado de etanol. Precisamos ser, acima de tudo, pragmáticos. Trump é inteligente, com um estilo próprio e intenso. Mas o presidente Lula também é um grande negociador.

Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965

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